domingo, 6 de abril de 2014

Viagem à Líbia kadafista em 1986

Texto publicado no livro de 1986 com o título "Viagem à Líbia". Lançado em Curitiba, Brasil. Este livro não é um diário convencional de viagem, mas o relato de uma experiência que considero das mais interessantes: uma viagem à Líbia em plena efervescência política durante o primeiro ataque militar norte-americano ao Golfo de Sidra. Algumas partes são datadas, outras não. Isso tem uma explicação: embora tenha ficado duas semanas na Líbia, não foi possível redigir matérias diárias ou fazer anotações porque nossa programação era intensa, passei muito tempo fazendo visitas, conversando com pessoas de diversos países e – por que não? – curtindo as praias do mar Mediterrâneo. Além desses relatos, decidi incluir matérias posteriores. No ano de 1982, quando dos covardes ataques israelenses ao Líbano, passei a participar em Maringá do movimento de solidariedade ao Líbano, e por extensão, à causa palestina. Fundamos o Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Líbano e à Palestina, publicamos jornais, panfletos, fizemos passeatas, atos públicos e uma mostra de cinema com palestras de diplomatas, entre os quais um dos representantes da O.L.P. no Brasil. Através da convivência política – movimento estudantil e sindical – com descendentes de árabes radicados no Brasil, fui tomando conhecimento das verdadeiras proporções das guerras no Oriente Médio, suas verdadeiras causas e intenções internacionais. Na época era comum estar na casa de algum amigo (Kassim, Hassan, Saleh entre outros) que recebia cartas de familiares do Líbano contando os horrores da guerra e a barbárie promovida por Israel e Estados Unidos em terras árabes. Durante alguns meses li muitos livros sobre esse tema. No ano de 1984 trabalhei como repórter do jornal ‘Alvorada’, editado pelo Centro Cultural Árabe-Brasileiro de Foz do Iguaçu. Nessa época li os primeiros livros sobre a Líbia e entendi, rapidamente, que a Líbia representa um perigo para os interesses colonialistas dos EUA e Israel no mundo árabe, onde predominam os regimes capitalistas e monarquias, apesar da grande tradição de luta do povo árabe. Neste ano de 1986, no mês de março, fui convidado a visitar a Líbia juntamente com uma comitiva de quase 20 pessoas, entre intelectuais, políticos e artistas brasileiros, para assistirmos à realização da 2° Mathaba, uma Conferência Mundial de luta contra o racismo, o imperialismo, o sionismo e o fascismo. Ofereceram-me 30 dias na Líbia, na categoria de jornalista, e de Curitiba foi comigo o comerciante Ali Mohamed Ali Weizani (falecido), companheiro de viagem muitas vezes citado neste livro. Um verdadeiro amigo. Por motivo de trabalho, ficamos apenas 12 dias naquele país. Decidi publicar este livro porque a Líbia que conheci é diferente daquela mostrada pela grande imprensa, monopolizada pelo sionismo racista internacional. As agências internacionais de notícias mostram a Líbia como um centro de treinamento de terroristas, e o que eu vi foi um país sendo reconstruído, um povo bom e humilde, mas orgulhoso de sua liberdade. Vi um regime político verdadeiramente socialista. Quanto à guerra de propaganda contra a Líbia, nós do Terceiro Mundo já estamos acostumados com isso porque o mesmo acontece em relação à Nicarágua, aconteceu com Cuba e União Soviética. Mas, a exemplo desses países, a Jamahiria Líbia também saberá vencer esse desafio porque seu povo está unido e sabe o que quer. 14.03 – Rio de Janeiro- Casablanca Chegamos ao aeroporto da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, às 10 horas do dia 14 de março de 1986. Às 20 horas do mesmo dia embarcamos no vôo At-242, Rio de Janeiro- Casablanca. Sentado na poltrona do Boeing 747 da Royal Air Marrocos fiquei pensando neste dia. Quando chegamos ao aeroporto , o Ali foi fazer uns telefonemas e eu fiquei sentado na lanchonete do 2° andar, onde se tem uma vista muito bonita da Ilha. Entre um chope e outro comi azeitonas com uma leve impressão de que comeria azeitonas o tempo todo durante a viagem pelos países árabes. Pensava na proibição de bebidas alcoólicas na Líbia e reforçava o pedido: Garçom, mais um! O Ali chega, senta-se, pede um refrigerante e começamos a conversar sobre os últimos acontecimentos na política nacional, estamos em plena efervescência social causada pelo pacote econômico decretado pelo Sarney e imposto pelo FMI. No final da tarde decidimos descer até o térreo para embarque, já me sentindo meio ‘alto’, depois de tantos chopes. Enquanto desço as escadas penso que tudo bem, afinal de contas, seria o último durante toda a viagem. Mas me enganei. No avião da Air Marrocos ainda foi possível uma segunda despedida das bebidas alcoólicas. Ao chegarmos na fila de embarque, para confirmar passagens e despachar bagagens, o funcionário pega a passagem e o passaporte do Ali, fica embaraçado e pede que ele aguarde um pouco porque vai chamar o chefe da segurança do aeroporto. O Ali pergunta por quê? O funcionário responde que é uma norma do aeroporto. Cada vez que algum brasileiro embarca para a Líbia, o chefe de segurança tem de ser avisado, mas é apenas rotina – acrescenta. Aproveito para entregar minha passagem e passaporte e digo: estamos juntos. O funcionário aperta um botão e aguarda... nada. Pede a alguém que procure o chefe de segurança e esse alguém não volta. Por fim, decide ele mesmo ir atrás do chefe de segurança. Volta 5 minutos depois e diz: está tudo bem, podem embaraçar. O Ali quer maiores explicações: por que os passageiros que embarcam para outros países não precisam informar a segurança, enquanto que nós que vamos a Líbia precisamos? O funcionário fica embaraçado e repete: são normas. Depois de algumas palavras sobre prevenção, submissão à CIA, etc.. decidimos encerrar nosso protesto e embarcar, mas o funcionário ainda não terminou, desta vez é ele quem pergunta: ‘O que vocês vão fazer na Líbia?’ Tentando ficar o mais sério possível, respondemos: vamos auxiliar o Kadafi na construção de uma bomba atômica. O funcionário fica pensando. O Ali não consegue mais conter o riso e saímos dando altas risadas. Olho para trás e vejo que o funcionário também está sorrindo. Agora, sentado no avião, fico pensando se conseguirei manter meu bom humor em situações desconhecidas, em um mundo muito diferente do ocidente. A curiosidade ataca e penso em todas as matérias mentirosas dos jornais monopolizados pelo sionismo internacional sobre a Líbia. Lembro do Livro Verde: ‘o povo armado’. Será que encontrarei pessoas armadas pelas ruas? Existe uma ameaça pela imprensa pairando sobre a Líbia. Os EUA querem atacar a Líbia porque temem seu posicionamento socialista no mundo árabe; será que chegaremos a um país em guerra? Converso com o Ali e com passageiros ao lado. Estamos tranqüilos por enquanto. O avião levanta vôo, olho pela janela e vejo o Rio de Janeiro iluminado à noite. Tapete persa feito de luzes cintilantes,visto do alto. Depois o oceano, escuridão e água, escuridão e água. Ligo o fone de ouvido num canal de música clássica e durmo. 15.03 – Casablanca – Trípoli Ao desembarcar no aeroporto de Casablanca temos que aguardar 10 minutos até a liberação do nosso passaporte. Os passageiros que vão para outros países são liberados no ato, mas nós não ligamos porque, afinal de contas, vamos à Líbia. Durante o período de espera procuro algumas lojas que vendam cartões postais e não encontro. Peço a Ali que converse com uma funcionária do aeroporto prá ver se consigo alguns cartões. Uma bonita marroquina, vestindo uniforme azul de funcionária do aeroporto, diz que dentro do aeroporto não existe loja pra isso. Lamentamos o fato mas, quando nos retiramos, ela chama e diz que pode resolver o problema. Penso comigo, Será o ‘jeitinho brasileiro’? A moça pergunta quantos cartões, respondo que 10. Ela pede uma soma em dinheiro local. Digo que só tenho dólares e dou-lhe uma nota de 5 dólares. Pergunto se é o suficiente. Ela, através do tradutor, meu amigo Ali, responde que sim. Uma hora depois disso ainda estamos sentados no saguão do aeroporto. Logo, a marroquina retorna trazendo os 10 cartões e o troco em moeda local. Ofereço o troco mas ela recusa. Agradeço e passo a escrever os cartões enquanto o Ali conversa com a funcionário. Depois de despachar os cartões o Ali me disse que a moça foi de carro até o centro da cidade, mas de 30 quilômetros, Apenas para comprar os cartões para mim, alguém que ela não conhecia e que jamais voltará a ver. Trípoli Aterrissamos no aeroporto de Trípoli às 14,30 horas. Quando o avião toca as rodas na pista pela primeira vez a maioria dos passageiros aplaude ruidosamente. Pergunto ao Ali o motivo dos aplausos e ele explica – deduz – que os passageiros sentem-se felizes por estarem voltando ao seu país. Quantos povos têm esse sentimento de amor à pátria? Falo para o Ali que essa demonstração revela um tipo de amor pela terra que não existe em muitos países do mundo, onde os povos percebem que a terra não lhes pertence, embora tenham nascido nela. E pensar que os líbios nem ao menos têm aulas de Educação Moral e Cívica... No aeroporto somos recebidos por alguns jovens que devem fazer parte do comitê de recepção. Somos levados ao saguão do aeroporto depois de submetermos as malas aos aparelhos de detecção de armas, muito comuns em aeroportos internacionais do Brasil, EUA e Europa. No saguão entramos em contato com outras pessoas que também vieram participar da ‘2° Mathaba’: um jornalista do Paquistão acompanhado do filho, dois gregos, um português e um egípcio. Trocamos rápidas palavras enquanto somos filmados pela televisão líbia. O entrevistador fala em árabe enquanto somos filmados pela televisão líbia. O entrevistador fala em árabe enquanto o câmera me focaliza: ‘Este é do Brasil’. Cumpridas as formalidades – apresentação de passaportes, confirmação de convites, etc. – somos levados até um taxi com destino ao hotel Oásis, no centro de Trípoli. Pelo caminho vejo placas enormes escritas em árabe. O Ali explica que são cartazes saudando a revolução. Nas imediações da rodovia, muitas árvores, plantações de chá, oliveiras e pastos formam a paisagem. Vejo crianças líbias cuidando de rebanhos, brincando com carneirinhos, outras jogando futebol. Diversos campos de futebol improvisados com autênticas ‘peladas’, no melhor estilo brasileiro. O carro continua avançando e vejo algumas refinarias de petróleo, pintadas com tinta camuflada. Quando o táxi entra pelas ruas movimentadas de Trípoli levo um susto com a situação do trânsito: motoristas em alta velocidade, poucos sinaleiros, muitas buzinadas, freadas bruscas. O Ali comenta, brincando, ‘até na forma de dirigir carros eles são revolucionários’. Ainda não vi um árabe mais brasileiro que o Ali, agora naturalizado. No hotel preenchemos a ficha de hóspedes, cada um recebe um apartamento individual. Depois de desfazermos as malas descemos ao saguão do hotel, onde um ônibus aguardava para levar-nos à conferência. Durante o percurso do hotel ao local da conferência vejo dezenas de faixas pelas ruas, em diversos idiomas, saudando os participantes do acontecimento. No ônibus ouço idiomas dos mais diferentes possíveis. Tenho a impressão de estar num desfile de trajes típicos: iranianos, índios peruanos e norte-americanos, africanos, latino-americanos, etc. O centro de convenções, local da conferência, está fortemente iluminado. Dezenas de bandeiras verdes tremulam na entrada. Apresento minhas credenciais e os seguranças ficam em dúvida sobre a forma da minha participação. O Ali faz as traduções. Finalmente, decidem nos credenciar como jornalistas do jornal ‘Opção Cultural’, de Curitiba, do qual sou o editor. Na hora fico contente, mas depois me arrependo, ao saber que os jornalistas ficam em setor separado dos congressistas, embora no mesmo plenário e tendo acesso a tudo. Pela primeira vez vejo armas: jovens seguranças da conferência, alguns vestindo trajes árabes, outros vestindo jeans, portando metralhadoras automáticas, presas nas costas. Esses seguranças procuram agir de forma mais discreta possível. Ficam de frente para o plenário, de forma que as metralhadoras não apareçam. Outros ficam atrás das cortinas, conversando informalmente com pessoas próximas. Dentro do plenário 5 câmeras de televisão, das mais modernas, fazem a cobertura jornalística projetando simultaneamente as imagens numa enorme tela ao lado direito da mesa diretora dos trabalhos. Mais de 4.000 pessoas participam da conferência, divididas em diplomatas, delegados, representantes de movimentos e partidos políticos, imprensa, movimentos culturais, etc. A maioria dos países do mundo está representada. As maiores delegações são a africanas, norte-americana (negros e índios) e a brasileira. No dia seguinte consigo conversar com a delegação brasileira, composta por representantes de diversos partidos políticos. Decido apoiar a revolta da delegação brasileira diante das posições políticas equivocadas do representante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro). Se existisse alguma forma de expulsar o representante do ‘8’ da delegação brasileira, e o critério fosse o voto dos membros da delegação, não existe dúvida de que a delegação brasileira teria um delegado a menos. Apesar do nome de movimento revolucionário, seu representante defendia propostas dignas de um PDS qualquer. Converso com sulista e nordestinos. Trocamos números de telefones de hotéis, promessas de reencontros e nos despedimos. Na mesa, alguns delegados começam a se revezar, de repente, faz-se silêncio no plenário.
Kadafi entra em cena O presidente da mesa da ‘’2° Conferência Geral da Mathaba Mundial’’ fala no microfone que está chegando para abrir oficialmente o evento o líder da revolução líbia, Muamar Kadafi. Aplausos. O planário da conferência parece entrar em transe, com todas as pessoas aplaudindo de pé a presença do líder líbio. Olho para os lados e vejo alguns africanos com lágrimas nos olhos. As pessoas aplaudem e gritam ‘’Kadafi!’’, ‘’Kadafi!’’, ‘’Kadafi!’’. No plenário principal um grupo de africanos começa a cantar palavras-de-ordem e as pessoas continuam aplaudindo. Kadafi está tranqüilo, sorridente, acompanha as manifestações do plenário fazendo movimentos com os punhos cerrados. Extremamente carismático, Kadafi começa seu discurso afirmando que a Líbia é a vanguarda revolucionária dos povos e que, por isso, tem sido vítima de ataques norte-americanos desde agosto de 1.981, porque os opressores sabem que a Líbia é uma base de luta contra o imperialismo, o sionismo, o racismo e o fascismo. Aplausos. Durante todo seu discurso, Kadafi é interrompido diversas vezes por aplausos e palavras-de-ordem gritadas pelo plenário. A seguir, alguns trechos do discurso de Muamar Kadafi na abertura da segunda Mathaba Mundial, em Trípoli, no dia 15 de março de 1.986: “Os EUA podem destruir a Líbia mas jamais derrotarão o povo líbio. Desgraçadamente os EUA agridem e atacam os pequenos povos , e Granada foi uma lição para todos. Os povos que lutam para se libertar sabem que foi um exemplo para todos. Granada não teve o apoio da ONU, não houve desculpas. Quando os imperialistas atacam os povos, ocupam seus territórios, não há resistência dos outros países aos crimes”. “Granada com pouco mais de 100 mil habitantes não pode ser ameaçada pelos EUA com mais de 200 milhões de habitantes”. “Que este acontecimento sirva de início para o internacionalismo dos pequenos povos, para mostrar a necessidade de uma frente antiimperialista para lutar contra a opressão americana. Se o imperialismo acredita que conseguiu uma vitória contra Granada com esse ato degradante, os povos passaram a entender que necessitam fazer uma frente para lutar contra ele”. “Nós nos sentimos preocupados com o M-19, com o assassinato de seu líder por parte dos fascistas colombianos”. “Nós estamos dispostos a lutar contra o fascismo na América Latina, América Central, Europa, Ásia, África e em qualquer parte do mundo porque os fascistas não distinguem os seres humanos e classificam os povos entre superiores e inferiores. Os fascistas não terão paz assassinando nossos amigos porque a luta contra o fascismo aumentará sempre”. “Existem muitos exemplos na história da Humanidade provando que o fascismo, o sionismo e o racismo não vão retroceder e vão continuar assassinando os líderes, não vão parar de invadir países e ocupar terras e não vão considerar os direitos dos povos. O imperialismo e suas forças colaboracionistas são uma ameaça aos povos que querem viver pacificamente, aos povos que decidiram não viver oprimidos”. “A vida dos povos pequenos está ameaçada. O sionismo racista de Israel, o racismo da África do Sul, o fascismo de alguns países da América Central e Latina são instrumentos do imperialismo”. “Esta ameaça que nos rodeia, ameaça poderosa, obriga-nos a praticar a autodefesa, obriga-nos a criar uma frente internacional para enfrentar este perigo”. “Vemos atualmente uma guerra econômica contra a líbia, guerra contra a Nicarágua, ameaças aos países da América Latina, ameaças ao Irã, Palestina, Líbano, Síria, Angola, Moçambique e a todos os países que fazem fronteiras com a África do Sul. Todos os países do Mediterrâneo sofrem ameaças desde a Segunda Guerra Mundial. O imperialismo se opõe aos interesses dos povos. Estão despejando sua frota no Mediterrâneo para transformar este mar num mar de destruição, para destruir os pequenos povos que vivem no mediterrâneo”. “Dizem que os EUA promoveram uma abertura política mas esta abertura não resolveu nada porque espalharam o medo de uma guerra nuclear. A guerra nunca deixou de existir para os pequenos povos”. “Nossa palavra-de-ordem na questão do racismo sul-africano deve ser ‘África para os africanos’. Devemos transmitir forças para os que lutam na África do Sul, para as vítimas da ação de um punhado de racistas brancos apoiados pela CIA”. “Por pequena que seja, Granada tem o direito de recuperar sua soberania. Devemos apoiar também a Nicarágua”. “Devemos empreender uma luta coletiva para enfrentar o perigo comum. No mundo árabe os imperialistas norte-americanos se uniram aos sionistas para tentar invadir e dominar os campos petrolíferos”. “Quando os EUA ocupam Granada e o mundo se cala, como poderá algum outro país viver em segurança?” “É uma falta de respeito para com a paz a mobilização de tropas dos EUA no Golfo de Sirta. Em um ano os aviões norte-americanos realizaram mais de 3.000 vôos de espionagem sobre o território líbio”. “Os EUA podem exterminar o povo líbio, mas não podem derrotá-lo".
18.03- Almoço no deserto Saímos de ônibus pela manhã, por volta de 8 horas, rumo ao deserto líbio mais ao centro do país. O ônibus lotado de jornalistas percorreu mais de 200 quilômetros de estradas asfaltadas onde vimos muitas aldeias e pequenas cidades líbias. Durante todo o percurso a televisão do ônibus transmite um filme sobre Omar Moukthar, herói líbio que lutou contra o fascismo italiano. Poucas pessoas prestam atenção ao filme porque estão mais interessadas em ver como vive e trabalha o povo líbio. O filme de Omar Moukthar seria depois projetado no hotel. No papel principal, nada mais nada menos que Anthony Quinn. A primeira parada do ônibus foi numa fábrica de cerâmica – vasos, cinzeiros, azulejos, pias, bidês, etc. Visitamos suas diversas instalações ouvindo explicações do diretor. Todos os operários são sócios na fábrica , recebem de acordo com a produtividade, mas sempre acima de um teto mínimo, indispensável. Homens e mulheres trabalham operando modernos equipamentos de fabricação alemã. A impressão que se tem é que todo o maquinário foi importado da Alemanha. A linha de montagem é das mais modernas e utiliza pouca mão-de-obra, pois quase tudo é mecanizado e automático. Os operários do setor de pintura exercitam-se criando novas formas de moldes para vasos, preservando os traços e motivos árabes em toda a produção. Alguns operários pintam manualmente algumas peças. A linha de azulejos é ainda mais moderna e utiliza menos mão-de-obra. As próprias máquinas amassam o barro, modelam, imprimem a forma, pintam e empilham para serem encaixotadas. Os operários apenas controlam as máquinas e encaixotam os azulejos. Homens e mulheres trabalham na fábrica. Ao menos nestas duas fábricas não vemos discriminação da mulher. Os trabalhos são iguais. Em seguida, continuamos viajando deserto adentro. Agora a vegetação muda e passa a ser ainda mais escassa. Muita areia e pedras por toda a parte, De repente, em pleno deserto, encontramos enormes faixas de terra cultivada, plantações de trigo, laranja e chá. Enormes máquinas de irrigação trabalham sem cessar. São 13 horas e o ônibus continua percorrendo estradas pelo deserto. Os jornalistas já começam a reclamar de fome. Meia hora depois estamos numa casa típica árabe. Somos levados a uma grande sala. As mulheres são convidadas a almoçar em outra sala. Alguns camponeses dos projetos de irrigação trazem a comida, de forma um tanto desajeitadas. Está claro que não são garçons, mas camponeses. A comida é trigo moído, parecido com quirera, coberto por carne de carneiro ao molho, com legumes e verduras. Tudo isso dentro de enormes tigelas. Pedem para que formemos grupos de cinco pessoas e cada grupo recebe uma tigela. Estamos todos deitados em tapetes, apoiados em almofadas. Alguns preferem comer com as mãos, outros usam talheres. No meu grupo estão jornalistas colombianos, um de Gana e um norte-americano. Além de água são servidos três tipos de refrigerantes. Após o almoço passamos a conversar animadamente sobre diversos assuntos, principalmente política. Alguns argentinos contam piadas. O idioma que predomina é o espanhol. Conversamos de forma tão descontraída que nem percebo que estou falando em espanhol com um jornalista português. Um jornalista belga chama nossa atenção e diz: ‘’Está bem, vocês já podem conversar em portuguê”. Riso geral. Entre os presentes, o escritor argentino Horácio Calderon, o primeiro exilado político argentino a se refugiar na Líbia durante a vigência da ditadura militar argentina. 18.03- Mathaba, a conferência mundial Iniciados os trabalhos da conferência, o representante soviético é inscrito e faz uso da palavra. Bastante aplaudido pelos presentes, fala sobre a política expansionista de Israel e Estados Unidos, condena o racismo na África do Sul, condena a presença de barcos e porta-aviões norte-americanos em águas do Mediterrâneo e finaliza seu discurso falando sobre a questão nuclear. Diferente de outros oradores, o representante soviético se faz acompanhar por um tradutor, de forma que seu discurso é feito em russo e o tradutor traduz para o árabe, não perdendo nem mesmo as inflexões da voz do discurso original. No final, são aplaudidos. Em Seguida é a vez do representante da delegação da Índia, um Sikh ‘’intocável’’, que denuncia o segregacionismo religioso na Índia. Ele fala que 20% da população da Índia é discriminada, ou seja, 160 milhões de pessoas, por serem Sikhs, cristões e muçulmanos. Os adeptos dessas religiões são considerados ‘’intocáveis’’. Esse termo, afirma o representante indiano, é usado porque são considerados indignos até mesmo de serem tocados. Depois, critica o governo indiano, ‘’que tem sido incapaz de combater a discriminação religiosa na Índia’’. Termina o discurso e é um dos mais aplaudidos. Agora é a vez de falar do representante da delegação de Sumatra. Vestindo roupas berrantes, o representante de Sumatra diz que ‘o racismo na África do Sul é inconcebível e é necessário uma luta internacional para combater o imperialismo e o racismo’. Propõe a formação de um exército internacionalista para lutar contra os ‘inimigos da Humanidade’ e oferece 5.000 combatentes de Sumatra para participar desse exército. Ao meu lado, um jornalista da Indonésia diz que ‘se eles tivessem 5.000 combatentes já teriam tomado a África inteira’. Rimos. Algumas pessoas riem, outras acreditam. O próximo inscrito é o representante do Movimento Revolucionário de Gana. Ele denuncia a existência de bases militares francesas naquele país. Protesta pela militarização progressiva de Gana e acusa o governo de colaboracionista com os EUA. O povo de Gana, afirma, “Não aceita ser uma base nuclear francesa. Não aceita ser base de treinamento de mercenários contra-revolucionários’’. No final, apóia a idéia de formação de um exército internacionalista. O próximo orador é um dos comandantes do movimento de luta armada FARCO do Equador. Ele denuncia as torturas e assassinatos de líderes estudantis, políticos e sindicais no Equador. Acusa a CIA de envolvimento direto nesses crimes. Diz que estão lutando ‘pela libertação do Equador, pela dignidade do homem’. No final, é bastante aplaudido. O último inscrito da manhã é português, membro da F.U.P., que acusa o Partido Socialista de Portugal de praticar ‘um falso socialismo’. Protesta pela prisão do coronel Otelo Saraiva. Denuncia o crescimento do desemprego em Portugal e o crescimento da presença militar estrangeira em solo português. Encerrada a primeira parte da conferencia do dia de hoje, seguimos para o hotel, para almoçar. O relógio marca 14horas.
O que é Mathaba Dizem que na antiguidade, num país árabe, as tribos e povos foram convocadas para se reunirem e discutirem formas de luta contra um país que os dominava. Essa reunião ficou conhecida como o nome de Mathaba. Desde 7.000 A.C. a Líbia tem história para contar. Embora não existam registros precisos, os descobrimentos arqueológicos mostram que até o ano 2.000 A.C. a Líbia foi um país de terra muito fértil, onde se cultivavam uvas e oliveiras, além da criação de gado. Homens como Homero, Heródoto e Aristóteles mencionaram a Líbia em seus inscritos. Mais precisamente, durante as rotas marítimas dos fenícios que saíam da costa libanesa – Tiro e Sidon – para atingir o setor ocidental do Mediterrâneo, a Líbia recebeu as primeiras incursões de que se tem registro na História. Passando pelas guerras do rei líbio de Numídia, ano 200 A.C., até a dominação romana, turca e italiana – a última – o povo líbio mantém uma tradição de luta incomparável. Portanto, é natural que a Jamahiria Líbia seja escolhida como sede da Mathaba mundial.
Parte da Resolução do Encontro Os desenvolvimentos que caracterizam o Movimento Revolucionário Mundial, assim como as circunstâncias que lhe são inerentes e de ter analisado os desafios impostos pela agressão imperialista, sionista e racista contra os pequenos povos e nações proclamam que: I – A II Conferência Geral da Mathaba Mundial contra o imperialismo, o sionismo, o racismo, a reação e o fascismo saúda a valente posição revolucionária da gloriosa revolução de Al-Fateh e seu guia revolucionário Muammar Al-Kadhafi diante da feroz ofensiva dos Estados Unidos, com suas ameaças de agressão, suas manobras de provocação ao largo das águas territoriais árabe-líbias. A Conferência afirma que o Golfo de Sidra é parte integrante do território árabe-líbio, estando sob sua total soberania. A Conferência sublinha a necessidade de se adotar uma atitude firme perante todos os regimes que continuam servindo de trampolim ao imperialismo, permitindo a este a ameaçar a segurança e a estabilidade dos povos, assim como servindo de ponto-de-partida para a realização de tais práticas terroristas. II – A Conferência valoriza a firmeza da Revolução Sandinista, diante dos complôs imperialistas norte-americanos, expressando sua aprovação e apoio ao povo e à Revolução Sandinista. Do mesmo modo, a Conferência expressa uma solidariedade capaz de reconfortar a firmeza de Cuba e seus dirigentes revolucionários, sob a direção do camarada Fidel Castro, diante da arrogância norte-americana. III – Valorizando alto grau a intensificação da luta do povo da África Austral e de suas forças revolucionárias, que se opõem à política do apartheid, imposta aos africanos negros pelo regime de Pretória, a Conferência ratifica que o desmantelamento dos últimos baluartes de tal regime apoiado pelo imperialismo norte-americano e seu aliado, da entidade sionista-racista que ocupa a Palestina árabe, correspondente a um dever revolucionário sagrado, que não diz respeito somente aos africanos negros, mas a uma aliança revolucionária mundial de luta coletiva e sistemática, que mobilize as forças da liberdade em todo o mundo. Declara 1.986 como o ano do enfrentamento com a discriminação racial na África. A Conferência exorta a todos os revolucionários do mundo a apresentarem-se como voluntários contra este regime. IV – A Conferência aprecia em alto grau a valente e tenaz resistência das massas árabes da Palestina ocupada perante as artimanhas sionistas, terroristas e racistas que procuram liquidá-las e fazer desaparecer seus direitos históricos de existirem em suas terras. E condena todos os atos de selvageria, que vão desde o assassinto até o extermínio coletivo de mulheres, velhos e crianças por bandos sionistas. A Conferência ratifica seu total apoio a justa e legítima luta armada palestina até a libertação completa do solo árabe-palestino e condena todos os planos capitulacionistas impostos pelos Estados Unidos da América do Norte e por seus próceres. Além disso, a Conferência saúda a heróica firmeza do povo libanês contra a agressão sionista-racista e sua resistência tenaz contra as forças multinacionais de agressão, encabeçada pelos Estados Unidos, e convoca todos para aumentarem sua solidariedade às forças progressistas árabes-libanesas, quando estas intensificam suas ações revolucionárias em sua marcha para a liberdade. V – As guerras de genocídio perpetradas pelos invasores brancos na América do Norte e em outros lugares, que atingiram os índios norte-americanos, são uma prova histórica do belicismo e da selvageria destes invasores e ficarão gravadas em suas frontes como uma marca de infâmia através das gerações. As tentativas, cujo fim seja perverter a história e distorcer os fatos, segundo o enfoque do homem branco, não podem ocultar a verdade histórica, que afirma o direito das comunidades indígenas da América de fundar seu lar nacional sobre o solo histórico. Sobre este ponto, a Conferência declara aprovar e apoiar esta justa e legítima luta. Do mesmo modo, ela insiste sobre o direito dos peles-vermelhas – como nação – de fundarem seu lar nacional unificado. VI – As nações divididas têm direito à reafirmação de sua identidade nacional, de reunir seus compatriotas espalhados, vítimas da dispersão geográfica e política. Em virtude da presente tomada de posição e com o objetivo de corrigir acumulação de fatos históricos, que aumentam os problemas, a Conferência expressa seu apoio à luta do povo curdo por sua unidade nacional e pela recuperação de suas legítimas reivindicações. VII – A Conferência saúda a intensificação do combate das forças revolucionárias nacionais no Iraque em luta pela derrubada do regime fascista de Saddam Hussein e condena a guerra criminosa perpetrada por este contra a Revolução Islâmica do Irã. VIII – Os levantamentos populares das minorias negras, assim como sua oposição às políticas de discriminação racial e de segregação étnica pelas sociedades norte-americanas e britânica, confirmam a necessidade de remodelar estas sociedades de modo a incorporar o direito das minorias à participação total na vida política, econômica e social, para poderem assumir integralmente o papel que lhes corresponde de acordo com os princípios elementares dos Direitos Humanos. Igualmente, a Conferência apóia, sem reservas, estas minorias em suas justas e legítimas lutas e se une à sua causa contribuindo com meios para conseguirem a vitória definitiva em seu combate contra regimes reacionários e retrógrados. IX – A Conferência saúda a luta progressista dos pequenos povos, assim como sua resistência diante dos complôs e desafios imperialistas, que ameaçam sua liberdade e independência ou que se propõe a conter seu avanço, com a pretensão de colocá-los de joelhos política e economicamente. A Conferência ratifica seu apoio total e tais povos em sua luta por salvaguardar sua identidade e liberdade, incluindo seu direito de elaborar novos sistemas de aliança e de defesa coletiva. X – A Conferência felicita a ampliação das lutas nos últimos bastiões do colonialismo francês, que continua submetendo os pequenos povos insulares de Nova Caledônia, de Guadalupe, Martinica e de Reunião. A Conferência frisa o direito destes povos de disporem de si mesmos, eliminando os laços de dependência e dominação colonial, assim como se declara sem reservas, ao lado dos movimentos de libertação insulares citados. XI – A Conferência destaca a importância de reforçar a luta comum com o conjunto dos países socialistas em defesa da causa da liberdade dos povos, da manutenção de sua independência nacional e da proteção de suas conquistas. XII – O imperialismo, o sionismo e o racismo representam um terror constante para os povos e nações pequenas e os exemplos mais atrozes disso tem lugar na Palestina ocupada, Namíbia e África do Sul. Em conseqüência, a réplica a tudo isto, através da luta armada, não pode ser confundida com o terrorismo, como tenta demonstrar o imperialismo, já que se trata de uma luta, cuja legitimidade se origina do direito à legítima defesa. A Conferência sublinha que o verdadeiro terrorismo é o de Estado, praticado pelos Estados Unidos e demais potências neocoloniais, que destinam seu potencial militar, político e meios de comunicação para submeter os povos e para dominá-los. É a administração norte-americana, a que realiza tal terrorismo de Estado e que invadiu, militarmente, Granada, Líbano e Chad, que ameaça invadir a Jamahiriya e a Nicarágua, que organiza manobras de provocação, utilizando sua frota naval, que fomenta golpes de Estado e assassinatos de dirigentes revolucionários em todo o mundo, que instala bases militares e armas nucleares, que saqueia os recursos econômicos dos povos e que arruína suas culturas, destruindo, inclusive, sua existência. XIII – Considerando que a aniquilação dos últimos bastiões do fascismo e dos regimes tirânicos e ditatoriais não implica apenas numa substituição de um instrumento repressivo por outro, mas que é parte do movimento mundial das massas, que atuam no sentido da tomada do poder, baseando-se em seu potencial político, econômico e militar e no seu direito de adotar o sistema de luta coletiva diante do fascismo para destruir os seus pilares, a Conferência valoriza, em alto grau, as vitórias obtidas pelas massas na África, Ásia e América do Sul, as quais fizeram cair os símbolos do fascismo, ao tomarem seus bastiões. Deste modo, a Conferência proclama que se mantém ao lado de todos os movimentos de libertação, que continuam contra os regimes de opressão e os últimos baluartes do fascismo. XIV – A corrida armamentista e a instalação de armas nucleares, a contaminação do meio ambiente e a hegemonia norte-americana sobre a Europa Ocidental impulsiona o movimento das massas e dão vigor aos movimentos pela paz e aos movimentos alternativos. A Conferência declara que apóia, total e absolutamente, estes movimentos com o objetivo de aumentar sua eficiência e suas possibilidades de desempenhar um novo papel em defesa da civilização em relação aos povos da Europa e exorta à retirada das frotas de guerra que semeiam o terrorismo no Mediterrâneo, transformando essa região em zona de paz e segurança. XV – A Organização das Nações Unidas é, em sua situação atual, uma organização governamental e sua vontade está comprometida, devido à existência do privilégio do direito de veto, exercido desde sua criação, contra os interesses e causas das nações pequenas. A Conferência lança um chamado em pró de uma nova organização internacional que realize a vontade das pequenas nações oprimidas, amantes da paz e da justiça e que seja transformada em tribuna, onde a voz do bem e do direito se faça ouvir, calando para sempre a voz da hegemonia imperialista. XVI – Dada a gravidade da fase que atravessa o Movimento de Libertação Nacional Mundial, diante do aumento das múltiplas agressões do imperialismo norte-americano e de seus aliados, que assumem características de invasão militar direta dos territórios dos países, tal como ocorreu em Granada e no Líbano e em algumas nações africanas limítrofes da África do Sul racista e do Chad, assim como a ameaça militar do imperialismo norte-americano contra o povo da Jamahiriya Socialista Popular Árabe da Líbia. A Conferência afirma que os métodos para se enfrentar esta campanha imperialista terrorista precisam ser readequadas ao combate coletivo destes povos, para que esta luta tome a forma de combate global e passe a ser o fundamento jurídico-revolucinário, adquirindo assim, a legalidade internacional, como direito reconhecido de legítima defesa. A Conferência adotou, além disso, as seguintes decisões: 1 – Os membros da Conferência resolvem considerar o discurso do guia internacionalista, Muammar Al-Kadhafi, como documento de base para os trabalhos da Segunda Conferência Geral da Mathaba Mundial. Comprometem-se a cumprir as orientações deste documento e proclamam o guia orientador da revolução mundial, dirigente revolucionário contra o imperialismo, o sionismo, o racismo, a reação e o fascismo. 2 – A Conferência decide organizar uma força combatente contra o imperialismo, o sionismo, a reação e o fascismo para concretizar o princípio de legítima defesa, cuja sede se localizará na Jamahiriya Socialista Popular Árabe da Líbia. 3 – A Conferência decide, além disso, organizar uma frente mundial, formada pelos pequenos povos e nações, pelos movimentos revolucionários e formações políticas, pelos regimes progressistas e pelas revoluções populares do mundo, para se levar adiante a luta contra as forças da arrogância e da hegemonia no mundo. 4 – A Conferência resolve, além disso, com o objetivo de enfrentar a estratégia global de agressão, na qual os papéis são distribuídos pelo imperialismo, pelo sionismo, pelos regimes fascistas e ditatoriais, apoiar os movimentos de libertação e sua legítima luta, pela afirmação de sua identidade cultural e seu direito de reconstruir suas pátrias espoliadas e de viver em paz , a salvo das ameaças do colonialismo e do terror nuclear. 5 – A identificação dos objetivos de luta é um dever ditado pelas necessidades da situação. Os membros da Mathaba, que participam na Conferência, aprovaram o seguinte: a – Organizar encontros, seminários e entrevistas; b – Publicar jornais, informes e notícias sobre seus membros-participantes e suas atividades; c – Intercambiar publicações; d – Organizar foros culturais; e – Realizar atividades políticas regulares e ocasionais sob forma de colóquios internacionais, manifestações revolucionárias, festivais da liberdade e jornadas de solidariedade. A verdadeira face dos Estados Unidos da América Os EUA temem a realização de encontros internacionais como a ‘Mathaba’ porque eles permitem um intercâmbio entre os povos, intercâmbio este que muitas vezes trás à tona verdades que os EUA preferem que fiquem ocultas. Conversando com alguns nicaragüenses presentes ao encontro, eles nos mostraram fotografias tenebrosas dos crimes praticados pelos contra-revolucionários na Nicarágua. A partir de Honduras eles invadem o território nicaragüense, assassinam os camponeses e retornam a Honduras, transformada em base militar norte-americana para dar proteção aos assassinos contra-revolucionários, mercenários regiamente pagos em dólares pela administração Reagan. Uma dessas fotos produziu um choque em todas as pessoas que a viram, foi a que mostrava um camponês nicaragüense aprisionado por contra-revolucionários, as mãos atadas, deitado no chão. Deitado sobre esse homem estava um contra-revolucionário que, com a maior frieza, cravava um punhal na garganta do camponês nicaragüense. Através da fotografia podíamos ver claramente a expressão facial do camponês, uma mistura de dor e terror sobre-humano. Com certeza essa fotografia foi enviada aos jornais. Alguém viu esta foto publicada em algum jornal? Outro caso que vimos foi o de uma jovem chamada Ana, de El Salvador, estudante secundarista. Com apenas 14 anos de idade essa salvadorenha foi aprisionada pelos militares salvadorenhos e levada a centros de torturas. Completamente alienada em relação à política ideológica, os militares salvadorenhos queriam que ela denunciasse pessoas e participação na guerrilha. Ela não sabia o que dizer e foi torturada. Teve um olho vazado e seus dedos da mão foram decepados pouco a pouco através de golpes de facão. O torturador, um militar de El Salvador, era assistido e recebia instruções o tempo todo de um militar norte-americano. Esta estudante vive hoje em Havana, recolhida num hospital psiquiátrico porque não suportou os horrores da tortura a que foi submetida. Hoje ela tem 16 anos de idade, o corpo marcado de sinais de tortura e um inferno no cérebro. A América Central, A América Latina, têm sofrido nos últimos anos cenas de barbárie inconcebíveis. No terceiro Mundo de modo geral a tortura selvagem é uma prática adotada pelos inimigos dos povos, assessorados e financiados pelos EUA. Com que direito essas bestas invadem terras alheias para disseminar a morte, a tortura, o horror? Quem são os verdadeiros terroristas? Qualquer pessoa que tenha um mínimo de sensibilidade não pode compactuar com as ações norte-americanas, com os crimes hediondos da Casa Branca. Como é um guerreiro Pela primeira vez na minha vida vi um comandante guerrilheiro frente a frente. A maioria das pessoas cruzam por eles nos aeroportos, nas estações rodo e ferroviárias sem nunca ter a idéia de quem possam ser. São pessoas comuns, aparentemente. Enquanto ele falava, procurei prestar bastante atenção nas palavras, nos gestos e nas expressões faciais. A imprensa sempre se refere a eles como terroristas, mas não é nada disso. Todos os movimentos de libertação, durante a luta de libertação, são acusados de banditismo e terrorismo. Depois que vencem a guerra, e são conduzidos ao governo, são recebidos na ONU e recebem homenagens por parte dos governos que no passado os condenaram. Portanto, a acusação precipitada é improcedente e, nestes casos, é preciso levar-se em conta o resultado e o destino das lutas que esses movimentos travam em seus países. Hoje eles podem ser acusados pela imprensa, mas amanhã podem ser adorados pelos seus povos como promotores da paz e do desenvolvimento justo, humano. Isso já aconteceu em diversos países do mundo. Estou curioso em relação ao comandante guerrilheiro das FARC. Deve ter uns 35 anos, usa barba bem aparada. Fala firme e olha nos olhos das pessoas. Tem muita convicção. Quando ele fala sobre os crimes da CIA na América Central enruga a testa, faz uma careta de dor como se em seu cérebro ecoassem os gritos de todas as pessoas que ele conheceu e conviveu e que foram torturadas e assassinadas. Mas quando fala da luta de libertação seu semblante torna-se sereno, tranqüilo. Penso que para esse homem a morte não representa nada, é um tropeço no meio do caminho, e sei que, para ele acima de todas as coisas está a libertação do Equador. No final de seu discurso é bastante aplaudido. Vai até o lugar onde o aguardam seus companheiros, cumprimenta-os e senta-se para ouvir os próximos oradores. 19.03 – Jantando em tendas árabes No último dia da Segunda Mathaba fomos homenageados com um jantar tipicamente árabe. Enormes tendas foram erguidas num clube social às margens do mar Mediterrâneo e os 4.000 convidados se acomodaram nos tapetes e almofadas. No centro das tendas uma piscina com um palco, onde mais tarde houve apresentação de danças típicas e teatro. O jantar transcorreu normalmente com as pessoas falando muito e rindo alto. Lá pelas 11 horas da noite ouvimos barulho de helicópteros sobrevoando as tendas. Sabíamos que a VI frota americana estava no Golfo de Sidra, mas não acreditávamos que fossem capazes de chegar até Trípoli, principalmente com helicópteros, seria impraticável. Entretanto, fico um pouco apreensivo e olho para os líbios que se comportam normalmente, como se fosse natural helicópteros sobrevoarem um clube social às 11 horas da noite. De repente, ouvimos um começo de tumulto na entrada do clube. Seguranças correm de todos os lados e ficamos sem entender o que estava acontecendo até que o apresentador anuncia a presença do coronel Muammar Kadafi. Os líbios presentes ao jantar correm todos ao mesmo tempo para tentar apertar as mãos, tocar no líder da revolução. O povo tem uma verdadeira adoração por Kadafi. Penso nas notícias dos jornais da chamada grande imprensa brasileira, taxando-o de ‘ditador’. Será que esses jornais nunca enviaram um jornalista a Líbia? E se enviaram, por que não publicaram a verdade? E se não enviaram, por que publicam mentiras? Pela primeira vez vejo a guarda pessoal de Kadafi, a famosa guarda pessoal. A princípio acho graça porque as informações que li sobre essa guarda pessoal em nada se confirmam. Li certa vez que essa guarda pessoal era formada inclusive por militares alemães orientais, e o que eu vejo é incrível: jovens, adolescentes vestindo jeans desbotados, cabeludos, portando metralhadoras automáticas. Moças e moços, da maneira mais informal possível, circulando de forma natural e sem ostentação ou violência contra o público. O tumulto cessa aos poucos quando Kadafi senta-se ao centro das tendas e passa a observar os convidados. Alguns deles pedem aos seguranças para serem apresentados ao coronel Kadafi e são atendidos. Kadafi aperta a mão de delegados da Segunda Mathaba e de jornalistas. Fazendo gestos com as mãos, os seguranças trazem alguns convidados especiais para sentarem-se ao lado de Kadafi durante a apresentação das danças folclóricas. Os convidados especiais são: um representante da delegação africana, um representante da delegação indígena do Peru, o líder dos movimentos negros dos EUA, entre outros. Um jamaicano vai até o microfone e pede para cantar uma canção que ele compôs em solidariedade à luta contra o racismo na África do Sul. Jeans desbotados, roupas coloridas e cabelo estilo Jimmy Cliff, o jamaicano canta uma linda canção e é acompanhado por todos, isto é, ao menos pelos convidados ocidentais porque os árabes não entendem a música, cantada em inglês, e alguns acham ‘que o cantor desafina muito’. Seja como for, a música é linda e os negros sul-africanos começam a dançar no meio das tendas. De onde estamos podemos ver perfeitamente o coronel Muamar Kadafi e seus convidados. Durante todo o tempo Kadafi age com cortesia e educação, em nenhum momento demonstra imponência, Sorri muito o tempo todo e trata a todos com especial atenção. Em seguida, vem a apresentação dos grupos folclóricos. Jovens vestindo trajes típicos árabes dançam enquanto um grupo de músicos toca sem cessar. Entre uma dança e outra, o grupo toca canções revolucionárias que não só os líbios, mas os demais árabes presentes, cantam e batem palmas. A última apresentação da noite é de um grupo de teatro árabe que, dançando, mostra a relação dos velhos com os jovens, e de como os jovens podem ser úteis aos velhos e vice-versa. Já passa de uma hora da madrugada, os convidados especiais se retiram, os helicópteros levantam vôo. O ali está ao meu lado conversando com alguns egípcios nasseristas. Uma negra norte-americana ensaia alguns passos de dança. Alguns negros dançam animadamente. Aos poucos as pessoas vão se retirando para os hotéis. Na saída do clube leio uma faixa em espanhol: ‘Revolucionários de todo o mundo, esta é a vossa casa’. Na foto abaixo, encontro com o líbio Ali Fer Fer.
17.03 – Tempo para preguiça e ‘capuchino’ Estou no saguão do hotel bebendo ‘capuchino’. Aliás, esta bebida servida no Brasil é muito inferior à que é servida na Líbia e Espanha. Gostei tanto que tomava uma média de 10 por dia durante toda minha estadia na Líbia. Sentado no sofá, tomando ‘capuchino’, começo a conversar com um médico de Bangladesh. Ele me pergunta de que país eu sou, respondo que no Brasil, ele pergunta em que continente fica o Brasil. Embora saiba da existência de Pelé, não sabe a localização geográfica do Brasil. Digo a ele que o Brasil não se localiza num continente porque é um verdadeiro continente, de tão grande que é. Ele se mostra muito interessado e faz muitas perguntas: como vive? Mal, respondo. A burguesia e os ricos vivem bem, mas o povo vive na miséria, sem terra pra morar num país que tem muita terra. O governo é bom? Respondo que está tentando ser bom, mas que os anteriores eram ditadores militares que entregaram o país aos estrangeiros e às multinacionais. Faço perguntas sobre Bangladesh, que sei onde fica e pergunto da fome lá. Ele responde minhas perguntas e constatamos que a taxa de mortalidade infantil no Brasil é maior que a de Bangladesh. Encerrada a conversa, permaneço sentado, ou melhor, quase deitado no sofá do saguão do hotel. O Ali passa e me convida para dar uma volta pela cidade. Recuso o convite. Um jornalista português passa e me convida para conversar numa mesa do bar do hotel. Recuso o convite. O que eu quero mesmo é ficar aqui, sentado, olhando as pessoas que passam com suas roupas bonitas e diferentes. De onde estou é possível ver a rua, as pessoas, os carros que passam. As próximas horas eu dedico solenemente à preguiça. Não há argumento que me tire deste sofá, e se alguém vier me cobrar maior participação em alguma coisa eu direi: ‘sou brasileiro’. 20.03 – O dia em que fomos ‘sequestrados’ Preocupados com a volta, fomos até a companhia de aviação nos informar se há vôo hoje ou amanhã para Madri. Sim, há um vôo hoje às 13 horas e o próximo só sairá no dia 25. São 10 horas da manhã. Consulto o Ali e resolvemos partir hoje. Voltamos ao hotel, nos despedimos dos conhecidos, promessas de escrever, mandar cartões, poemas, etc. Beijos, tapas nas costas e apertos de mão. Entregamos a chave na portaria e seguimos para o aeroporto. No caminho vamos dizendo adeus às ruas, às mesquitas com sua arquitetura árabe maravilhosa, aos motoristas-revolucionários, ao mar, etc. 12 horas – Estamos na fila de embarque do aeroporto. Nosso amigo líbio Mohamed nos vê, leva um susto e diz ‘vocês não vão embora não. Ainda não mostrei a cidade pra vocês, não apresentei minha família e meus amigos’. Dizemos que não dá porque nosso passaporte já foi entregue e nossas bagagens estão a caminho do avião. Mohamed fica nervoso, vai até a administração do aeroporto, retira nossos passaportes e nossas malas. De volta ao táxi, de volta ao hotel. Desta vez vamos para outro hotel, o Bab-el-Bahar, tão bom e bonito quanto o anterior. Digo ao Ali, sorrindo, ‘gostei deste sequestro’. O Ali reclama, diz que sente muitas saudades do Brasil. Eu digo a ele que não é sempre que teremos essa oportunidade, que oportunidades como esta acontecem uma vez na vida, que é preciso aproveitar, etc. Por fim ele concorda. Novo hotel, novos conhecidos, novas amizades. 22 horas – Estamos no saguão do hotel conversando com um grupo de negros da África do Sul. Depois conversamos com alguns europeus e latino-americanos. Conversas que nunca serão repetidas. Mas os sentimentos, as lembranças serão eternas. 21.03 – O que deu errado, pá? Dia claro, sol a pino. Estamos no saguão do hotel conversando com alguns franceses que falam o espanhol de maneira horrível, quando chegam alguns membros da delegação de Portugal. Depois das apresentações de praxe, pergunto a queima-roupa: ‘O que deu errado com a revolução portuguesa, a revolução dos cravos?’ Um jornalista português me responde que as forças reacionárias em Portugal estavam muito organizadas e o apoio dos países imperialistas foi decisivo na derrota da revolução. Falando sobre diversos casos de boicotes e pressão internacional, até mesmo por países insuspeitos, supostamente democráticos, ele cita o exemplo da Volkswagen: numa fábrica de automóveis da empresa em Portugal, durante a revolução, os operários se reuniram e decidiram tomar a fábrica. Expulsaram os patrões e assumiram seu controle. Imediatamente a fornecedora de peças na Alemanha, a matriz da Volkswagen, passou a exigir o pagamento adiantado das peças e o pagamento das dívidas anteriormente assumidas, e mesmo daquelas com o vencimento previsto para 6 meses depois da data da invasão. Os operários portugueses não conseguiram cumprir as exigências, como era de se esperar, e a matriz cancelou a remessa de peças para aquela fábrica, inviabilizando seu funcionamento. Após a derrota da revolução, quando a fábrica voltou às mãos dos capitalistas, a Volkswagen voltou a conceder créditos ilimitados e fornecer peças normalmente para os patrões. E o coronel Otelo Saraiva, pergunto. Ele responde que Otelo Saraiva foi vítima daqueles que traíram a revolução dos cravos, e até o próprio julgamento de Otelo, acusado de apoiar organizações revolucionárias portuguesas, foi uma farsa jurídica. Digo a ele que li uma frase de Otelo, mais ou menos nesses termos: ‘Se nós tivéssemos mandado os inimigos da revolução para o Campo Pequeno, teríamos evitado que nossos companheiros fossem depois enviados ao Campo’. A frase não foi esta, mas o sentido era parecido, porque dizia sobre a necessidade de não perdoar os traidores porque esses, depois, não perdoam os idealistas. Essa frase, segundo o artigo que li num jornal português pretensamente de esquerda, teria sido dita por Otelo durante a visita que fez a Havana, quando estava á frente da revolução portuguesa. O jornalista português pensa um pouco e responde: ‘Isto não é verdade, o coronel jamais pronunciou essas palavras. Elas fazem parte de uma campanha de calúnias que foi feita pela imprensa burguesa de Portugal para incriminar o coronel Otelo Saraiva’. Seja como for, o líder e herói da revolução portuguesa hoje está preso numa cela. Os trabalhadores portugueses continuam sendo explorados, o desemprego aumenta e Portugal a cada dia que passa se transforma em base militar de países estrangeiros. Um triste espetáculo para um país que, pelo exemplo de sua revolução, foi cantado até no Brasil por Chico Buarque: ‘Foi bonita a festa, pá, fiquei contente, ainda guardo, renitente, um velho cravo para mim’. 21.03 – Visita ao camponês Pela tarde, digo ao Mohamed que gostaria de visitar a casa de algum camponês líbio. São 18 horas. Ele diz que sim, que devemos estar prontos às 20 horas que ele virá apanhar-nos no saguão do hotel. Mohamed guia seu carro Honda em desabalada carreira pelas ruas estreitas dos bairros residenciais líbios. Passamos em frente à embaixada do Brasil, ele pergunta se queremos visitar a embaixada. Respondemos que não. Continuamos por ruas largas e estreitas, passamos por viadutos recém-construídos e chegamos a uma casa estilo classe média brasileira. Um camponês, usando brinco em uma das orelhas, vem nos receber. Ao invés de aperto de mãos, o tradicional beijo no rosto. Somos convidados a entrar. A casa é simples, ao invés de sofá, tapetes e almofadas pelo chão. Uma estante de madeira com fotografias de familiares, álbuns de fotografias, livros de medicina em árabe e inglês. O camponês apresenta-nos sua família: a esposa, usando o véu que cobre o rosto, 3 filhas e 2 filhos. Ele diz ao Ali que tem um filho estudando na Argentina, em convênio de universidades. A esposa do camponês pergunta se conhecemos a Argentina, dizemos que sim. Pergunta como vive o povo, se existe segurança nas ruas, fala do filho e chora. Ficamos comovidos. Dizemos muitas coisas para tranqüilizá-la. Ela continua chorando e se retira para outro aposento da casa, seguida pelas filhas. Na sala ficamos eu, o Ali, o Mohamed, o camponês e seus dois filhos. O Ali faz muitas perguntas ao camponês e vai traduzindo pra mim. Ele cuida de 5 alqueires de terra. A terra não é dele, é de todos. Mas cada um escolhe a quantidade de terra que deseja e o povo destina aquela terra e ele, que recebe também todo o apoio financeiro necessário, empréstimos subsidiados, isto é, sem nenhum juro ou correção porque a religião muçulmana proíbe essas coisas. Ele planta laranjas, chá e cria carneiros. Tem dois carros, um para passeio e outro para trabalho, uma perua Datsun. Duas das filhas são casadas. Todos estudam. Os filhos fazem curso superior, um medicina e o outro engenharia. O filho que está na Argentina também estuda engenharia. Fico olhando para ele e tenho a impressão de estar vendo um camponês brasileiro. As mãos calejadas, o rosto profundamente marcado pela idade avançada e pelo sol. A humildade e a bondade características dos homens que trabalham na terra. Agora chegou a vez dele fazer perguntas. Como é o Brasil? Falamos sobre a população e a extensão territorial do Brasil, e ele fica admirado. Falamos das riquezas, da fertilidade da terra, etc. Ele fica contente em saber dessas coisas. Pergunta como vive o povo. Falamos a verdade e ele fica triste. Falamos sobre a dominação estrangeira, as multinacionais, etc. O Ali mostra pra ele os refrigerantes que estamos bebendo naquele momento, 4 tipos diferentes, e pergunta: ‘Qual a fabricação desses refrigerantes?’ O camponês responde: ‘Líbia’. O Ali complementa: ‘Pois no Brasil a esmagadora maioria das bebidas que consumimos são de fabricação estrangeira, empresas estrangeiras localizadas no Brasil para sugar nossas riquezas’. Falo sobre a ‘Escola das Américas’, um centro de formação de militares latino-americanos totalmente subservientes aos interesses norte-americanos, etc. Somos interrompidos pelos filhos do camponês que trazem o jantar em duas bandejas enormes. A comida é ótima e muito variada. Pela primeira vez comemos comida típica sem pimenta. O Mohamed deve ter avisado antes. As mulheres jantam na sala de jantar e nós, os homens, na sala. Depois do jantar a conversa se estende até meia-noite. Vencido pelo cansaço, adormeço deitado no tapete. O anfitrião entende que é hora de terminar a conversa e o Ali me acorda para voltarmos ao hotel. 22.03 – Crepúsculo no Mediterrâneo Nesta hora da tarde, 18 horas, o sol é quente mas sopra um vento frio constante vindo do mar Mediterrâneo. Estamos no início da primavera. Algumas flores pelos canteiros e jardins da cidade me fazem lembrar do Brasil. As flores daqui são pequenas . Algumas margaridas brancas e amarelas – talvez não sejam margaridas, sejam apenas parecidas – são as únicas flores que conheço. No saguão uma jovem de aproximadamente 20 anos toma café e conversa em espanhol. Pergunto a ela se é argentina. Não é. É espanhola. Começo a conversar e digo que sou do Brasil. Ela diz: ‘Aqui vêm pessoas dos lugares mais estranhos’. Não consigo entender o sentido da frase. Seu rosto não demonstra ironia. Ela nem ao menos sorri. Fico desconcertado com a observação e vou até o meu quarto, no 5° andar do hotel, para ver o mar e ouvir música no walk-man. A vista é linda. Lá embaixo o mar Mediterrâneo é de um azul incrível. Comentei com o Ali no almoço sobre a sua cor. Ele falou que o Mediterrâneo é mais azul que o oceano Atlântico e o Pacífico. Digo a ele que deve estar brincando, que os mares são iguais, que as cores são iguais e só variam de acordo com a vegetação subaquática ou da areia, rochas, etc. Resolvo descer novamente e caminhar pela praia. A brisa marinha é fria, o vento é frio, mas o calor do sol é forte e a temperatura fica agradável. Alguns pescadores estão sentados nas pedras. Um pescador quebra com um pé-de-cabra pedaços de terra endurecida. Fico por perto para ver se ele descobrirá algum tesouro, mas são apenas minhocas que ele procura. Caminho um pouco mais pela praia e reencontro o jornalista J. , norte-americano, deitado na areia com seu equipamento fotográfico protegido por uma camisa jeans. Pergunto a ele, em tom provocativo: ‘O que um norte-americano faz nas praias líbias enquanto a VI Frota ronda o Golfo?’. Ele sorri, meio sem jeito. Conversa um pouco e volta a se deitar na areia, e dorme. Continuo caminhando pela praia, pensando neste universo diferente do Brasil. Penso que se eu tentasse conversar com qualquer uma das pessoas nativas, com as quais cruzo pela praia, também passeando, não conseguiríamos nos compreender. Entretanto, sinto-me tranqüilo, como se estivesse no meu país, entre amigos. Depois de andar mais de um quilômetro pela praia encontro um acampamento de operários que estão construindo um prédio ou algo parecido. Deve ser hora de descanso porque três líbios estão jogando bola num campo improvisado na praia. Sento-me na areia e fico olhando os líbios jogando bola. Os traços faciais deles se aproximam muito do mestiço brasileiro. A miscigenação na Líbia é muito grande, a exemplo do Brasil, mas não existe racismo na Líbia. Lembro-me que enquanto passeava pelas ruas de Trípoli vi muitos negros utilizando carros novos e modernos como Mercedes ou modelos avançados da Mitsubishi e Honda. O comandante das forças armadas líbias também é negro. Paro um pouco com minhas divagações e volto a observar os líbios jogando bola. Chutam bem, matam a bola no peito, fazem as jogadas habituais. Lembro-me que diversos líbios quando souberam que eu era do Brasil vieram perguntar se o Brasil será campeão da Copa no México. Respondi que não sei, não acredito muito neste time. Quanto ao Pelé digo que vai bem, inclusive melhorando da cabeça no que diz respeito à política.Olho para o relógio , são 19 horas, quase na hora do crepúsculo. Levanto-me da areia e procuro um muro alto para sentar e ver o crepúsculo. No walk-man a fita de Ruben Blades, ritmo caribenho. Uma música diz ‘ todos voltam à terra onde nasceram’. A próxima música pergunta dos ‘desaparecidos’ nas ditaduras militares da América Latina. As ondas quebram nos rochedos perto da praia, onde pássaros fazem ninhos e pescam peixes mergulhando em algazarra. O sol vermelho começa a desaparecer no horizonte. As nuvens que cruzam o céu na altura do sol formam um quadro inesquecível, muito bonito. Por alguns momentos de forma total e me esqueço de tudo. Quando o sol desaparece completamente, os pescadores partem e a praia fica deserta. Fico mais alguns instantes. Foi o único crepúsculo que vi a partir do mar Mediterrâneo durante toda a minha estada na Líbia, mas foi o suficiente. Trânsito louco O trânsito em Trípoli é uma loucura. Motoristas despreparados fazem todo o tipo de peripécias ao volante, capazes de enlouquecer qualquer guarda de trânsito de país ocidental. Apesar disso, os acidentes na maioria das vezes não são graves e se limitam a um amassado de pára-choques, coisa natural em grande parte dos veículos que circulam na Líbia. Os japoneses fazem ótimos negócios com os líbios. A maioria dos carros que circulam na Líbia são japoneses, das marcas Toyota, Datsun, Honda e Mitsubishi. Não é à toa que os japoneses ameaçam o comércio de carros dentro dos próprios EUA. Peço aos guias que me deixem dirigir alguns carros japoneses, todos com câmbio hidramático. São ótimos. Além dos carros japoneses, existem as tradicionais marcas alemãs e italianas. Ultimamente vêm crescendo o número de carros da marca Fiat. E isso tem um motivo: hoje a Líbia detém mais de 30 % das ações da Fiat mundial. 24.03 – Os norte-americanos Segunda feira, 15 horas. Estamos no saguão do hotel conversando com um grupo de argentinos quando as rádios líbias começam a tocar hinos militares. Na hora lembrei de um amigo sírio, H. , que conheci em Maringá. H. tinha sido guerrilheiro no Líbano, depois veio para o Brasil. Comprou uma pequena loja de calçados em Maringá e hoje tem um supermercado numa cidade do Mato Grosso do Sul. H. me falou uma vez: ‘Quando as rádios tocarem hinos militares, em qualquer que seja o país árabe, é sinal de guerra ou revolução’. Ligamos a televisão líbia e a programação corria normal. Somente mais tarde, quando o conflito já havia sido superado, a televisão transmitiu cenas dos aviões norte-americanos abatidos e de um rebocador líbio bombardeado. Naquela noite dormimos com a sensação de que havia começado a Terceira Guerra Mundial. Sem saber a extensão do conflito armado, não tínhamos certeza dos alvos escolhidos pelos norte-americanos. Sabíamos que, se Trípoli estivesse incluída entre as cidades a serem bombardeadas, dificilmente o hotel onde estávamos hospedados seria poupado, tendo em vista que é um dos maiores da Líbia, à beira-mar, de fácil visibilidade. A ameaça era concreta e nós estávamos impotentes diante dos ataques. Um sentimento de revolta sufocada no peito era tudo o que poderíamos sentir. Antes de dormir, descemos mais uma vez ao saguão do hotel para tentar saber de mais notícias. Nada. Os líbios estavam tranqüilos e não demonstravam nenhum nervosismo. Os jornalistas e delegados da conferência formavam grupos para trocar notícias. Entre a delegação brasileira, representando movimentos populares, um velho de aproximadamente 70 anos estava discutindo no balcão do hotel com alguns líbios. Aproximamo-nos dele para saber o que se passava e um líbio nos informou que aquele velho estava se oferecendo como voluntário para lutar contra os Estados Unidos no Golfo de Sidra. Os líbios não aceitaram e o velho saiu do saguão reclamando: ‘Hoje Líbia, amanhã Nicarágua. Será que não terá fim esse inferno?’ A Cena da galinha No dia 21 estávamos assistindo à televisão no saguão do hotel quando vimos cenas incríveis de soldados líbios que acabavam de terminar o período de aprendizagem militar. Diante de centenas de pessoas os novos soldados davam uma demonstração de preparo para o caso de guerra: estrangulavam galinhas vivas, bebiam o sangue e devoravam alguns pedaços de carne ainda quente. Assistindo àquelas cenas não consigo evitar de dizer ao Ali: ‘ Ta vendo isso? Se os norte-americanos desembarcarem na Líbia o povo líbio fará com eles o que fazem com as galinhas. O Vietnam será brincadeira de criança diante da Líbia’. O Ali concorda porque o sentimento do povo da Jamahiria Líbia, de repúdio em relação às intervenções militares dos EUA em todo o mundo, é muito forte. E se os serviços de informações dos EUA estão bem informados, eles sabem que isso é verdade. Por isso contentam-se em fazer ameaças e, quando atacam, atacam com aviões e fogem às pressas. A Líbia tem tudo aquilo que os soldados norte-americanos temem: população politicamente esclarecida e informada dos crimes dos EUA em todas as partes do mundo,armas modernas, homens dispostos a dar a vida pela pátria, jovens dispostos a morrer em carros-bombas (como aqueles que determinaram a retirada dos EUA, França, Israel e Inglaterra do Líbano), pilotos suicidas e outras surpresas militares. É claro que esses ingredientes não são suficientes para fazer frente à maior potência do mundo, mas são suficientes para impedir um desembarque por terra. Um jornalista português chama a atenção dos demais jornalistas que assistem à televisão para dizer que ‘a coragem do soldado norte-americano é conhecida mundialmente. Foi mostrada no Vietnam, no Cambodja, no Líbano e outros países onde foram vergonhosamente derrotados, apesar do imenso poderio bélico’. Riso geral. Mas é preciso não generalizar e lembrar o ‘grande’ exemplo de coragem e bravura do soldado norte-americano ao desembarcar na ilha de Granada, quase com um contingente militar maior que a população de toda a ilha. Dia 27.03 – Adeus à Líbia Nossas passagens foram trocadas. Estavam marcadas inicialmente de Trípoli a Madri, mas com o recente ataque no Golfo e a presença ostensiva de norte-americanos nas imediações do Golfo, os Líbios decidiram mudar o itinerário da nossa volta – conosco estão dezenas de jornalistas e convidados de outros países. Somos informados que tomaremos um avião até Argel, e de lá seguiremos a Madri. Um jornalista canadense, no nosso grupo, diz que os norte-americanos seguirão o avião pelo radar até Madri. Protestamos e dizemos que o canadense está exagerando as coisas. No momento em que vou subir pela escada rolante para a sala de espera para embarque, olho para trás mais uma vez e digo adeus à Líbia. Líbia internacionalista que abre suas portas para os deserdados, os humilhados, os revolucionários, os heróis anônimos do mundo inteiro. Foi muito bom conhecer a Líbia, conhecer seu povo simples e corajoso. Foi muito bom conviver com pessoas das mais diversas nacionalidades, que têm em comum a crença na liberdade. Adeus terra da revolução. Adeus primeira Jamahiria do mundo. Europa – Começou a baixaria Chegando ao aeroporto de Madri, a primeira coisa que me chama a atenção são os soldados espanhóis, usando metralhadoras de 2 pente e 2 canos, e um chapéu ridículo. Eles andam pelos corredores do aeroporto tentando intimidar possíveis terroristas, olhando as pessoas, principalmente os jovens, como se todo jovem fosse um terrorista em potencial. Procuro uma loja de câmbio para trocar ‘travelers checks’, comprar dólares e pesos. Vejo a espanhola que conheci no hotel Bab-El-Bahar de Trípoli. Ela me olha por alguns minutos enquanto estou na fila do câmbio. Trocamos olhares, depois ela vai embora. Penso que talvez nos encontremos no futuro, em algum país, em algum congresso ou conferência. A funcionária do câmbio pede que eu assine no verso do ‘travelers check’ duas vezes antes de trocá-lo. Os brasileiros não devem ter boa fama por aqui. Em seguida, vou até a banca de jornais. Uma funcionária vem atender toda solícita, mas quando escuta meu sotaque, fecha a cara e me trata com o maior desprezo. Penso que começou a baixaria. Na maioria dos países europeus – exceção para os socialistas – os latino-americanos, negros e árabes são terrivelmente discriminados. Vontade de dizer umas verdades para a funcionária da banca, mas me contenho. Compro alguns cartões postais e selos. No momento de pegar o carrinho de bagagens, outra baixaria. Havia apenas um carrinho e dois motoristas de táxis espanhóis ao lado. Quando me aproximo para pegar o carrinho, um deles se adianta e diz: ‘Este carrinho é nosso’, sorrindo. A temperatura atingiu o ponto mais alto. Depois da tensão da viagem, do câmbio e da banca de jornais, não me contenho e falo bem alto: ‘Monarquistas filhos das putas!’ Eles revidam em espanhol e caminho uns 20 metros pelo corredor olhando para trás e xingando os palavrões mais obscenos possíveis. Não pode haver mais dúvidas: estou na Europa. Os norte-americanos atacam em Trípoli e Bengazi No dia 14 de abril, os EUA atacaram Trípoli e Bengazi, as duas maiores cidades da Líbia. Atacaram de noite, enquanto a população civil dormia. Bombardearam prédios residenciais, edifícios públicos e até mesmo a embaixada da França, porque à noite é impossível ter certeza dos alvos a serem atingidos. A desculpa de atacar bases de treinamento de terroristas, coisas que em nenhum momento vi ou tive conhecimento de que existissem na Líbia, cai por terra porque o bombardeio foi a duas cidades e qualquer base militar ou campo de treinamento, como se sabe, nunca se localizam dentro de cidades. O que Reagan queria, e conseguiu, era aterrorizar a população líbia e os demais povos do mundo, colocados frente a frente com a possibilidade concreta de intervenção militar norte-americana em qualquer parte da Terra. O ataque pegou a todos de surpresa. Na noite do ataque, eu estava participando de um jantar na casa de um amigo árabe. A televisão começou a transmitir em edição extraordinária o ataque norte-americano. Na mesma hora encerramos o jantar, tentamos sintonizar rádios árabes européias para saber com detalhes do que estava acontecendo. Um amigo árabe presente ao jantar fez uma ligação interurbana internacional direto para Trípoli, conversou com o pai do nosso amigo Mohamed. Perguntamos o que estava acontecendo, ele respondeu que não estava acontecendo nada, que tudo estava bem, que nós não deveríamos nos preocupar com nada. Dissemos que a imprensa nacional estava noticiando um ataque à Líbia, ele respondeu que não era para nos preocupar, que tudo estava bem, mas não precisava desligar o telefone. O telefone foi desligado e o Ali nos disse que ‘ainda que Trípoli esteja em chamas, eles não dirão nada, para que não fiquemos preocupados’. Naquela noite ficamos até de madrugada conversando, acompanhando o noticiário pela televisão. Enquanto conversava, pensava nas pessoas que eu havia conhecido na Líbia. Será que o hotel Bab-el-Bahar havia sido atingido? Aquelas pessoas que nos serviram de forma cordial e com amizade, teriam sido atingidas? O camponês na casa de quem jantamos, com 3 filhas e 2 filhos, estaria passando bem? Como estaria se sentindo naquele momento seu filho que estuda na Argentina? Um camponês líbio aterrorizado em meio a um povo aterrorizado. Pessoas boas, generosas, humildes. Como será depois a vida de pessoas que foram atacadas em seus próprios lares, que viram parentes, amigos e vizinhos sendo mortos? Lembro-me que um dos amigos de Mohamed sonhava vir estudar no Brasil. Lembro-me que fomos à casa dele, uma casa simples e confortável, e conheci seus familiares todos. Fui muito bem recebido por eles. Fizeram muitas perguntas sobre o Brasil. Era pessoas simples, pessoas humildes, em nada diferentes de uma família de trabalhadores brasileiros, paraguaios, palestinos, nicaragüenses ou libaneses. Em nada diferentes na forma cordial em tratar as pessoas, em cuidar dos filhos, da casa e da vida. Aquelas crianças que corriam pelos campos jogando bola, teriam sido atingidas? As pessoas que cruzamos pelas ruas, conversamos no Museu, nos centros comerciais... Por mais que pense não consigo imaginar as pessoas correndo pelas ruas, tentando fugir das bombas norte-americanas que, dizem, iluminaram a noite de Trípoli e Bengazi. Não consigo imaginar que o governo do país mais poderoso da Terra tenha enviado soldados para atacar um país de 3,5 milhões de habitantes, na calada da noite, matando indiscriminadamente a população civil. Por mais que pense não consigo imaginar que possa haver sobre a face da terra uma ação mais terrorista e odiosa que esta praticada pelos Estados Unidos da América. DADOS E INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A LÍBIA Informações Técnicas sobre a Líbia – Situação Geográfica A Jamahiria Árabe Popular Socialista da Líbia está situada ao sul com o mar Mediterrâneo e a noroeste com a África. A costa líbia mediterrânea se estende sobre uma latitude de 1.900 km. A Jamahiria limita-se com a Tunísia ao noroeste, com Argélia a oeste, com Nigéria e Chade ao sul, e Sudão ao sudoeste, com o Egito ao este. Está situada entre 30 e 20° de latitude e entre 9 e 25° de longitude. Superfície e solo A superfície da Jamahiria é de aproximadamente 1.775.500 km². É o quarto maior país africano. Sua superfície equivale à da Alemanha, França, Países Baixos e Países Escandinavos juntos, ou seja, é sete vezes maior que a Inglaterra. O solo líbio está formado por montes, colinas e desertos. As terras próximas à costa se destacam pela fertilidade do solo e pela densidade populacional. Seus montes, especialmente o Al-Jabal Al Akhdar (A Montanha Verde) está coberto de frondosa vegetação. Em pleno deserto são encontrados alguns oásis, como os de Ghadames, Jallo, Koufra, etc. Clima As terras da costa marítima se distinguem por um clima temperado. As regiões desérticas são de clima subtropical. População O número de habitantes é de 3.500.000.57% da população vive nas regiões de Trípoli, Bengazi e Zavia: 31,4% em Trípoli; 14,5% em Bengazi e 11% em Zavia. A revolução Líbia Verifico a programação: os jornalistas podem escolher entre uma visita à universidade de Trípoli ou ao museu de Trípoli. Decido não optar por nenhuma das sugestões, ou melhor, prefiro deixar a visita ao museu para outro dia e visitar hoje uma biblioteca pública para fazer pesquisas sobre o processo revolucionário líbio e seu líder Muamar Kadafi, uma vez que no Brasil não tenho acesso a esse tipo de informação. Pergunto na portaria onde fica a biblioteca mais próxima. Na biblioteca, próxima à praça central de Trípoli, entro por salas modernas mas de estilo simples e despojado. Prateleiras enormes com livros em diversos idiomas e sobre os mais diversos assuntos, mas principalmente sobre medicina e engenharia de solos, petróleo, etc. Escolho alguns livros em espanhol, passo para a sala de leitura e fico anotando os dados publicados a seguir; Como aconteceu a revolução líbia Muamar Kadafi, desde o tempo de estudante, era considerado um militante do movimento estudantil e político. Quando estudante em Sebha, costumava distribuir panfletos e organizar reuniões com estudantes para apoiar o coronel Nasser, do Egito. Em 5 de outubro de 1961 ocorreram grandes distúrbios no centro de Sebha. Kadafi foi escoltado pela polícia até a casa do ‘Bey’ de Fezzán, Mohamed Seif Al-Nasr, para se explicar sobre a agitação em Sebha. Depois de violentas discussões durante o interrogatório, o ‘Bey’ decretou a expulsão de Kadafi e seus familiares não somente de Sebha, mas de toda a região. No colégio de Misurata, Kadafi deu mais uma demonstração de rebeldia quando um professor chamado Johnson exigia que os alunos o saudassem ficando de pé no momento da entrada na sala de aulas, como acontecia no Brasil nos idos de 64. Kadafi simplesmente recusou-se a levantar da carteira para saudar o professor. Foi levado à presença do diretor do colégio. Os professores esperavam um expulsão, mas o diretor do colégio agiu de forma inesperada: elogiou Kadafi por sua coragem, firmeza, e disse que ele agiu como o coronel Nasser, um líder do povo árabe que lutou contra a dominação estrangeira e pela unificação da Grande Nação Árabe. Graduado pelo exército líbio em agosto de 1.965, Kadafi estudou na Inglaterra em companhia de outros jovens oficiais líbios. Vi num dos livros uma fotografia que demonstrava bem o comportamento de Kadafi na Inglaterra. A fotografia foi tirada numa rua movimentada e Kadafi vestia trajes árabes, enquanto que o povo inglês parava para ver aquele homem vestido em trajes exóticos para eles. Kadafi recusava-se a vestir roupas inglesas, dizia que era necessário preservar os costumes, a tradição árabe. A primeira reunião para formar um núcleo de jovens oficiais para impulsionar, dentro das Forças Armadas, o processo revolucionário, foi em Misurata. Assim foi fundado o movimento chamado ‘Oficiais Unionistas Livres’, uma organização militar secreta que teve papel fundamental na deflagração da revolução líbia. O nome ‘unionista’ era usado para designar a decisão desses jovens oficiais em unir as diversas regiões árabes sob um mesmo governo ou numa Conferência de Estados. Depois de formada a organização revolucionária, os membros decidiram desmembrá-la em duas partes, uma civil e outra militar. A monarquia líbia, encabeçada pelo rei Idris, era totalmente subserviente aos interesses estrangeiros das empresas de petróleo. O povo vivia explorado, sofrendo com a inflação e o desemprego, a fome e o analfabetismo. Os revolucionários líbios entraram para as Forças Armadas para criar as bases necessárias para a luta pela derrubada da monarquia. Eles sabiam que sem o apoio de parte das Forças Armadas, a revolução não teria êxito. O comitê Central da organização ‘Oficiais Unionistas Livres’ foi fundado em 1.964, na paradisíaca praia de Talmisa. O nome da operação que deflagraria a luta pelo poder na Líbia por parte dos jovens oficiais livres foi ‘Operação Jerusalém’. No dia 1° de setembro de 1969, às 2 horas e 30 minutos, a guarnição militar de Qar Yunes foi rendida. Os soldados não ofereceram resistência e os revolucionários levaram as armas e as munições, apoiados pelos jovens oficiais livres. Enquanto Kadafi planejava tomar as rádios, outros oficiais tomavam a cidade de Bengazi, a segunda maior cidade líbia. Em Trípoli, na capital, os rebeldes estavam impacientes porque a rádio de Bengazi silenciara. Mas, de repente, a rádio começou a transmitir as rezas do Corão, seguida por marchas militares. Os oficiais livres tiveram então a certeza de que a revolução havia triunfado. Kadafi tinha apenas 27 anos de idade. Ao usar o microfone das rádios para falar sobre a vitória da revolução, Kadafi fez um discurso que ficou na História do povo árabe. Desse discurso destacamos as seguintes palavras: ‘Povo da Líbia. Como resultado da vossa própria vontade, em cumprimento aos vossos desejos mais sinceros e á vossa decisão de rebeldia e luta, as Forças Armadas derrotaram o regime corrupto e reacionário do rei, cujos erros enojaram e horrorizaram a todos’. A revolução líbia foi tão bem planejada e executada que foi uma surpresa para as potências ocidentais. Os EUA ficaram em dúvida quanto ao tipo de medida a toma. Na Inglaterra os jornais noticiaram que Kadafi, ex-aluno da ‘Armoured Cards Signals’ tomara o poder para defender os interesses ingleses. Apoios não faltaram da França, Alemanha Federal e União Soviética. A Declaração Constitucional de 1969 Para reorganizar a vida jurídica e política do país, o Conselho do Comando Revolucionário promulgou em 11 de dezembro de 1969 a Declaração Constitucional, nos seguintes termos: O Islã é a religião do Estado e o árabe é sua língua oficial; O Estado assegura o livre exercício e rituais de outras religiões; A Segurança Social é a base para a unidade nacional. A família é a alma da sociedade, cujos pilares são: Religião, Moral e Patriotismo; O Estado procura a instauração do Socialismo, para realizar a Justiça Social, que impede toda a forma de exploração através da produção e distribuição justa das riquezas nacionais; O Estado deve libertar a economia nacional da dependência e influência estrangeira e transformar o setor produtivo tendo como base a defesa da propriedade pública do Povo Árabe da Líbia, e também a propriedade privada de seus membros; A propriedade pública é um instrumento para o desenvolvimento da sociedade, a propriedade privada será a salvaguarda sempre que não estiver norteada ‘pelo espírito da exploração’; A propriedade não está sujeita à exploração, salvo em casos previstos na lei. Em caso de herança, a propriedade é um direito para todos os cidadãos, de acordo com a Lei Islâmica (Sharia); A liberdade de expressão fica assegurada no marco dos interesses do Povo e dos princípios da Revolução. O ensino é obrigatório, público e gratuito até o final do ciclo preparatório. A assistência no setor de Saúde será prestada pelo Estado, através dos hospitais e centros de saúde; O conselho do Comando Revolucionário é o dirigente político e exerce a Soberania, Autoridade Suprema do Estado e todos os atos legislativos. O conselho é a autoridade que designa o Conselho de Ministros, declara a guerra e assina tratados, a menos que o Conselho de Ministros receba essas incumbências do Comando Revolucionário.
O caminho para os Comitês Populares A revolução cultural na Líbia teve início com o histórico discurso de Zuara, pronunciado por Kadafi em 15 de abril de 1973. Nesse dia, Kadafi falou sobre alguns pontos que nortearam a revolução cultural: 1 – Suspender a aplicação de todas as leis em vigor; 2 – Corrigir todos os erros que conspiram contra a causa revolucionária do povo e o desenvolvimento da Revolução; 3 – Armar o povo, pois é para ele e não para os seus inimigos que foram retomadas as liberdades fundamentais; 4 – Preparar o caminho da revolução administrativa; 5 – Proclamar a Revolução Cultural. Em resposta ao discurso de Kadafi, a juventude e o povo começaram a organizar Comitês Populares em todo o país para levar a cargo as propostas de Kadafi. Entre as numerosas tarefas dos Comitês Populares, algumas foram destacadas como primordiais: 1 – Fiscalizar a eficiência dos homens que exercem o poder local e qualificar os serviços prestados; 2 – Estudar e fiscalizar a situação da classe alta, exilada dentro das cidades, evitando que os seus interesses pessoais trabalhem contra os interesses do povo; 3 – Descobrir os traidores que travam as mudanças revolucionárias e não realizam as aspirações do povo ; 4 – Combater os inimigos do povo; 5 – Em nome do Arabismo, do Islã e do Povo, impedir a disseminação de mentiras contra o povo; 6 – Proteger as aquisições populares, eliminando o espírito errado que está a serviço do capitalismo ou do comunismo. A construção da Jamahiria A palavra Jamahiria em árabe significa poder das massas. Para instaurar o poder das massas, o povo líbio decidiu fazer a ‘Declaração da Instalação do Poder do Povo’, em 2 de março de 1977, como conseqüência do Congresso Geral do Povo, iniciado em 28 de fevereiro. O documento final da declaração tinha sido aprovado por unanimidade dos delegados do Congresso Geral do Povo, mas faltava a apresentação. Muamar Kadafi, o líder da revolução, dirigiu a seguinte mensagem: ‘Irmãos. No deserto, cujo nome está ligado à seca e à esterilidade, uma Revolução nasceu. ‘No deserto nasceu para a Humanidade uma nova Era, Era das Massas. O deserto não é estéril nem árido’. ‘No deserto, hoje, nesta última parte do Século XX, nosso povo põe fim à era das repúblicas tradicionais anunciadas pelo pevo francês no Século XVIII com o fim das monarquias’. ‘Hoje, numa parte deste grande deserto, terra dos árabes, a pedra angular da Era das Jamahirias nasceu, a Era das Massas nasceu’. ‘O Povo Árabe Líbio, depois de recuperar seus direitos pela Revolução, reconquistando o controle do presente e do futuro, com a ajuda de Deus, cumprindo os ensinamentos de seu Livro Sagrado, fonte do bom caminho e das leis sociais, emite esta Declaração de Instalação do Poder do Povo e anuncia a todos os povos da Terra o nascimento da Era das Massas: 1 – O nome oficial da Líbia será Jamahiria Árabe Popular Socialista da Líbia; 2 – O Corão é a lei da sociedade na Jamahiria Árabe Popular Socialista da Líbia; 3 – O poder popular direto é a base do regime político na Jamahiria Árabe Popular Socialista da Líbia. O poder é do povo e somente do povo. O povo pratica o poder através dos congressos populares, dos comitês populares, dos sindicatos, das uniões profissionais e do Congresso Geral do Povo. A lei determina os limites de seu procedimento e ação; 4 – A defesa da Pátria é responsabilidade de todos os cidadãos e cidadãs. O treinamento do povo, que receberá armamentos, será feito através de treinamentos militar generalizado. A lei regula a formação de quadros militares, assim como o treinamento militar geral. Congresso Geral do Povo. Kahira, cidade de Sebha, em 12 de Rabi Al-Awal de 1397 de Hégira, correspondente a 12 de março de 1977’. O congresso também formulou uma resolução sobre a formação de um Secretariado Público do Congresso Geral do Povo, integrado pelas seguintes pessoas: - irmão coronel Muamar Kadafi, secretário-geral; - irmão comandante Abdessalam Jalloud, Membro; - irmão tenente coronel Abou Bakr Younes Jaber, Membro; - irmão tenente coronel Moustafá Al Kharoubi, Membro; - irmão comandante Al Khoueilidi Al Hamidi, Membro. Essas pessoas, hoje em dia, participam de comitês populares, comitês históricos da revolução líbia. Jamahiria, o poder das massas Enquanto estive na Líbia verifiquei que existe um sentimento muito forte por parte do povo em relação à importância da implantação da Jamahiria – o poder do povo ou poder das massas. Diversas pessoas com as quais conversei, diversos artigos na imprensa líbia, pronunciamento do coronel Muamar Kadafi e até nas opiniões do povo pelas ruas, demonstram que a implantação da Jamahiria na Líbia significa um fato inédito na história mundial, uma experiência revolucionária na filosofia política. Jamahiria, para os líbios, significa um grande avanço na história das conquistas democráticas na luta dos povos. Significa uma conquista inédita em termos de poder popular. O Livro Verde ensina que quando um partido ou uma classe está no poder, ainda não ocorreu a conquista do poder das massas porque as massas são indivisíveis, e nenhuma classe pode se sobrepor às demais, sejam essas quais forem. Entretanto, essa convivência pacífica de classes dentro da sociedade é feita sob bases justas e humanitárias, eliminando-se a exploração, transformando os trabalhadores em sócios da produção. Dessa forma, não existe o privilégio de uma classe ou partido político, não existe privilégios de uma casta que domine o poder, mas todo o povo participa das decisões políticas e sociais através dos comitês e congressos populares – instâncias máximas do poder nas Jamahirias. Jamahiria, portanto, é muito mais do que uma palavra árabe. É a busca do ideal de liberdade e poder popular. Essa crença do povo líbio no significado desses ideais que, em última instância, são o coroamento das lutas dos povos explorados de todo o mundo, dão muita firmeza para as decisões políticas da Líbia. Respaldam de forma definitiva sua estrutura política e social e abrem uma perspectiva nova para os demais povos que buscam a libertação. Sejam quais forem os resultados concretos dessa política, a questão principal é que existe uma nova proposta de governo popular. Os marxistas poderiam argumentar que a proposta de comitês populares não é nova, e que experiências anteriores foram feitas neste sentido, como os próprios ‘soviets’. Entretanto, existe uma diferença fundamental – e nesse sentido, a proposta líbia é mais evoluída – é a de que os comitês populares, na forma proposta pela Líbia, não estão sujeitos às correntes do ‘centralismo democrático’ e não submetem a sociedade ao governo de uma classe ou partido. Na forma como está estruturada esta teoria na primeira parte do Livro Verde, ela se apresenta muito mais próxima das teorias libertárias do que do marxismo. E se o comunismo é uma proposta muito mais avançada que o capitalismo, a Jamahiria é uma proposta mais avançada que o comunismo porque é uma proposta libertária, essencialmente libertária. A TERCEIRA TEORIA MUNDIAL A Filosofia do Líder da Revolução Líbia Cada vez que conversava com as pessoas sobre política e filosofia, principalmente com os líbios, notava um certo orgulho por parte deles em relação à filosofia de Muamar Kadafi, o Livro Verde, chamado de Terceira Teoria Mundial. Este livro é uma contribuição de Kadafi para o pensamento mundial a respeito da autoridade do povo, problemas econômicos e sociais. Li este livro há 3 anos e considero um importante trabalho filosófico. De vez em quando releio para sanar algumas dúvidas ou comprovar algumas idéias. O Livro Verde está dividido em três partes: Primeira Parte – A solução do problema da Democracia (A autoridade do povo); Segunda parte – A solução do problema econômico (socialismo); Terceira parte – A base social da Terceira Teoria Mundial. Na primeira parte o Livro Verde analisa a ‘máquina de governar’, as assembléias parlamentares e chega à conclusão que o voto não significa democracia, ao contrário: ‘Nada pode substituir o povo: a representação é uma impostura’. Segundo essa teoria os eleitores estão sendo enganados porque não é através do voto, um pedaço de papel onde escolhem o nome de alguns candidatos, que o povo terá o poder, o atendimento às suas reivindicações e necessidades básicas. ‘Não há substituto para o poder do povo’, ou seja, em outras palavras, ou o povo governa ou não governa, ou está no poder ou então não está no poder. Os parlamentares, segundo a Terceira Teoria Mundial, são a falsificação da democracia. Ao não aceitar a representação popular, que uma ou mais pessoas representem a vontade de milhares ou milhões de pessoas, essa teoria faz críticas aos partidos e ao domínio de uma classe sobre outras. O comunismo, assim como o capitalismo, não resolvem os problemas dos homens porque são estruturados em bases injustas. Enquanto o capitalismo explora todas as classes, concentrando o poder e as riquezas nas mãos de uma casta, o comunismo submete as demais classes ao poder do proletariado. A Terceira Teoria busca uma forma de impedir o conflito entre classes, de forma que a sociedade possa respeitar e conviver com todas as classes. Ao contrário da social-democracia ou do socialismo-democrático, esta teoria não procura uma aliança de classes mas a definição de seus papéis e interesses, para que possam conviver em harmonia, sem exploração do homem pelo homem. A solução encontrada pela Terceira Teoria Mundial para o problema da democracia é a garantia do poder do povo, através de congressos e comitês populares. Essa proposta aperfeiçoa os ‘soviets’ porque não se deixa oprimir pelo ‘centralismo democrático’, e garante a livre participação de todos, a livre participação do povo, a livre participação das classes sociais. É através dos congressos e comitês populares que o povo participa diretamente das decisões e do poder. A solução para o problema econômico está no socialismo, mas um socialismo onde os trabalhadores não são assalariados, mas sim sócios. A casa é de quem a habita. Aqueles que mais produzem são os que mais ganham. A terra não é propriedade de ninguém, mas todos podem utilizá-la para receber os benefícios de seus trabalhos. A terceira parte do Livro Verde é dedicada aos problemas sociais, e apresenta a Base Social da Terceira Teoria Mundial. A família é vista como algo mais importante para o homem que o próprio Estado e, segundo o Livro Verde, deve ser preservada. A religião é considerada da maior importância. As minorias precisam ser respeitadas. O ensino não pode ser metodizado nem aprisionado em ‘curriculum’, mas deve permitir o livre arbítrio e acesso aos assuntos que desejar aprofundar, às matérias que desejar, aos cursos que escolher. Diversos outros temas são abordados pelo Livro Verde. Em que pese as diferenças entre as culturas ocidental e oriental , a Terceira Teoria Mundial é uma teoria que precisa ser conhecida por todas as pessoas estudiosas de política e filosofia. Ao me ver, as propostas mais avançadas que conheci diziam respeito à descentralização do poder. O Livro Verde vai mais longe ao abolir o poder, na forma como conhecemos, gerado pela impostura da representação popular. Um fragmento do Livro Verde O livro do líder líbio Muamar Kadafi pode ser classificado também de ‘perigoso’ para os regimes políticos atuais. Não somente pelo exemplo que representa a revolução líbia, a política não-alinhada e independente da Jamahiria tanto do bloco capitalista quanto do bloco comunista, a busca do verdadeiro poder popular, a política externa, etc. Mas também pelas idéias de Kadafi que são perigosas para aqueles que se beneficiam com a exploração dos povos. Um exemplo disso é o capítulo ‘As Assembléias Parlamentares’, que transcrevo a seguir, retirado do Livro Verde, página 7, impresso na Renascença Gráfica, SARL, Lisboa, Portugal. Por mais polêmico que seja o Livro Verde, partes como esta dão uma idéia da originalidade de seu conteúdo: ‘As assembléias parlamentares são espinha dorsal da democracia, tal como ela existe atualmente. A assembléia parlamentar é uma representação enganadora do povo e os regimes parlamentares constituem uma solução enganadora do problema da democracia; a assembléia parlamentar apresenta-se fundamentalmente como representante do povo, mas esse fundamento, em si, não é democrático, porque a democracia significa o poder do povo e não o poder de um substituto... O próprio fato da existência de uma assembléia parlamentar significa a ausência do povo. Ora, a verdadeira democracia só se pode estabelecer pela participação do próprio povo e não através das atividades desses substitutos. As assembléias parlamentares excluem as massas do exército do poder e, ao usurparem a soberania popular em seu proveito, tornam-se numa barreira legal entre o povo e o poder. Tudo quanto resta ao povo é aquela aparência de democracia ilustrada pelas longas filas de eleitores vindos para depositar na urna o seu voto. Para por a nu a realidade na assembléia parlamentar, é necessário procurar de onde vem:ou e eleita nas circunscrições eleitorais m, ou é constituída por designação num partido ou numa coligação de partidos. Mas nenhum desses meios é democrático, porque a repartição dos habitantes em círculos eleitorais significa que um só deputado representa, segundo a importância da população, milhares, centenas de milhares ou milhões de cidadãos, isso significa, também, que o deputado não esta unido por um laço orgânico popular aos seus eleitores, pois que, segundo a tese da democracia clássica, é considerado como representante de todo o povo, do mesmo modo que os outros deputados. A partir daí, as massas separam-se definitivamente do deputado e o deputado separa-se por sua vez das massas. Porque foi eleito ele usurpa a soberania do povoe age no seu lugar... A democracia clássica, atualmente dominante no mundo, concedem aos membros das assembléias parlamentares uma respeitabilidade e uma imunidade que nega aos simples cidadãos. Isso significa que as assembléias parlamentares tornam-se num meio de usurpar e monopolizar o poder do povo, pelo que hoje é do direito, dos povos lutar através da revolução popular, com vista a eliminar esses instrumentos da monopolização da democracia e da soberania, as assembléias parlamentares, que usurpam a vontade das massas. É do direito dos povos proclamar um novo principio: “Não há substituto para o poder do povo”. Quando a assembléia parlamentar é formada, na seqüência do sucesso de um partido nas eleições, ela e a assembléia do povo, ela representa um partido e não o povo, e poder executivo detido pela assembléia parlamentar é o poder do partido vencedor e não o poder do povo. O mesmo acontece com a assembléia parlamentar em quem cada partido dispõe de um certo numero de lugares; os titulares desses lugares são os representantes do seu partido não os do povo, e o poder que emana de uma tal coligação é o dos partidos coligados e não o poder do povo. Nesses regimes, o povo é a presa pela qual se luta. Dele abusam sempre e exploram-no essas “máquinas políticas” que se combatem para alcançar o poder , para arrancar votos ao povo enquanto este se alinha em filas silenciosas que se desfiam como as contas de um rosário, a fim de depositar votos mas urnas como se deitasse papéis em um fogareiro... Esta é a democracia clássica, que governa o mundo inteiro, quer se trate de regimes de partido único, de regimes bipartidários ou multipartidários, ou mesmo sem partidos; torna-se assim bem claro que a “representação é uma impostura” Quando as assembléias que se formam por designação ou por sucessão, não tem qualquer aspecto democrático. Uma vez que o sistema de eleições para as assembléias parlamentares assenta sobre a propaganda para atrair os votos, torna-se um sistema demagógico no verdadeiro sentido da palavra. É possível comprar e manipular os votos quando os mais pobres não podem estar no coração das lutas eleitorais: são sempre (e só) os ricos que ganham as eleições. Foram os filósofos, os pensadores e os escritores que se tornaram em advogados da teoria da representação parlamentar, no tempo em que os povos eram ignorantes e tratados como rebanhos pelos reis, sultões e conquistadores... A máxima aspiração dos povos era, então, ter um mandato para representá-los junto aos governantes. Mas ate essa aspiração era rejeitada. Foi para realizar essa ambição que combateram longa e duramente. Portanto não é racional que agora, depois da vitória da era das repúblicas e do começo da era das massas, a democracia seja apenas apanágio de um pequeno grupo de deputados que agem em nome das massas. È uma teoria envelhecida e um método ultrapassado. O poder deve ser inteiramente do povo. “As ditaduras mais tirânicas que o mundo tem conhecido foram estabelecidas á sombra de assembléias parlamentares”. O socialismo na líbia – I O socialismo na líbia, dentro de sua proposta de solidariedade internacionalista, é um aperfeiçoamento, um avanço, na historia do socialismo mundial, iniciado com a revolução russa. Durante a revolução bolchevique, Leon Trotsky defendia a revolução permanece permanente e o internacionalismo, ou seja, aquilo que os líbios chamam de “apoio efetivo aos povos que lutam por libertação” e aquilo que os norte-americanos chamam de “exportação de revoluções”. Os planos de Trotsky foram por terra na União Soviética quando Stálin mandou matar os seguidores de Trotsky, os velhos bolcheviques posteriormente o próprio Leon Trotsky, exilado do México. Mas essa proposta permaneceu como orientação natural das revoluções socialistas que se sucederam, com exceção da Albânia que, pelas próprias condições econômicas adversas, não consegue praticar esse preceito socialista que remonta à própria história do socialismo. Não é segredo para ninguém que a China apóia alguns movimentos de libertação na Palestina e no Líbano , através dos partidos comunistas a ela filiados, enviando materiais diversos. Mas e de Cuba que a solidariedade acontece de forma mais efetiva, através do atendimento médico-hospitalar às vítimas das guerras na América Central. Centenas de médicos e dentistas cubanos trabalham em diversas partes do mundo, auxiliando os povos que se libertam na reconstrução de seus países. Um exemplo marcante dessa solidariedade foi dado em Granada. Quando os nortes-americanos invadiram aquela ilha, dezenas de cubanos perderam a vida lutando ao lado dos patriotas de Granada que resistiram à agressão americana. Hoje a Líbia tem um posicionamento mundial claro na questão de apoio aos movimentos de libertação. No Brasil tivemos o caso dos aviões líbios apreendidos em território brasileiro quando levavam armas para a Nicarágua. Entretanto, esse apoio aos movimentos de libertação é dado de forma aberta e legal. Os Estados Unidos e as potências colonialistas, ao se sentirem prejudicados com o crescimento do número de países que se libertam, passam a combater de todas as formas países como a Líbia, e uma forma de fortalecer esse combate à Líbia é divulgando mentiras através das agencias internacionais de noticias, colocando em pé de igualdade organizações terroristas e movimentos de libertação. A Líbia não apóia os movimentos terroristas. O próprio Muamar Kadafi tem dado declarações constantes à imprensa mundial dizendo que existe uma diferença fundamental entre, por exemplo, as Brigadas vermelhas da Itália e a Organização para Libertação da Palestina. A primeira é terrorista e não recebe apoio da Líbia. A segunda é um movimento popular legítimo, lutando por uma causa justa, reconhecida pela própria ONU, e, portanto, recebe apoio da Líbia. Mas os Estados Unidos procuram misturar os fatos e distorcê-los o mais possível para enfraquecer politicamente os movimentos de libertação. É errado enviar armas para os países que lutam contra a escravidão, o imperialismo, a fome e a miséria? Acredito que não. É um direito desses povos lutarem pela liberdade. É um direito desses povos receberem apoio material dos países que se disponham a ajudá-los. Entretanto, errado é bombardear populações civis, promover invasões em diversas partes do mundo, como fazem os Estados Unidos. Na realidade, a Líbia está contribuindo concretamente para pôr um fim ao terrorismo mundial porque apóia os povos que lutam contra ditaduras comprometidas com os EUA e contra os governos fantoches que massacram seus próprios povos por interesses econômicos pessoais, permitindo a fome e a miséria. II Quando escrevo que existe avanço na Líbia em relação ao socialismo, cito exemplo o envio de cubanos a Angola, Etiópia e Granada. Aqueles homens foram enviados por Cuba quando os povos daqueles países já se encontravam no poder, já haviam derrotado o inimigo, os governos fantoches dos EUA. Esse tipo de solidariedade de Cuba é uma grande lição para Humanidade, em ternos de bases concretas para a construção de um mundo mais justo. Cuba, uma pequena ilha do Caribe, demonstra uma generosidade muito grande ao enviar médicos, dentistas e técnicos para auxiliar os outros países nos trabalhos de reconstrução. A Líbia, porém, tem uma proposta mais avançada porque auxilia os povos já na fase de luta armada para derrubar os governos fantoches dos EUA. Um povo que recebe apoio material no processo revolucionário de luta por libertação, certamente poupará muitas vidas valorosas de líderes e combatentes, que terão um papel muito importante na reconstrução do país após as revoluções ou as guerras de libertação. É preciso não esquecer que os governos fantoches recebem todo apoio necessário das potências imperialistas para massacrarem seus povos. Desde o trabalho de espionagem desenvolvido pelas agências de informação de diversos países imperialistas, mancomunados entre si, até envio de armas e “assessores militares”. Enquanto os EUA aperfeiçoam sua tecnologia de guerra, sua guerra nas estrelas, seus mísseis MX, seu terrorismo nuclear, etc., os povos explorados criam novas formadas de luta e novas situações são colocadas no xadrez da política mundial para se contrapor ao crescimento tecnológico militar e ao belicismo norte-americano. A política externa da Líbia é uma nova situação nesse contexto. Quanto mais radicais forem as ações norte-americanas, mais radicais serão as formas de auto-defesa dos povos explorados. E se é verdade que a luta dos povos em todo o mundo obedece a uma dinâmica histórica de progresso, dinâmica evolutiva rumo à libertação política e material, seja através do socialismo ou comunismo ou outras ideologias , podemos então admitir que a Líbia, dentro desse processo evolutivo, é uma conseqüência natural da necessidade natural de instituto de sobrevivência da raça humana. A educação na Líbia Enquanto o ônibus percorre imensas distâncias, vejo escolas primárias e secundárias em pequenas aldeias. As crianças usam um avental azul e são auxiliadas pelas pessoas nos momentos de atravessarem as ruas ou as rodovias. Crianças saudáveis vestindo roupas bem cuidadas dão uma ótima impressão. Vi isso não somente nesse passeio, mas em todos os outros e em todas as cidades líbias por onde passei. No tempo do rei Idris a educação na Líbia era parecida com a situação de muitos países latino-americanos governados por ditaduras militares. Aliás, existe um consenso entre os regimes antipopulares, sejam monarquias ou ditaduras, em não apoiar o setor educacional, temendo que o povo, alfabetizado, tenha acesso a informação que contribuirão no processo de libertação. Na Líbia não foi diferente. O rei Idris não apoiou a educação não Líbia e o resultado é que a revolução tem dispendido muitos esforços para reverter o quadro que encontram. Os dados estatísticos abaixo são mais esclarecedores: Nos anos de 1968/69 havia na Líbia apenas 270.617 crianças cursando a educação primária. Nos anos de 72/73 esse número passou para 450.288; nos anos de 75/76 passou para 534.209 e em 80/81 atingiu o número de 577.644. os cursos universitários sofreram evolução parecida, melhorando ainda mais com a criação de novos cursos universitários que não existiam antes da revolução, como medicina, odontologia, farmácia, medicina veterinária, e politécnica do petróleo. No geral, a evolução do número de estudantes universitários na Líbia foi a seguinte: 68/69, 3.460 estudantes; 72/73, 8.220 estudantes, 75/76, 13.517 estudantes e nos anos de 80/81, 25.470 estudantes. Sem contar o grande número de líbios que fazem cursos superiores em outros países, com todas as despesas pagas pelo povo da líbia. Economia Enquanto o país produtos de petróleo, a Líbia tem no comércio exterior o principal fator de influência no desenvolvimento econômico. A orientação do terceiro congresso popular geral foi no sentido de equilibrar a balança de pagamento visando substituir aos poucos a dependência econômica do país no setor de exportação de petróleo. No período de 1975 a 1980, por exemplo, a Jamahiria Líbia importou 1.665,3 milhões de dinares, este número refere-se apenas a petróleo bruto e gás natural. O total de petróleo refinado foi de 296,1 milhões de dinares e mais de 22,2 milhões de dinares em produtos petroquímicos. A estratégia do comercio interior foi fixada no plano qüinqüenal 1981-1985, de acordo como capítulo II do livro verde na propriedade coletiva do povo mobilizado. A diversificação da economia também esta sendo realizada. A estratégia do comercio interior pode ser resumida nos seguintes pontos: Assegurar o acesso da sociedade aos produtos básicos e essenciais, pondo fim a exploração e especulação arraigada na sociedade, através da criação de supermercados em diferentes regiões, aumentando os centros de distribuição, orientando o consumo publico e privado; Assegurar a comercialização da produção agrícola e industrial, buscar novas saídas para exportação do excedente dos produtos locais; Criação de estoque de reserva de produtos importantes. Construção de centros de armazenagem de grande porte, capazes de receber as quantidades suficientes para abastecimento interno; Fazer evoluir os costumes de consumo de forma que os cidadãos satisfaçam suas necessidades reais aos diversos produtos, adotando métodos de orientação e educação adequados. Os principais objetivos no comercio exterior constam dos programas e projetos do sistema econômico, entre os quais os seguintes: Criação de espaços de armazenamento para conservação de mercadorias secas, com uma superfície de 457.000 metros quadrados, assim como outros espaços como outros espaços para a conservação de produtos alimentícios com uma superfície de 141.200 metros quadrados, distribuídos em 87 complexos de armazenagem em diversas regiões da Jamahiria da Líbia. Termino das obras de 87 mercados, criação de 185 mercados já iniciados, e criação de 136 novos mercados. Os comitês revolucionários Os comitês revolucionários são organismos de defesa da revolução. São os Comitês Revolucionários que orientam o povo sobre as formas de participação nos congressos e comitês populares, dão treinamento militar ao povo, fiscalizam as atividades dos inimigos da revolução, divulgam os ensinamentos do livro verde; enfim, que mobilizam e esclarecem as massas. O primeiro ensinamento dos membros dos Comitês Revolucionários é o de que esses comitês têm um papel a cumprir: a defesa da liberdade e do poder popular, portanto, eles não podem se constituir em governo paralelo ao poder popular porque estariam traindo o povo, isto é, o poder das massas. A função primordial dos comitês é garantir o exercício, ate mesmo incentivar o exercício do poder popular. Cada membro de um Comitê Revolucionário é alguém que dedicou sua vida a revolução, que coloca sua vida a defesa da revolução; por isso, esses comitês são formados na maioria por jovens politicamente preparados, idealistas e abnegados. “Pra mim é uma grande contradição observar alguns intelectuais brasileiros que acertadamente não acreditam na propaganda norte-americana para justificar a agressão a Nicarágua mas ficarem em duvida quando os EUA acusam a Líbia de apoiar o terrorismo internacional. Será que aquele que mente sobre a Nicarágua dirá a verdade sobre a Líbia?” O conceito de democracia no islamismo O mundo islâmico não participa das discussões sobre democracia, da forma que o fazemos, o livro sagrados dos muçulmanos é o Corão, como a Bíblia é o livro sagrado dos cristãos. Lá, como aqui, no mundo árabe como no ocidente, as diferenças religiosas prendem-se à interpretação dos ensinamentos dos livros sagrados. Como no Brasil uma parte do clero opta pela defesa dos interesses das classes sociais abastadas, interpretando a Bíblia de forma a favorecer os poderosos , no mundo árabe acontece o mesmo em relação ao Corão, quando os religiosos da Arábia Saudita, Kuwait, entre outros, obedecendo aos governos atuais, interpretam o livro sagrado muçulmano de forma e beneficiar os poderosos. A interpretação mais progressiva da Bíblia no Brasil e América latina cabe aos seguidores da Teologia da libertação. Da mesma forma, no mundo árabe os muçulmanos mais progressistas interpretam o corão sob uma ótica humanitária de defesa de interesse dos povos. Essa corrente de muçulmanos progressistas é representada pelos “sheiks” que não obedecem a linha adotada no Kuwait e Arábia Saudita, e que apóiam a posição do islamismo na Líbia e Síria, além das correntes progressistas do Irã. Para o islamismo predominante na Líbia ser muçulmano é não permitir a fome e a exploração. É proteger os povos desvalidos e atender as necessidades do povo, ou seja, em última análise, é ser socialista. Esses conceitos são essencialmente democráticos na medida em que permitem ao povo desenvolvimento, de suas potencialidades e sua própria sobrevivência. Diferente, por exemplo, de alguns países do ocidente que se dizem democráticos e onde morre um criança de fome a cada dois minutos. Dos atentados terroristas Quando começo a escrever sobre terrorismo me vem à memória uma fotografia quer vi nos jornais a alguns anos atrás, quando três ou quatro armênios invadiram a embaixada da Turquia em Lisboa , mataram pessoas do corpo diplomático e depois se suicidaram. Na época eu lia as manchetes dos grandes jornais: “Mais um atentado terrorista”, “Terror volta a atacar”, etc. Esse sensacionalismo barato nada contribui para a compreensão desses casos, o eixo da questão quase sempre é esquecido, dando lugar a análises políticas pró-isso ou contra aquilo, ocidente versus oriente, capitalismo contra comunismo. Os leitores não percebem essas distorções de informações e ficam com a impressão de que existem pessoas muito loucas fazendo atentados terroristas no mundo, na maioria das vezes não é assim, e isso não interessa aos grandes jornais porque é uma discussão profunda e afeta os países que, na maioria das vezes, exercem pressões através dos grandes anunciantes ou através das agências internacionais de notícias. Decidi pesquisar o caso dos armênios, independente do sensacionalismo da grande imprensa monopolizada pelo sionismo internacional. E foi justamente num jornal da imprensa alternativa, jornal “Jerusalém”, que descobri fatos esclarecedores. Tratava-se de jovens armênios lutando pela libertação da armênia. Quantas pessoas sabem que esse país foi invadido pelos turcos? Quantas pessoas sabem que milhares de armênios foram massacrados das formas mais violentas possíveis, para que os turcos pudessem-lhes roubar as terras? As fotos que vi nos jornais não mostravam terroristas treinados em campos deste ou daquele país, ou qualquer outra besteira do gênero. As fotos mostravam adolescentes na faixa etária de 18 a 21 anos, vestindo jeans desbotado, tênis sujos, cabelos compridos. Mais tarde o jornal “Jerusalém” (editado em São Paulo nos anos 82,83 e 84) conseguiu uma entrevista com os pais daqueles jovens. Disseram eles que os filhos eram estudantes, sem participação política em partidos ou organizações revolucionarias. Estavam lutando pela libertação da Armênia, vingando a morte de parentes e antepassados. A explicação para o terrorismo esta em exemplos como este. É muita estupidez alguém imaginar que não ocorrerão dezenas de atentados a israelenses e norte-americanos nos próximos anos, tendo em vista que Israel invadiu a Palestina e o Líbano, os EUA atacaram Granada, Nicarágua, Líbia, Líbano, etc. Resumindo, assassinaram pessoas indefesas e essas pessoas com certeza têm parentes e descendentes, alguns dos quais procurarão se vingar dos crimes cometidos. O ideal seria se os governantes que declaram guerras e massacres pudessem ser colocados frente a frente com os descendentes das vitimas que causaram. Isso evitaria a morte de inocentes e acarretaria maiores responsabilidades na política internacional. Os grandes culpados pelo crescimento da onda de atentado em todo o mundo são as grandes potências imperialistas. Os governantes dessas potências são, na pratica, aqueles que colocam as armas nas mãos dos terroristas porque dão motivos para que eles possam agir. Porque as potências imperialistas fazem guerras e invasões? Todos sabem: Precisam vender armas, precisam justificar os gastos militares, os batalhões de desocupados que sugam os impostos dos que trabalham e produzem. Recentemente, conversando com um amigo norte-americano, ele me dizia que uma parte mais esclarecida do povo norte-americano sabe que existe muita corrupção na indústria armamentista, principalmente na construção e manutenção de artefatos nucleares, quase sempre sobre rigoroso segredo de Estado- inclusive gastos. Ele dizia que era grande o numero de militares novos-ricos nos EUA. Os atentados que fazem vitimas inocentes são condenáveis sob todos os aspectos, nisso todos concordam. E qual o nome que podemos dar a ação norte-americana na Líbia, no mês de abril passado, quando aviões bombardearam zonas residenciais na calda da noite? Por que os jornais não noticiaram “ataque terrorista contra população civil”? O verdadeiro terrorismo mundial veste farda norte-americana (vide Granada, Nicarágua, Líbia, Líbano, etc.), inglesa (vide Malvinas, Irlanda do Norte, etc.), francesa (vide Palestina, Líbano e Tunísia). Os argumentos que essas potências usam para atacar os povos pequenos numericamente disfarçam interesses econômicos e colonialistas. A desculpa de atacar campos de treinamento terrorista na Líbia é mera propaganda barata e faz parte do arsenal de mentiras que os opressores utilizam para tentar justificar agressões militares contra populações civis. Terrorismo: uma tergiversação semântica Houve um tempo em que, cada vez que EUA fabricavam calúnias para justificar agressões aos povos , utilizavam a palavra “comunismo”. Em nome do combate ao comunismo , em nome da salvação “ dos ideais democráticos de liberdade” ameaçados pelo comunismo, os EUA promoveram invasões , financiaram golpes de estado e fizeram guerras sangrentas. Hoje, a palavra comunismo já não assusta. Graças as comunicações que ainda conseguem romper os monopólios de informação, as pessoas vítimas da alienação dominante, sabem que o comunismo é um sistema de governo que não permite a fome nem a escravidão do ser humano, ainda que possamos apontar erros-e são muitos- nos regimes comunistas, principalmente na questão de um partido sobre a coletividade, ainda assim somos forçados a reconhecer que, para a maioria do povo, o comunismo é preferível ao capitalismo. Então foi necessário criar outra palavra que amedrontasse os povos, que tirasse q tranqüilidade dos cidadãos pagadores de impostos, que justificasse as agressões militares norte-americanas, inglesas, francesas, israelenses a qualquer parte do mundo. E esse nome foi encontrado. Trata-se da palavra “terrorismo”, a mais nova arma da imprensa monopolizada para aterrorizar os povos, para transformar movimentos de libertação em “assassinos ensandecidos” para transformar lideres do povo em “assassinos de inocentes desprotegidos”. Mas essa palavra não foi implantada facilmente na opinião publica mundial. Ela exigiu a preparação de um terreno propício, e assim foram forjados atentados terroristas em diversas partes do mundo: da Inglaterra a Israel, dos EUA a frança. Na maioria desses atentados não houve vítimas. Nos atentados reais, houve um sensacionalismo da imprensa regiamente paga. Mas existe um, porém nessas ondas de atentados: eles nunca acontecem em países socialistas, mas sempre em países capitalistas, imperialistas exploradores. Por que, leitores, os atentados terroristas não acontecem em países socialistas? Será porque os regimes socialistas não agridem outros povos? Será porque os regimes socialistas não promovem massacres sangrentos contra populações civis indefesas? Ou será por que os regimes socialistas não têm interesses nesse tipo de propaganda para justificar possíveis invasões e massacres? Cada vez que Israel promove uma de suas invasões no Líbano, alega que foi em represália de um atentado terrorista feito por palestinos. Cada vez que os EUA querem atacar algum país alegam que estão combatendo o terrorismo, e assim todos os inimigos do capitalismo são terroristas aos olhos dos EUA, sejam eles líbios, palestinos, nicaragüenses, rebeldes salvadorenhos, rebeldes peruanos, rebeldes colombianos, etc. Quando a palavra terrorismo ficar tão desgastada e, a exemplo da palavra comunismo, deixar de ter efeito desejado pelos manipuladores da opinião publica mundial, qual será o nome que inventarão?