segunda-feira, 31 de julho de 2017

A LÍBIA DE MUAMAR KADAFI - O LIVRO



Dedicatória
Aos meus avós José Marques, Maria Gonçalves de Almeida e Índia Alves Moreno.



Breve história da Líbia

Regressando no tempo, na antiguidade a Líbia foi ponto de passagem de povos como os Fenícios, que vindos com minério da Península Ibérica se estabeleceram na região. Os gregos que fundaram Cirene e outras cidades. Alexandre Magno, e mais tarde os romanos, deram à província o nome de Régio Tripolitana e a tornaram no celeiro do Império. A Líbia viveu, nesses tempos, momentos de grande glória. A cidade de Leptis Magna, cuja imponência ainda hoje admiramos, e onde nasceu o Imperador Septimo Severo, chegou a ser a segunda cidade mais importante, depois de Roma. Com a partilha do Império Romano, a Tripolitana, a Ocidente manteve-se fiel a Roma, enquanto a Cirenaica passou para as mãos do Imperador cristão de Bizâncio.
Após a morte do profeta Maomé e o começo da expansão do Islão, o território fica sob o seu controle, mas os exércitos árabes tiveram que enfrentar uma forte resistência berbere. Como em todo o Norte de África, entre os séculos VIII e XVI, a Líbia fica sob o domínio dos Califas de Bagda e Damasco. Dá-se então o avanço dos Turcos Otomanos, que dominam a Líbia até 1911.
Aproveitando a fraqueza do Império Otomano, a Itália ocupa os férteis terrenos agrícolas junto à costa. Encontra, desde logo, a oposição de grupos muçulmanos, entre eles os Sanusi, hostis à presença de “infiéis” a substitui-los no poder e influência. 
Depois da 1ª Grande Guerra, a Itália prosseguiu a sua colonização, sem grande oposição na Tripolitana, enquanto na Cirenaica, o clima de não aceitação dos italianos leva à guerra e ao surgimento de figuras carismáticas como foi Omar Mouktar, um combatente, capturado e morto pelos italianos em 1931.          
Durante a 2ª Grande Guerra, a Líbia foi palco de sangrentas batalhas. Com a derrota da Alemanha e da Itália, o Reino Unido ocupou a Tripolitana e Cirenaica, enquanto a França exerceu o poder na zona do Fezzan, a SW, fronteira com a Argélia.
Em 1951, a Líbia torna-se finalmente um país independente. As Nações Unidas colocam no poder o Rei Idris, líder dos Sanussi. Este hesitante rei, fantoche de potências ocidentais, apoia-se na presença de bases aéreas inglesas e americanas no seu território como garantia de estabilidade. A descoberta de petróleo em 1959 veio mudar a economia da Líbia num momento de incerteza, em que se sucediam manifestações contra a influência do ocidente, inspirados pela revolução do líder árabe Gamal Abdel Nasser no Egito, o pai do pan-arabismo. 
A 1 de Setembro de 1969, um grupo de oficiais do exército, liderados por Muamar Kadafi, realiza a Revolução Al Fateh, que aboliu a monarquia e teve o apoio da população em geral para promover os progressos da Líbia, transformando o país no mais próspero da região, com o melhor IDH da África.
A palavra Trípoli, capital da Líbia, significa “três cidades”. O crescimento de três cidades próximas que se uniram há milhares de anos deram origem ao nome da atual capital dos líbios.

O início
Um jovem estudante secundarista na cidade de Maringá está revoltando com as matérias que lê na imprensa sobre Muamar Kadafi e a Líbia. Para ele, as notícias eram mentiras deslavadas, publicadas para defender os interesses criminosos do governo dos EUA.
Após publicar um livro de poesias, utilizando um mimeógrafo da Universidade Estadual de Maringá (UEM), ele começa a guardar dinheiro para viajar à Brasília e visitar a embaixada da Líbia no ano de 1967.
A tarefa não foi fácil. O dinheiro era pouco e mal cobria as despesas com passagens de ônibus pinga-pinga (parando em diversas cidades) e alimentação. Ainda assim, ele decide viajar, mesmo sabendo que o dinheiro permitiria apenas alguns pequenos lanches na viagem.
De Maringá a Brasília são 1.200 quilômetros. Naquele ano de 1987, o ônibus de linha levava dois dias e duas noites para fazer o percurso.
Com apenas uma pequena mochila ele tomou o ônibus em Maringá e seguiu viagem. Pelo caminho parou em cidades que nem imaginava passar. Pequenas localidades à beira das rodovias.
Quando sentia fome, comia um pastel ou uma coxinha. Era tudo que podia comprar com seu escasso dinheiro.
O dia amanhecia quando ele chegou a Brasília, desceu do ônibus na rodoviária do eixo monumental. Conferiu o dinheiro e viu que não teria para pagar o ônibus até as proximidades da embaixada. Decidiu seguir caminhando, cruzando a esplanada dos ministérios.
Ninguém prestava atenção ao jovem de calça jeans e camiseta com sua pequena mochila nas costas. O sol quente de Brasília tornava a caminhada de aproximadamente uma hora e meia, mais difícil, mas ele não pensava nos problemas, e sim na oportunidade que teria de visitar a embaixada da Líbia, “a terra da revolução”.
O Brasil saia de uma ditadura militar mas ainda havia resquícios de repressão. Em Brasília havia policiamento por toda a parte e no trajeto foi parado duas vezes para apresentar documentos.
Ao visualizar a embaixada da Líbia, entrou pela rua errada, que dava entrada aos fundos da casa do embaixador. Tocou a campainha algumas vezes mas não obteve resposta. Enquanto insistia na campainha, alguém passou pela rua e perguntou:
- Está procurando a entrada da embaixada?
- Sim.
- É do outro lado da quadra, quase na esquina.
Ele agradeceu e seguiu até o local indicado. Tocou a campainha e um funcionário o atendeu por uma portinhola no portão principal.
Ele disse que desejava falar com o embaixador. Que vinha de Maringá especialmente para falar com o embaixador.
O funcionário perguntou se ele havia agendado a visita. Respondeu que não. O funcionário pediu que ele aguardasse alguns instantes e fechou a portinhola.
Passaram-se alguns minutos. O funcionário voltou e disse:
- O embaixador não está, mas você será recebido pelo primeiro secretário da embaixada.
O portão foi aberto e o jovem entrou na sala destinada ao primeiro contato com visitantes, no lado esquerdo da entrada principal de uma imponente casa em estilo colonial.
O funcionário perguntou se ele aceitava água. Sim, respondeu. Sentia muita sede após caminhar sob o sol escaldante.
A água gelada foi servida e em seguida entrou na sala o primeiro secretário da embaixada, Mohamad Matri (que depois viria a ser embaixador). Moreno claro, cerca de 1m70 de altura.
O líbio falava bem o português, mas com sotaque acentuado.
Perguntou por que ele veio de tão longe para visitar a embaixada. O jovem respondeu que era um admirador de Muamar Kadafi, e que não acreditava nas mentiras da imprensa ocidental.
Desconfiando, Mohamad Matri perguntou por que ele confiava em Muamar Kadafi.
O jovem falou que a grande imprensa deturpava a verdade. Era assim com a revolução sandinista, com a luta pela democracia no Brasil, sobre a guerra no Vietnã, e não seria diferente em relação à Líbia de Kadafi.
O secretário da embaixada gostou da resposta e começou a fazer mais perguntas. A conversa se estendeu por uma hora. Finalmente, Matri presenteou o jovem com alguns livros sobre a Líbia e o pensamento de Kadafi.
Cumprida a visita, o jovem retornou caminhando até a rodoviária do eixo monumental, e depois a Maringá.
As coisas poderiam ter acabado por aqui. Um jovem visita a embaixada da Líbia no período pós ditadura, é recebido pelo secretário da embaixada, e depois retorna a Maringá. E se isso tivesse ocorrido, não haveria este livro nem as viagens de mais de 20 paranaenses à Líbia nos anos que se seguiram.
Algumas semanas após a visita, o jovem foi contatado por um empresário de Foz do Iguaçu, libanês, ex-vereador Mohamad Barakat. No contato foi marcada a visita de Barakat a Maringá para se conhecerem pessoalmente.
Nem bem uma semana se passou e o empresário chegou a Maringá. Ficou hospedado no antigo hotel Bandeirantes. Almoçaram, conversaram bastante sobre política nacional e internacional. No meio da conversa, Barakat perguntou se o jovem poderia organizar uma palestra do embaixador da Líbia na Universidade Estadual de Maringá, que viria falar sobre a Líbia. O jovem disse que sim, tinha ótimos amigos no Diretório Central dos Estudantes: Ademir, Jairo, Adauri, Anésio, entre outros.
Um mês se passou até que o embaixador da Líbia, Ali Far Fer, viesse a Maringá e fizesse palestra no auditório lotado por estudantes.
Após a palestra o embaixador convidou o jovem a visitar a Líbia. O convite foi prontamente aceito. E foi assim que tudo começou.

A mão da revolução é longa
Meses depois me mudei para Curitiba e mantive contato com a embaixada.
Em um desses contatos, o embaixador me ligou e pediu que eu ajudasse dois estudantes líbios que desejavam estudar na Universidade Federal do Paraná. Recebi a visita dos estudantes líbios Kalifa e Osama. Conversei com um amigo de Maringá, chefe de gabinete do então Secretário de Estado da Justiça, Horácio Racanello, o advogado trabalhista Laércio de Figueiredo Souto Maior, escritor e fundador da Universidade Popular do Trabalho. Combinamos de levar o caso ao Secretário, e assim foi feito. Através de contatos abertos com servidores da Universidade, foi possível oficializar a vinda dos estudantes líbios a Curitiba, onde concluíram os cursos de Engenharia Química e Geologia.
Nos primeiros dias acompanhei os estudantes líbios em sua nova vida em Curitiba. Quando caminhávamos pela Rua XV e quando eles se deparavam com algum pedinte, ficavam revoltados, perguntavam: “Como é possível conviver com este nível de pobreza? Isso é humilhante e revoltante!”
Lentamente eles foram se adaptando ao nosso modo de vida, apesar de alguns contratempos e choques culturais.
Certo dia, no apartamento do Khalifa, antes de viajar para a Líbia pela primeira vez, conversamos sobre a viagem. Ele estava preocupado. Parecia que não concordava com a decisão do governo líbio de abrir o país para visitas de estrangeiros, afinal, o país estava sob ameaça dos Estados Unidos da América, França e Inglaterra, países que jamais aceitaram a revolução líbia porque tiveram bases militares fechadas no país e militares expulsos.
O estudante líbio Kalifa me convidou para almoçar em seu apartamento nas proximidades da rodoviária.
O almoço foi servido com comidas árabes compradas no restaurante Sahara no Shopping Itália, um ótimo restaurante que funciona até os dias de hoje.
Após o almoço, tomamos café e sentamos no sofá da sala onde ele acendeu um cigarro, me fitou, e disse:
- Você é o primeiro convidado do Paraná a visitar a Líbia. Não nos decepcione.
- Em que sentido não decepcionar?
- Temos muitos inimigos. Não faça nada para decepcionar nossos irmãos.
- Claro, sem problema.
- Lembre-se: a mão da revolução é longa. Ela alcança os traidores em qualquer parte do mundo. Entendeu?
- Sim.
- Muito bem. Seja bem vindo e vamos em frente. Oportunamente você receberá mais instruções.
E assim terminou aquele dia.
Após a segunda e terceira viagem, um diplomata líbio teve uma conversa parecida comigo em Brasília.
Fui convidado a participar de um evento de aniversário da Revolução Al Fateh em Brasília, em um luxuoso clube à beira do lago Paranoá. Levei alguns amigos de Curitiba e ficamos hospedados na Academia de Tênis, local bastante conhecido, hotel onde ficam hospedados ministros de Estado e celebridades.
Conosco foi um descendente de árabe residente em Curitiba. Até hoje não descobri como ele foi convidado, mas com certeza foi indicado pela sua condição de muçulmano. Esse cara grudou no meu pé o tempo todo durante o evento. Ficava difícil conversar com meus amigos sem a presença incômoda do convidado.
Anos depois descobri que ele era informante de uma agência de inteligência brasileira. Vendia informações por alguns trocados e se fazia passar por intelectual, autor de livros.
Felizmente ele jamais foi convidado a visitar a Líbia.
Durante esse encontro em Brasília, um diplomata me chamou em uma sala e conversamos durante algum tempo. Ele disse que talvez eu fosse convidado a participar de eventos na Líbia, que poderia levar amigos de confiança, mas, preste atenção, ele disse, “você pode levar cristãos, ateus e muçulmanos, mas está proibido de levar algum judeu sionista”. Perguntei o motivo, ele respondeu que os judeus sionistas eram os maiores aliados dos Estados Unidos da América no mundo árabe, e inimigos mortais da Causa Palestina. A Líbia sempre apoiou a Causa Palestina.
Com o passar dos anos descobri que havia pessoas no governo líbio que estavam contra a presença de estrangeiros no país. Algumas vezes chegamos a ser chamados por alguns líbios (que depois descobrimos serem traidores) de “filhos do Kadafi”. Diziam isso de forma pejorativa, como se para tirar um sarro, mas para nós o termo “filhos de Kadafi” era motivo de orgulho. Sim, muitos de nós somos filhos do pensamento político e ideológico de Muamar Kadafi, e isso nem a morte pode impedir, porque eles mataram o homem mas não mataram suas ideias.
Somente alguns anos depois compreendi o significado da frase “é longa a mão da revolução”. Conheci um jovem jornalista na cidade de Foz do Iguaçu quando produzimos uma revista em árabe e português, editada em Maringá. Esse jovem, Yazigi, era um intelectual, vindo de um país árabe. Dizem que ele escrevia muito bem em árabe, e por isso estava participando da confecção da revista de um Centro Cultural Árabe Brasileiro.
Editamos e distribuímos a revista, depois ele teria ido morar em São Paulo onde trabalhou com publicações e traduções.
Durante a guerra ao Iraque, ele teria se notabilizado como grande defensor do presidente Sadam Hussein, escrevendo artigos para jornais e revistas de diversos países árabes. No final da guerra, ao perceber que Sadam seria derrotado, ele teria mudado de lado, passando a escrever artigos atacando o presidente iraquiano.
Dizem que uma noite ele foi surpreendido em uma rua deserta de São Paulo por três simpatizantes de Sadam Hussein. Eles o capturaram. Perguntaram com qual das mãos ele escrevia. Ele respondeu que escrevia com a mão direita. Então um dos simpatizantes – não se sabe se era brasileiro ou árabe – teria aplicado uma injeção em seu braço direito, e fugiram.
Passados alguns dias, o braço direito que havia recebido a injeção começou a secar. Ele perdeu completamente o movimento do braço. Os músculos atrofiaram, e ele passou a vagar pelas ruas, sem trabalho e sem apoio dos antigos amigos e patrícios. Foi então que decidiu mudar-se para Ciudad del Este, no Paraguai, onde foi acolhido por um árabe que ficou com pena ao saber de sua história; mas na cidade paraguaia Yazigi começou a beber, tornou-se alcoólatra e morreu como um mendigo numa rua deserta.
Outro caso que um amigo paraguaio me contou em Ciudad del Este: sem citar nomes, ele conta que durante a Guerra do Líbano, 2006, quando Israel fracassou em sua tentativa de invadir o Líbano, um episódio ocorrido em Beirute teve repercussão em Foz do Iguaçu.
Havia um grupo de estudantes kadafistas na Universidade de Beirute. Eles faziam propaganda do Livro Verde e chamaram a atenção de alguns militares ligados a Israel e EUA. Uma noite, um desses militares entrou na república onde os estudantes libaneses moravam e atirou em dois deles, ferindo um de morte.
Após o assassinato o militar passou a ser perseguido, e decidiu fugir para o Brasil. Montou residência em Foz do Iguaçu e comprou uma pequena loja em Ciudad del Este. Quatro anos se passaram até que um dia um professor da universidade de Beirute, ligado à Líbia, veio a Foz do Iguaçu, caçar o militar libanês fugitivo. Ele teria entrado na casa do militar, leu uma carta onde ele teria sido condenado à morte pelo movimento kadafista libanês. Em seguida o ex-militar foi executado com um tiro no coração. Após o disparo, o professor retirou alguns objetos de valor da casa e deixou na rua, e retornou ao Líbano. Em Foz, o caso foi dado como roubo seguido de morte.
A mão da revolução é longa. Não duvidem. Ela alcança seus inimigos em qualquer parte do mundo.
O rigor dos primeiros anos na militância não se manteve com o passar dos anos. Os jovens que viajaram à Líbia nos anos que se seguiram não receberam nenhuma orientação ou advertência.


...
Talvez eu seja o brasileiro que mais viagens fez à Líbia de Kadafi, a convite do governo: 19 viagens. A primeira foi em 1985 e a última em dezembro de 2011, três meses antes dos ataques dos EUA/Otan que destruíram a infraestrutura do país, promoveram o assassinato de mais de 70.000 líbios e o martírio do líder Muamar Kadafi, retrocedendo a história e permitindo nova ocupação estrangeira do país.
Na época – como na maioria do tempo em que Kadafi liderou a Líbia – o governo norte-americano fazia intensa campanha de mentiras e provocações através da mídia ocidental, afirmando que o país abrigava e financiava movimentos terroristas em todo o mundo.
A primeira viagem que fiz à Líbia foi acompanhada por um árabe que tinha loja de calçados em Curitiba, Ali W., falecido.
Naquele tempo a impressão que se tinha era a de que os líbios estavam estudando a possibilidade de abrirem o país à visitação e ao turismo.
O Ali era um excelente tradutor, falava e lia árabe corretamente. Participei de alguns encontros onde o Ali traduzia as palestras e debates políticos, enquanto os líbios observavam o tempo todo, como se preparando para a inevitável decisão de abrir o país.
Dessa primeira viagem ficaram poucas lembranças. Ficamos uma semana na Líbia e o país ainda enfrentava a resistência dos partidários do Rei Idris, deposto pela revolução Al Fateh, liderada por Muamar Kadafi.
Ficamos em um hotel nas proximidades da praia central. Durante o jantar, assistimos pela televisão cenas de uma multidão invadindo uma linda mansão. Utilizaram um trator para colocar a portão de entrada abaixo e invadiram a mansão, depredaram móveis e o tempo todo gritavam palavras de apoio à Revolução Líbia. O Ali me explicou que as pessoas descobriram que o então ministro da economia era um traidor, e que havia fugido do país, por isso invadiram a mansão e tentaram capturá-lo.
Durante uma tarde decidi caminhar sozinho pela orla da praia. Vi um vendedor ambulante com seu carrinho e me aproximei. Ele vendia um tipo de sanduiche, mas não consegui identificar que tipo seria. Conversei com ele em inglês, ele respondeu que era marroquino e que podíamos falar espanhol. Explicou que o sanduiche era de atum com massa de tomate e/ou pimenta. Consultei minha carteira e não tinha dinares (moeda líbia), apenas dólares. Ele disse que não havia problema e paguei em dólar pelo sanduiche mais saboroso que comi em todas as minhas viagens internacionais. Diversas vezes tentei repetir em casa, mas falhei. Além do pão ser diferente (na Líbia a farinha de trigo é pura, enquanto que no Brasil e vários países a farinha recebe diversos produtos químicos alvejantes), o atum era fresco e o tempero era muito bom, árabe. Uma delícia.
A segunda viagem, um ano depois, foi melhor e durou mais tempo, 15 dias. Fui acompanhado pelo empresário e amigo Mohamad Barakat, vereador e ex-secretário de Indústria e Comércio de Foz do Iguaçu.
Os líbios tinham grande consideração por Barakat porque ele desde jovem apoiava a Causa Palestina e as causas justas do mundo árabe. Como vereador era uma das lideranças da comunidade árabe em Foz, a segunda maior colônia árabe no Brasil, perdendo em número apenas para São Paulo. Barakat era como um embaixador dos árabes em Foz, recebendo diversas autoridades de diversos países, embaixadores, ministros, secretários de Estado, entre outros. Falava corretamente o inglês, estudou engenharia no Canadá mas se dedicou ao ramo de exportação de produtos brasileiros para o Paraguai.
Nesta viagem visitamos diversos locais interessantes, como fábricas, sindicatos, escolas e universidades. Participamos de eventos, encontros internacionais com representantes de movimentos sociais e sindicatos de diversos países.
A Líbia daquela época era um país em transformação. Os jovens revolucionários liderados por Kadafi estavam empenhados em reconstruir o país: levantavam imensos conjuntos habitacionais para retirar da pobreza milhares de líbios que viviam em tendas árabes, como no passado.
Uma das fotos mais emblemáticas de Trípoli, feita após a revolução Al-Fateh, mostra a cidade cercada por milhares de tendas árabes, parecendo um gigantesco acampamento, a se perder de vista.
Naquelas semanas assisti pela televisão líbia a inauguração de dezenas de imensos conjuntos habitacionais formados por centenas de edifícios. Na medida em que os prédios residenciais eram inaugurados, as tendas árabes desapareciam, até que não restou nenhuma. Kadafi cumpriu a promessa que só daria uma casa para seu pai depois que todos os líbios tivessem uma casa para morar.
Ao beber água pela primeira na Líbia senti sabor de sal. A água em Trípoli e nas maiores cidades líbias é dessalinizada, e no final da década de 1980 a tecnologia não era das melhores. Na comida, café ou chá, não dava para sentir a diferença entre a água doce e a dessalinizada, mas ao beber, a diferença era brutal.
Acostumado com a água doce, acreditava que a água dessalinizada em temperatura natural não matava a sede, por isso bebia 3 ou 4 copos em lugares onde não havia água gelada. Havendo água gelada, um copo era suficiente para matar a sede.
Outra característica da água dessalinizada é que ela deixa os fios de cabelos um pouco duros, e na pele uma leve crosta.
Nas décadas que se seguiram a tecnologia evoluiu e nas últimas vezes que estive na Líbia não se notava diferença alguma entre a água doce e a dessalinizada. O país comprava o que havia de melhor na tecnologia mundial. Com poucos habitantes e sendo um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Líbia era um país muito rico.
...
Na primeira viagem que fiz sozinho à Líbia havia uma guerra civil no Chade. O governo enfrentava uma revolução armada de chadeanos patriotas que desejavam expulsar os franceses do país, colonizadores que continuavam roubando as riquezas minerais do povo nativo – até hoje.
Kadafi foi procurado pelos militares nacionalistas e decidiu apoiar a revolução no país vizinho. Enviou armas e soldados.
Ao regressar da Líbia, no avião que fazia a rota Trípoli-Paris havia um piloto francês ferido, escoltado por militares líbios à paisana. Minha poltrona ficava no final do corredor, bem ao lado do local que improvisaram para colocar o piloto francês, por isso conseguia ouvir perfeitamente a conversa entre o piloto e os líbios, que as vezes falavam em francês, e outras vezes espanhol.
O piloto em questão era francês, mas, pasmem, estava lutando contra as tropas francesas. Ele havia se juntado aos militares líbios na guerra do Chade, não sei se por afinidade ideológica ou se era apenas um mercenário, mas era um piloto francês bombardeando militares franceses no Chade. Algo comum para os militares, mas inusitado para a opinião pública.
O piloto aparentava 30 anos. Estava imobilizado por ataduras no peito e na perna esquerda. Tomava soro fisiológico endovenoso. Era acompanhado por uma médica ou enfermeira, além de dois militares líbios.
Por um momento os líbios deixaram o espaço protegido por lençóis e me aproximei do piloto. Tentei falar com ele em espanhol. Ele apenas sorriu e não pronunciou uma palavra. Ao retornar os líbios perguntaram o que eu estava fazendo naquele vôo. Respondi que retornava ao Brasil após uma conferência do líder Muamar Kadafi em Trípoli. Um dos militares líbios me deu um tapinha nas costa e mostrou minha poltrona, sorrindo. Em seguida fechou os lençóis e não vi mais o piloto francês.

Revolucionários do passado e os terroristas de hoje
Os jovens de movimentos revolucionários que encontramos na Líbia, nos anos 80 e 90, tinham grandes diferenças dos jovens terroristas recrutados hoje pelo Estado Islâmico (Daesh, Isis) pela internet ou igrejas (mesquitas) controladas pelo Reino da Arábia Saudita e Catar, os wahabitas, extremistas.
Nos anos 80 e 90 havia movimentos guerrilheiros lutando por libertação em diversas partes do mundo. Diversos governantes ilegítimos contavam com o apoio do governo dos EUA, incluindo genocidas, torturadores, traficantes de drogas etc.
Na Líbia os jovens que se reuniam buscavam apoio para lutar contra ditaduras e governos ilegítimos, por isso era comum encontrar jovens sandinistas, bolivianos, equatorianos, haitianos, irlandeses do IRA, bascos, filipinos, sul africanos, timorenses etc. O que levava os jovens à Líbia era a busca por apoio e solidariedade para lutar por um mundo melhor, por justiça e fraternidade, enquanto que hoje, milhares de jovens ingressam em movimentos terroristas como o Estado Islâmico (Daesh, Isis), Al Qaeda, por ignorância, extremismo religioso, ou por interesse financeiro (mercenários). Jovens desesperados que emigraram para a Europa, e que seguem discriminados e sem oportunidades de melhorar as condições de vida, entram para os movimentos terroristas na expectativa de ganhar dinheiro oferecido por governos estrangeiros interessados em desestabilizar regimes nacionalistas ou que defendam a soberania de seus países frente ao imperialismo e ao sionismo.
Na maioria das vezes as expectativas daqueles que recorrem aos movimentos terroristas são frustradas e eles terminam por encontrar a morte ou a decepção pura e simples. Milhares não tem como retornar aos seus países de origem e acabam se sujeitando às piores tarefas impostas pelos terroristas. Mulheres são prostituídas e homens escravizados, obrigados a trabalhar por rações de alimentos vencidos ou apodrecidos na Síria e Iraque.
Centenas de jovens são arregimentados para os grupos terroristas através de uma verdadeira emboscada. Nos países ocidentais (incluindo o Brasil), muitos deles fazem cursos de segurança, buscando uma vida melhor. Mas grande parte das escolas de segurança é controlada por agentes da CIA que, de forma dissimulada, sugerem que eles podem encontrar trabalho como seguranças, ganhando muito dinheiro, em países como a Jordânia, Turquia e Israel. Esses agentes estão conectados com outros agentes nesses países. Os jovens embarcam em busca de um trabalho honesto, mas ao chegar ao local, descobrem que não há trabalho algum, e ficam gastando o pouco dinheiro que lhes resta com alimentos e hospedagem, até que algum agente da CIA diz que existe ótima oportunidade de trabalho na Síria e Iraque, mas na verdade, ao chegar ao local – cidades controladas por terroristas – descobrem que foram enganados mais uma vez, e que na verdade estão sob as ordens de terroristas do Estado Islâmico ou Al Qaeda, para os quais não existe direito trabalhista ou compromisso de pagar salário – e não há como retornar. São usados como buchas de canhão. Morrem no campo de batalha e suas famílias nem ao menos são informadas, uma vez que seus documentos são destruídos.


O autor em uma de suas 19 viagens à Líbia
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A escolha para viajar à Líbia, a convite do governo líbio, não foi mero acaso ou interesse em turismo. Durante alguns meses fui observado por apoiadores da Líbia. O que foi determinante para o convite foi minha intensa atividade cultural e política na cidade de Maringá, trazendo lideranças políticas para fazer palestras, como sandinistas no auge da revolução; apoio à causa palestina, apoio aos argentinos na Guerra das Malvinas, apoio à revolução iraniana liderada pelo aiatolá Komeini etc.
Visitar a Líbia naqueles anos era algo muito difícil. Nas primeiras viagens que realizei não encontrei nenhum brasileiro, afinal, agentes da CIA aliados a líbios traidores, aliados do Rei Idris operavam abertamente, e o país adotava medidas rígidas de segurança. Não era permitido turismo no país. Naquela época, estrangeiros em solo líbio somente a trabalho ou a convite do governo.
Na minha segunda viagem à Líbia, ao desembarcar no aeroporto de Trípoli ao lado de um empresário árabe-brasileiro de Foz do Iguaçu, que me servia de guia porque havia visitado o país um ano antes – o ex-vereador e exportador Mohamed Barakat -, lembro-me que a primeira impressão foi o calor excessivo. Chegamos por volta das 12 horas, em pleno verão, e o calor era sufocante. Ao abrir a janela do veículo que nos conduzia ao hotel para entrar um pouco de ar, senti quase uma queimadura no braço, diante do vento aquecido pelo sol abrasador. Meu primeiro pensamento foi “não vou suportar este calor”. Mas nas horas seguintes o corpo se acostumou ao calor e só voltei a pensar no assunto quando caminhava pelas ruas da capital, Trípoli, nos horários impróprios. Entre 10 e 15 horas, naquela época, a maioria do povo ficava em suas casas, ou nas sombras das árvores nas praças, esperando passar os momentos em que o sol era mais inclemente. Lembro que muitas pessoas dormiam confortavelmente na sombra das árvores nas praças públicas de Trípoli após o almoço, em total segurança.
Às 16 horas o comércio reabria e ficava aberto até 20 horas. No final da tarde as famílias saiam para caminhar pelas ruas, fazer compras, frequentar os cafés, passear pelas praças.
O meu amigo de Foz também servia de tradutor. E o que não me dei conta, na época, é que de certa forma eu estava sendo usado pelo governo líbio para avaliar o comportamento de um estrangeiro, latino-americano, em solo líbio. Avaliavam os choques culturais e as possibilidades de aumentar o intercâmbio com países da América Latina, através de viagens culturais para jovens de diversos países, para mostrar as conquistas da Revolução socialista Al Fateh.
Durante 10 dias passeamos pela cidade, participamos de reuniões, eventos políticos, banhos no mar Mediterrâneo, visitas a indústrias e ao deserto.
Um dos eventos significativos foi um jantar com lideranças políticas de diversos países com o líder Muamar Kadafi. Uma enorme tenda foi erguida na praia, de onde podíamos ouvir o barulho das ondas do mar. Centenas de tapetes foram colocados sobre a areia. Todos tiravam os sapatos na entrada da grande tenda e se sentavam no chão, à moda árabe. Um grupo musical líbio tocava o tempo todo e as pessoas e convidados tomavam seus lugares. Por volta das 20 horas, Muamar Kadafi entrou na tenda acompanhado por sua guarda pessoal formada por mulheres, revolucionárias líbias com armamento sofisticado para a época. Kadafi vinha acompanhado de líderes revolucionários da América Latina, Europa e Estados Unidos (Panteras Negras). A entrada foi triunfal. As pessoas se levantaram, aplaudiram e gritavam Ka-da-fi, Ka-da-fi, Ka-da-fi. Ele sorria e gesticulava com as mãos, dando as boas vindas a todos. A recepção demorou alguns minutos e quando todos finalmente se sentaram ele falou em árabe, sendo traduzido em inglês e espanhol, saudando todos os presentes. Lembrou as conquistas da Revolução Al Fateh que derrubou um rei corrupto, marionete das potências ocidentais, e incentivou todos os presentes a desenvolverem em seus países de origem ações políticas concretas para derrotar os regimes reacionários e corruptos apoiados pelos EUA e seus aliados. Falou que somente o socialismo poderia libertar os povos e nações, e que o capitalismo era uma forma egoísta de concentrar riquezas e poderes nas mãos de uma elite parasitária.
Para Kadafi a humanidade tinha três inimigos: o fascismo, o imperialismo e o sionismo.
O longo discurso foi interrompido diversas vezes por longos aplausos. Ao encerrar, ele citou os nomes dos líderes revolucionários presentes ao evento, e sentenciou: “A Líbia é a terra de todos os revolucionários do mundo!”
Em seguida houve a apresentação de grupos de danças árabes e teatro. A peça encenada por um grupo de artistas locais tinha mais de mil anos de idade, e mostrava a necessidade das jovens gerações respeitarem e honrarem os idosos, porque eles são guardiões da tradição, sabedoria e cultura de um povo.
O jantar foi servido por volta da meia noite em grandes tigelas onde de 4 a 5 pessoas comiam, com as mãos, um delicioso cozido de carneiro com legumes e trigo sarraceno. Pães, saladas e doces faziam parte do cardápio. O grupo musical voltou a tocar e o jantar terminou por volta das 3 horas da madrugada.
Aquela foi a primeira vez que vi pessoalmente o líder Muamar Kadafi, a poucos metros. Em outras viagens tive a oportunidade de cumprimentá-lo e trocar algumas palavras, auxiliado por tradutores. O Kadafi que vi pela primeira vez era um jovem idealista e decidido. Sua coragem estava na força do seu olhar, nas suas palavras, nos gestos solenes. Ele era o “predileto de Nasser”, como era chamado pelos árabes mais velhos relembrando que o grande líder egípcio Gamal Abdel Nasser, fundador do pan-arabismo, considerava Kadafi o seu sucessor natural na luta para unir os povos árabes na luta pela independência e libertação, e o chamava de “meu filho”.
Nasser presidiu o Egito por quase 20 anos, a partir de 1954. Mobilizou diversos países árabes na luta contra o imperialismo e o sionismo, nacionalizou o Canal de Suez, organizou a guerra contra Israel em 1967 e por esses motivos foi assassinado, envenenado por agentes da CIA e Mossad.
No dia seguinte eu e meu amigo de Foz voltamos a caminhar pelas avenidas de Trípoli, fomos à Praça Verde, ao Velho Mercado, Museu de Trípoli, e à praia na frente do Hotel Bab El Bahr, onde ficamos hospedados.
Durante as 19 vezes que estive na Líbia, jamais presenciei ou soube de qualquer caso de roubo. Nos hotéis, alguns turistas deixavam as carteiras com dinheiro no quarto e ao retornarem à noite, estava tudo intacto. Diversos turistas e brasileiros elogiavam a honestidade dos trabalhadores.
Pelas ruas era comum ver jovens armados com fuzis Ak-47. Eram membros dos Comitês Revolucionários e estavam sempre prontos a defender a revolução e a população. Quando havia engarrafamento de trânsito, antes que os guardas de trânsito chegassem ao local, esses jovens tomavam à frente e organizavam o trânsito, e todos respeitavam. Havia um povo armado defendendo sua revolução.
Enquanto o povo líbio tratava de construir sua revolução, independência e libertação, o governo dos EUA não perdoava Muamar Kadafi por ele haver derrubado um rei colaboracionista que permitia o roubo do petróleo líbio. Não perdoavam o fato de Kadafi e os militares líbios terem cercado a maior base militar norte-americana no exterior na época, a base de Maatinga, que ficava na Líbia, dando prazo de 24 horas para que eles se retirassem. E o mesmo foi feito nas bases militares estrangeiras da Inglaterra, França e Itália.
Desde aquela época o governo norte-americano usava de chantagens e conspirações para tentar desestabilizar os governos que não se submetiam. Em 5 de abril daquele ano, uma bomba explodiu numa danceteria de Berlim chamada La Belle, frequentada por militares dos EUA. O serviço de inteligência dos EUA anunciou – mesmo sem provas – que os terroristas tinham forte ligação com o governo da Líbia, que teria financiado o atentado. Afirmaram também que a Líbia dava suporte ao terrorista Abu Nidal, que atacou os aeroportos de Viena e Roma, em 1985. Os norte-americanos reclamavam (como se o mundo lhes pertencesse) áreas marítimas no Golfo de Sidra. Os líbios atacavam navios e aeronaves que entravam nas águas territoriais líbias - a chamada Linha da Morte, que Kadafi havia delimitado. Os invasores estrangeiros das águas territoriais líbias recebiam resposta militar. Kadafi defendia as águas territoriais líbias à ferro e fogo, acabando com uma prática das potências ocidentais invadirem com navios e submarinos águas territoriais para fazerem ameaças ou saquear riquezas naturais. O governo norte-americano espalhava rumores de que a Líbia desenvolvia um programa de armas químicas – exatamente como fez com o Iraque e Síria.

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No dia 14 de março de 1986 aconteceu minha terceira viagem à Líbia. Uma semana antes o embaixador Ali Far Fer me telefonou e disse que haveria uma bela comemoração em Trípoli, e perguntou se eu gostaria de participar. Respondia afirmativamente e ele perguntou se eu gostaria de levar alguns amigos. Nova resposta afirmativa, pensando em 2 ou 3 convidados, mas veio então a surpresa: o embaixador falou que eu poderia levar até 11 convidados, com tudo pago pelo governo líbio. Alegrei-me com a notícia e ao desligar o telefone pensava nos amigos que convidaria.
Nos dias que se seguiram convidei diversos amigos para participar da viagem. O governo líbio desejava mostrar o novo país para seus convidados. Convidei então estudantes e intelectuais, todos jovens: Águia, Beto M., Paulinho G., Anésio K., Margit, Fredy peruano, José Lanes, Ladir, Marilene Martins, Ademir Demarchi, e um cineclubista baiano, Velame.
Durante esta viagem visitamos escolas e universidades, e fomos muito bem recebidos em todas as visitas. Em uma delas, na plantação de laranjas de uma universidade agrícola em Trípoli, um líbio, Mohamad, pegou uma laranja e acertou em seu amigo Kalifa, o estudante líbio que residia em Curitiba. A visita ao laranjal era para mostrar a tecnologia da universidade cultivando um tipo de laranja árabe, de suco bem vermelho e doce. Foi o sinal que faltava. Em poucos minutos o pomar virou uma praça de guerra com todos atirando laranjas contra todos. A festa continuou até que um professor da universidade veio pacificar e acabar com a brincadeira.


Outra guerra que seguramente os participantes jamais esquecerão, foi no natal em Trípoli naquele ano. O governo líbio organizava anualmente uma festa de natal para os diplomatas. Naquele ano a festa foi na casa de Kadafi bombardeada pelos norte-americanos, onde morreu a filha adotiva do líder, Hanna, de apenas dois anos de idade.
Ao lado dos escombros foi erguida uma grande tenda com tapetes, músicos, comidas e bebidas – com exceção de bebidas alcoólicas – para que os diplomatas estrangeiros no país pudessem comemorar o natal na residência em que os governantes das potências ocidentais mataram uma criança.
Durante esta festa, os brasileiros acharam tudo muito monótono, e o líbio Mohamad (outro, este da Mathaba) pegou um doce e atirou em um brasileiro. Pronto. Nova guerra, desta vez de doces e salgadinhos.
Os diplomatas vestidos de terno e gravata tentavam se esconder dos doces que voavam em todas as direções. Finalmente um dos organizadores da festa chamou o nosso guia e aconselhou que deixássemos a festa, e lá fomos nós, desta vez para uma festa de casamento à beira do mar Mediterrâneo.
Nosso grupo de latino-americanos barulhentos foi transportado até a sede de um clube social à beira do mar mediterrâneo. O guia conversou com os organizadores da festa e fomos bem recebidos; não antes de muitas recomendações para que nos comportássemos como pessoas tranquilas. E como o ambiente da festa era familiar, com muita tradição e beleza, todos se acalmaram e assistiram a diversas danças e aos rituais de um casamento líbio. A noiva portava joias faiscantes, de puro ouro. Usava um tipo de máscara com fios e incrustações de ouro e pedras preciosas. O vestido era inteiro bordado em ouro. Realmente, os líbios desfrutavam de muitas riquezas naquela época.
Após a festa, por volta das 5 horas da manhã, retornamos ao hotel Bab El Bahar, com uma linda praia nos fundos do hotel. Nesta praia nos divertimos muito. Os apartamentos eram amplos, com vista para o mar, e havia ar-condicionado e banheira – um luxo para aquele calor.
Nos anos seguintes diversos outros brasileiros participaram de visitas à Líbia através do nosso movimento em Curitiba. Deixo de citar seus nomes – cerca de 40 - porque alguns se tornaram empresários, profissionais liberais e servidores públicos, prefeito e até magistrado. Mas não poderia esquecer alguns brasileiros e estrangeiros como Miriam Regina, Acilino, Dilma Melo, Gabriel, Anésio B., Milena, Juliana, Clemetino, Magda Baltodano, Dmitry, Richard Luna, José Uzategui, Juan Gonzalez, Fernando Moya, Armando Bragança, Ahmad, Fernando Gallo, Angel Orna, entre outros.
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Na viagem com 11 brasileiros, estávamos no saguão do hotel Bab El Bahar, tomando café e conversando animadamente quando o líbio que coordenava o encontro me chamou e disse:
- Tem alguém da embaixada do Brasil que deseja falar com vocês.
A situação era inusitada para os líbios. Geralmente o pessoal da embaixada fazia contato com autoridades que visitavam o país, mas não estudantes. Ficamos todos intrigados e ao lado de outros companheiros recebemos o funcionário da embaixada em nossa mesa para conversar.
Não lembro o cargo do jovem funcionário, ou se era um diplomata. Bem vestido, de forma casual, ele se apresentou sorridente e tranquilo.
Perguntou quantos brasileiros participavam da viagem, os motivos da viagem. Respondi que era uma viagem cultural, que viemos conhecer o país e fazer turismo.
Ele olhou de uma forma como se não acreditasse. Claro, ele sabia da mesma fonte que o informou da nossa presença, dos motivos da nossa viagem: conhecer a Líbia, sim, mas politicamente, e não apenas culturalmente.
Perguntou se havia algum problema, se estávamos todos bem. Depois me deu um cartão da embaixada e disse que em qualquer situação deveríamos chamar que eles nos apoiariam naquilo que fosse necessário.
Agradecemos a visita. Ele se despediu e continuamos nossa conversa animada.
Somente depois de alguns anos soube o motivo daquela visita. As autoridades brasileiras estavam preocupadas com as visitas de brasileiros à Líbia. Motivo: meses atrás dois brasileiros do Rio de Janeiro, estudantes, passaram por uma aventura infeliz. Foram convidados a visitar o país, mas ao chegar ao aeroporto de Trípoli, se desencontraram dos líbios que organizavam a viagem e, como não falavam árabe nem inglês, foram confundidos com revolucionários que iam à Líbia fazer treinamento militar.
Foram transportados a um quartel em pleno deserto onde ficaram dois meses sem conseguir fazer contato com autoridades líbias. Na época não havia telefone celular. Ficaram totalmente perdidos em um local onde ninguém falava português, inglês ou espanhol, fazendo treinamento militar sob o sol escaldante. Somente depois dos apelos dos familiares no Brasil é que as autoridades líbias finalmente descobriram os jovens no quartel e os trouxeram de volta. Regressaram ao Brasil onde deram entrevistas a jornais do Rio sobre a experiência que viveram na Líbia.
Não havia coca-cola na Líbia. Alguns brasileiros e estrangeiros pediam a bebida em restaurantes e bares, mas recebiam a bebida Kaltar, uma bebida tipo cola que lembrava o sabor da coca-cola, mas fabricada na Líbia.
O governo revolucionário decidiu proibir a instalação de indústrias da coca-cola no país por considerar como ingerência externa, uma dependência alimentar, e também por considerar o papel da empresa no financiamento de golpes militares na América Latina e muitos outros países.
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Nosso grupo de brasileiros está dividido entre algumas mesas durante um jantar no hotel Bab El Bahar. As mesas são amplas, o buffet de comidas internacionais é variado e farto. Os garçons são imigrantes africanos vestindo roupas brancas e falam de 2 a 3 idiomas.
O restaurante atende turistas nacionais e estrangeiros, e pessoas em geral, não necessariamente hóspedes, que vão ao hotel para tomar o café da manhã, almoçar ou jantar.
Em uma mesa ao lado estão Anésio K. e Paulinho G. Há 20 metros, em outra mesa, duas líbias muito bem vestidas e simpáticas. Eles trocam olhares enquanto almoçam. Depois, trocam sorrisos. Os brasileiros ficam animados e decidem se dirigir até a mesa das líbias para se sentarem com elas e iniciar conversação. Ao se aproximarem da mesa são surpreendidos pela reação das líbias. Elas gritam para eles se afastarem, e chamam o gerente. Os brasileiros retornam à mesa e o gerente conversa com as líbias. Elas se retiram do restaurante, revoltadas. O gerente então explica aos brasileiros que na Líbia os costumes são diferentes. O fato das mulheres trocarem olhares e sorrisos com homens não significa que desejam conversar. O homem jamais deve ser aproximar de uma mulher líbia sem convite formal. É algo considerado uma afronta. Cabe à mulher árabe convidar ou não o homem para conversar. O homem deve apenas olhar e sorrir, nada mais, e aguardar o momento certo.
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Na primeira viagem que fiz a Benghazi, na Líbia, aconteceu de dois ou três brasileiros decidirem andar pelas ruas sem destino. Ficamos hospedados em uma universidade, dormindo em camas de campanha, 5 ou 6 camas em cada quarto.
Na época os telefones celulares não tinham o alcance e a tecnologia de hoje, e a única de forma de se conectar com familiares e amigos era através da internet, em lan houses.
Os líbios alertavam para que os estrangeiros não saíssem sem guia pelas ruas, porque corriam o risco de se perderem e, sem falar o árabe, seria difícil retornar ao alojamento onde já havia uma estrutura de tradutores e guias líbios. Mas mesmo assim, decidimos fazer uma caminhada, tendo como ponto de referência a costa, as praias do mar mediterrâneo.
Caminhar pelas calçadas das cidades líbias é sempre muito agradável porque o asfalto e as calçadas são muito bem feitas, na grande maioria construída por empreiteiras estrangeiras. Imensos jardins ou campos gramados fazem parte dos cenários. Dezenas de viadutos por todas as partes demonstram que o governo investiu pesado em obras de infraestrutura para melhorar o trânsito e o tráfego de pedestres e veículos.
Caminhando por uma rua tranquila, com vários comércios, pequenas lojas de roupas, alimentos, encontramos um açougue, e na frente, duas ou três cabeças de camelos penduradas. Uma delas ainda tinha sangue escorrendo e para nós foi uma cena impactante. Sabe-se que os líbios gostam de carne de camelo, e por diversas vezes comemos essa iguaria em alguns restaurantes, mas é algo inusitado ver pessoalmente as cabeças de camelos penduradas na frente do açougue, como se avisando as pessoas que havia carne fresca no local.
A cena lembra os açougues em países latino-americanos de algumas decadas atrás, que penduravam cabeças de boi, carneiro e porco, quando havia carne fresca.
Nesses passeios o amigo Armando, carioca, sempre buscava artesanato local e instrumentos musicais para comprar. Algumas vezes ele experimentava os instrumentos e os vendedores ficavam sem saber como se comunicar. Geralmente aparecia alguém que falava inglês.


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Nas primeiras viagens que realizei os líbios tinham por costume, na despedida, entregar um envelope a cada visitante contendo 500 ou 1.000 dólares. O líbio que entregava este envelope fazia com certo constrangimento, e se justificava: - Isso é para não causar prejuízos financeiros para vocês que ficaram diversos dias sem trabalhar em seu país para vir à terra da Revolução.
A ajuda de custo era ótima porque na volta muitos trocavam as passagens e ficavam alguns dias na Europa, passeando. Foi assim que muitos amigos conheceram Roma, Berlim, Amsterdam, Zurique, Lisboa, Madri, cidades onde os aviões faziam escalas.
Depois, com o passar do tempo, a ajuda de custo caiu para 200 ou 300 dólares, e finalmente terminou. A justificativa dos líbios era que os convidados já ganhavam as passagens aéreas, estadia em hotéis durante escalas na Europa, e não necessitavam de ajuda de custo. Sem contar que os membros dos movimentos kadafistas tinham a oportunidade de apresentar projetos na Mathaba (organismo que gerenciava o apoio aos movimentos revolucionários) para financiamento, entre os quais publicação de jornais, livros, cartazes etc. Realização de encontros, viagens internacionais para contatos entre movimentos revolucionários também recebiam apoio financeiro da Mathaba, que em árabe significa grande mesa onde as pessoas se sentam para tomar decisões.
Em todos os Fóruns Mundiais realizados em Porto Alegre a Líbia financiou viagens de brasileiros, latino-americanos e árabes. Eles pagavam transporte aéreo e estadia, hotel e alimentação, deslocamentos de táxi e ajuda de custo de viagem. Após os fóruns, quando os membros do movimento aprovavam a realização de encontros em outros países da América Latina, os líbios financiavam, e foi assim que participamos de vários encontros na Venezuela e Argentina.
Dito isso o leitor pode pensar que os membros desse movimento seriam pessoas interesseiras, participantes do movimento apenas para obter vantagens pessoais. Engana-se. Os membros dos movimentos kadafistas estavam sempre prontos para viajar a qualquer parte do mundo e em qualquer data, sempre que convocados pela Revolução. Isso implicava em arriscar empregos ou, no mínimo, sofrer prejuízos por abandonar o trabalho ou universidade para viajar pelo movimento. Também implicava em participar de todos os eventos políticos realizados no país. Em se tratando de uma época no final da ditadura militar, equivale dizer ser fichado, fotografado e tido como suspeito pelas autoridades policiais. Uma situação na qual pessoas que desejam vantagens pessoais não se submetem.
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Na primeira das viagens à Líbia passando por Zurique, na Suíça, estive acompanhado por Miriam, José Lanes e Anésio B. Ficamos em um hotel na parte velha, isto é, no setor universitário, com muitas atividades culturais à noite nas ruas, apresentações de músicas e teatro.
Lembro que fizemos diversos passeios pela cidade, e na vitrine de um grande banco internacional vimos posters da Amazônia brasileira. Entramos na agência e vimos uma exposição de fotos. Na saída conversamos com uma funcionária do banco. Gentilmente, ela nos levou até um monte de cartazes grandes com fotos da Amazônia e disse que aqueles posters eram distribuídos gratuitamente aos visitantes. Pegamos alguns posters, agradecemos e seguimos com o nosso passeio pela cidade dos banqueiros. Diversos posters foram entregues como presentes na Líbia.
Ao lado do hotel em que ficamos havia uma loja de presentes. Um dia antes de partir, entrei na loja para comprar chocolate suíço e não havia ninguém dentro da loja. Voltei ao hotel e expliquei ao funcionário que desejava comprar chocolates mas não havia ninguém na loja. O funcionário sorriu e me acompanhou até a loja. Explicou que o proprietário raramente aparecia, e que eu poderia comprar o que desejasse e faria o troco no caixa. Escolhi alguns chocolates e fomos até o caixa. Havia dinheiro e moedas. Perguntei como era possível deixar dinheiro para que os clientes fizessem o troco e não ser roubado? O funcionário de hotel respondeu: - Estamos na Suíça. Aqui ninguém seria capaz de roubar ou trapacear no troco.
Bons tempos aqueles em que havia honestidade e confiança entre os suíços. Hoje eles desconfiam até das sombras e olham os refugiados e estrangeiros como potenciais criminosos.
Na segunda viagem passando por Zurique, estive acompanhado de Miriam, Beto M, Marilene, Anésio B, José Lanes, Ajuad, e outras pessoas. Ficamos hospedados no hotel Hilton do aeroporto de Zurique. Foi o hotel mais luxuoso que fiquei durante minhas 19 viagens à Líbia. Havia um excelente restaurante, saunas, piscinas, e uma enorme banheira com hidromassagem no apartamento. Os frequentadores da sauna do hotel eram banqueiros.
Em um dos jantares, nossa mesa estava festiva, com muitas brincadeiras, quando um jovem suíço saiu da cozinha e veio até a nossa mesa. Falou:
- Vocês são do Brasil? Eu adoro o Brasil. Amo o Brasil. Todos os anos viajo ao Rio de Janeiro para passar o carnaval.
Era um dos cozinheiros do hotel, um jovem suíço que pegou uma cadeira e se uniu à nossa mesa sem nenhuma cerimônia. Conversou bastante, contou histórias, e depois foi até a cozinha preparar um prato especial para seus “amigos brasileiros”.
Passados alguns minutos trouxe dois pratos principais, com comidas típicas da Suíça, e algumas garrafas de excelente vinho.
Justamente nesta viagem conheci uma figura folclórica do Piauí, Acilino. Estávamos no saguão do hotel quando ouvimos vozes de brasileiros na entrada. Era um pequeno grupo de brasileiros do norte e nordeste que estava chegando para seguir viagem à Líbia conosco. Jovens de algumas capitais do norte do Brasil. Ficamos observando a cena, e vimos algo inusitado. Um dos brasileiros que chegava trazia uma grande mala amarrada com cordas. Os hóspedes do hotel pararam para ver a cena. Ao deixar a mala no chão e pedir ao funcionário do hotel que carregasse sua mala, o empregado se recusou, fez sinal com as mãos que não carregaria aquela mala e se retirou. O brasileiro colocou a mala nas costas e se dirigiu ao saguão do hotel.
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Em outra viagem que fiz à Líbia com o meu primo José Lanes (Juca), os líbios decidiram nos colocar à prova – eles sempre faziam isso, inventavam atividades. Estávamos em seis brasileiros e fomos convidados a participar de treinamento como sentinelas em poços de petróleo. Cada um de nós recebeu um fuzil russo Ak-47, pentes de munição, instruções básicas, e fomos deixados em alguns poços de petróleo, sob a observação de alguns líbios da Mathaba.
Na qualidade de reservista do Exército brasileiro – servi na Guarda Presidencial em Brasília – aprendi muitas lições da caserna que foram úteis em algumas viagens que fiz à Líbia e a outros países. Aprendi a ser sentinela, fazer guarda armada, em locais importantes como Palácio do Planalto, Granja do Torto e Palácio Alvorada.
Na Líbia notei que nos poços de petróleo a guarda era feita por militares um pouco relaxados para os nossos padrões de sentinela militar. Havia cadeiras onde as sentinelas ficavam sentadas, mas a maioria estava numa roda de chá ou café. No alto das torres havia metralhadoras Ponto 50 e bateria antiaérea, mas os militares estavam sempre tranquilos.
José Lanes ficou de sentinela em um poço de petróleo na região norte de Trípoli. Eu fiquei em outro local, assim como os demais brasileiros e latino-americanos da Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina.
No final do dia, durante o jantar, o líbio que coordenou o treinamento chamou nossa atenção e disse que a melhor sentinela daquele dia foi José Lanes. Enquanto a maioria das sentinelas ficou sentada ou tomando chá e café, José Lanes ficou cobrindo perímetros, andando todo o tempo, vigiando até mesmo o lado que havia ficado a cargo de um argentino. Não se sentou uma vez e no final do dia estava todo suado, cansado, queimado pelo sol escaldante, mas com o dever cumprido. Ele foi aplaudido. O jovem Juca, da pequena cidade do interior do Paraná chamada Goioerê, foi a estrela daquele dia em Trípoli, no coração da revolução mundial, a Mathaba Internacional.
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Algo surpreendente que abalou a fama de liberais dos ocidentais no mundo árabe foi uma visita que realizamos a um dos quartéis internacionalistas onde estrangeiros vindos de diversos países recebiam treinamento militar.
Nessa base que visitamos havia dois militares brasileiros trabalhando como instrutores. Não chegamos a ter contato com eles, mas as informações davam conta que eles moravam no quartel internacionalista durante algumas épocas do ano. Não eram militares da reserva. De alguma forma eles conseguiam licenças ou dispensas para reforçar o salário na Líbia, recebendo em dinares, uma moeda na época mais forte que o dólar.
O choque cultural que tivemos foi durante uma visita ao quartel. Havia apresentação de turmas de formandos e o quartel estava em festa. Em volta de um grande pátio centenas de pessoas se aglomeravam para ver as apresentações. Veículos militares passavam em alta velocidade e os soldados se jogavam, caindo de forma precisa, sem se machucar. Outros exibiam destreza em subir nos veículos em movimento.
Alguns exercícios de tiro mostravam pontaria certeira dos novos formandos. Uma banda militar animava o evento assistido por pessoas de diversos países e autoridades locais.
No palanque principal havia um militar líbio, não consegui identificar a patente, mas era nada mais nada menos que o comandante daquele quartel internacionalista. Nossa surpresa ao final da apresentação foi quando o comandante se dirigiu ao pátio para saudar os recrutas. Era um gay, quase travesti. Acompanhado de dois ordenanças que mais pareciam modelos, ele desfilava pelo pátio, rebolando, uma verdadeira lady.
A cena provocou o riso dos nossos amigos e ficamos todos intrigados, porque não havia muitos gays na Líbia.
Ao chegar à Mathaba, perguntamos a um líbio o motivo do comandante daquele quartel ser gay. Ele explicou que o comandante era eleito pelo voto direto dos militares do quartel. Na democracia direta era assim, disse o líbio, os militares do quartel tinham autonomia para escolher o comandante, mas não se enganem, afirmou o líbio, “o fato dele ser gay não compromete a competência daquele comandante. Ele é famoso por trabalhar com muita criatividade e determinação, formando valentes combatentes no quartel internacionalista”.
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Para tentar derrubar o jovem governo socialista que ganhava força popular na Líbia, e favorecer as indústrias bélica e petrolífera norte-americanas, o ex-presidente Ronald Reagan deu sinal verde em 14 de abril de 1986 para uma operação de ataque de 10 dias à Líbia. A USAF e a USNavy fizeram diversos ataques aéreos sobre as cidades de Sirte, Trípoli e Benghazi, na chamada Operação El Dorado Canyon. Mas nessas cidades as baterias antiaéreas líbias entraram em combate e derrubaram 4 aviões norte-americanos; em dois deles os pilotos conseguiram se ejetar, mas foram linchados pela população ao serem capturados. Seus corpos foram pendurados em postes de iluminação pública.
Reagan também pediu a seus aliados na Europa que impusessem sanções políticas e econômicas à Líbia. Porém o único apoio que obteve foi da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que autorizou o uso das bases em seu país para o lançamento da operação. França, Itália e Espanha não querendo se indispor com a Líbia recusaram os pedidos de direitos de sobrevoo e ao uso de bases aéreas militares americanas na Europa continental, obrigando as aeronaves a alcançarem o seu destino pelo espaço aéreo internacional do Reino Unido para chegar ao Estreito de Gibraltar. Na época ainda havia um pouco de dignidade nos governos das potências ocidentais, algo que a diplomacia norte-americana foi minando ao longo dos anos ao descobrir na prática que os EUA, isolados, não tinham condições de vencer guerras nem mesmo contra pequenos países como a Líbia.
Após o fracasso do ataque norte-americano à Líbia, onde não conseguiu abalar o apoio popular ao líder Muamar Kadafi e à Revolução Al Fateh, o governo norte-americano continuou sua campanha de mentiras pela imprensa ocidental, tentando jogar a opinião pública mundial contra a Líbia.
Jornais ocidentais publicavam que o atentado de Lockerbie a um avião norte-americano sobre a Escócia em 1988, teria sido uma reação da Líbia ao ataque aéreo americano de 1986. A imprensa independente inglesa publicou um artigo mostrando que a explosão do avião foi um acerto de contas entre traficantes de drogas na Europa e militares norte-americanos. A prova dessa descoberta foi que apresentada: 16 militares norte-americanos deveriam ter embarcado naquele voo, mas desistiram todos, após serem informados que haveria um atentado. A informação não foi passada aos ingleses e o avião explodiu, fazendo dezenas de vítimas.
Anos depois Kadafi decidiu indenizar as famílias das vítimas do avião, apenas para impedir sanções econômicas a serem decretadas pela Inglaterra. Ficou mais barato para a Líbia indenizar as vítimas, mesmo não tendo culpa, uma vez que a imprensa ocidental já havia decidido que a Líbia era a responsável pelo ataque.
Em 1989, os EUA voltaram a atacar a Líbia com caças F-14 da USNavy, abatendo um MiG-23 pilotado por um líbio.
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Em 1986 estou em uma grande tenda árabe em alguma praia de Trípoli. Ao meu lado jovens de diversos países com apenas uma coisa em comum, a solidariedade internacional com a Líbia de Kadafi. Estamos todos ingressando no grande Exército Internacionalista – penso assim neste ano porque ainda não havia conhecido os oportunistas e mercenários, os traidores que atuam em todos os movimentos políticos nacionais e internacionais. Naqueles maravilhosos dias não havia traidores ou oportunistas, apenas idealismo e coragem.
Que grande alegria ver rostos sorrindo pelas mesmas causas, cada um de nós um soldado na luta contra o imperialismo que tantas desgraças causou e segue causando para a humanidade.
Estamos sentados em grandes tapetes árabes colocados sobre a areia da praia, dentro de uma enorme tenda árabe. Quando o barulho das vozes silenciam, podemos ouvir o barulho das ondas do mar mediterrâneo beijando as praias da Terra da Revolução, a indomável Líbia.
A cena se repete como em anos anteriores, mas preciso escrever. Ao meu lado ouço idiomas de diversos países. Em comum o fato de a maioria ser formada por jovens idealistas, orgulhosos de suas opções políticas, livres, lutadores pela liberdade. Combatentes por um mundo melhor, assim nos considerávamos, com toda sinceridade. Afinal, atravessar mares e continentes para estar na presença de um jovem beduíno que venceu com sua revolução Al Fateh as maiores potências militares do planeta, não é pouca coisa.
Em comum também os sentimentos antirracistas e antiimperialistas. Jovens de valor, idealistas, corajosos e altruístas. Esses pensamentos me dominam enquanto o líder começa a discursar há pouco mais de 5 metros de onde estou.
Kadafi está cercado de jovens líbios e líbias, fortemente armados, mas com expressão de amizade e simpatia. Eles sabem que estão entre amigos, mesmo com os milhares de dólares que o governo norte-americano oferece de recompensa para quem matar Kadafi. Na época o governo dos EUA oferecia um prêmio de 2 milhões de dólares para quem matasse Kadafi, no velho estilo de cawboys que tantas desgraças trouxe à humanidade.
Enquanto Kadafi fala sobre a luta do povo líbio contra o fascismo, o imperialismo e o sionismo, aumenta entre os presentes um sentimento de euforia, de união e de alegria. Ao final da palestra, músicos líbios começam a tocar e começam a servir o jantar em grandes bandejas onde os convidados comem com as mãos em grupos de cinco pessoas ao redor de cada grande bandeja. Para os ocidentais é algo estranho, diferente, mas depois se torna normal e todos se acostumam. Antes, porém, pequenas vasilhas com água quente perfumada para lavar as mãos.
Enquando Kadafi conversa com jovens norte-americanos de um movimento negro, penso que estou na frente de um futuro mártir. Não que seja vidente ou algo parecido, mas penso em Che Guevara, em Zapata, Getúlio Vargas e tantos outros. Mas naquela noite nada poderia turvar aquela atmosfera de vencedores escrevendo seus nomes na história da humanidade. O jovem beduíno de Sirte estava em nossa frente como uma prova viva da vitória dos povos na luta contra os poderosos, os imperialistas, as potências ocidentais que roubaram as riquezas dos povos de África e América Latina por centenas de anos, derramando o sangue de milhares de inocentes e indefesos, indígenas e negros.
Em torno das tendas, militares líbios faziam a segurança. Através do pano das tendas podemos ver as sombras dos militares com suas Ak-47, metralhadoras russas consideradas as melhores do mundo, as mais certeiras e precisas, as preferidas dos revolucionários. Os governos dos Estados Unidos e da Inglaterra tentavam assassinar Kadafi, mas até aquele momento todas as tentativas fracassaram.

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Para refrescar a memória estou olhando fotografias antigas das viagens a Líbia. Em uma das primeiras viagens eu vejo os edifícios da Mathaba Mundial, um centro que reunia os revolucionários do mundo inteiro quando visitavam a Líbia. Parecia uma universidade com diversos blocos de três andares, sem elevador, com uma área verde e plantas regadas diariamente.
O local estava sempre ocupado por jovens de diversos países, desde movimentos revolucionários, guerrilheiros, até movimentos estudantis e sindicais. Foi nessa Mathaba que eu convivi com pessoas de diversos países e de diversos continentes. Havia um refeitório que servia comida apimentada e um café da manhã com um pão delicioso, que nos explicaram ser um pão sem fermento químico, e havia frutas do Equador e do Brasil, manteiga da Dinamarca e a comida típica líbia.
Havia um grande centro de convenções e diverso auditórios, e do pátio amplo e sombreado partiam as caminhadas e alguns treinamentos militares. Era um ponto de encontro para troca de informações e experiências entre os povos. Um núcleo nervoso da revolução mundial que a Líbia procurava exportar ou apoiar em diversos países do mundo, teórica e/ou financeiramente. Por exemplo, durante a guerra de libertação da África do Sul contra o apartheid, milhares de sul-africanos fizeram treinamento militar na Líbia. A Líbia kadafista pagava passagens aéreas para jovens do CNA de Mandela, prestava o treinamento militar, fornecia até fardas e armamentos, e os jovens sul-africanos retornam ao seu país preparados para combater o racismo e o apartheid. Na época apenas três países apoiavam os racistas na África do Sul: Estados Unidos, Inglaterra e Israel. Todos os demais países do mundo condenavam o racismo na África do Sul, e a Líbia, mais do que combater os racistas, financiava a luta armada. Por esse motivo quando Nelson Mandela foi libertado, a primeira viagem que ele fez foi à Líbia, e assim que chegou ao aeroporto de Trípoli, ao se dirigir a Kadafi, ele usou um termo que usaria todas as vezes: “meu irmão Muamar Kadafi”.
Na segunda ou terceira viagem que fiz à Líbia participei de uma solenidade onde Muamar Kadafi homenageava o jovem boliviano Evo Moralez, na época um sindicalista rural. Ele foi agraciado com um prêmio por defesa do meio ambiente, e recebeu das mãos de Kadafi um cheque de 50 mil dólares.
Outro líder que visitava a Líbia quase que anualmente era Daniel Ortega, ex-guerrilheiro sandinista e atual presidente da Nicarágua. Lula também visitou a Líbia em algumas oportunidades. A Líbia kadafista enviava dinheiro e armamento para os revolucionários sandinistas na revolução para derrubar a ditadura somozista, apoiada pelo governo dos EUA e Israel.
Muitos outros guerrilheiros e líderes de movimentos revolucionários de todos os continentes se reuniam na Líbia, afinal, como os próprios líbios diziam, a “Líbia é a terra da Revolução”, portanto, nada mais natural que buscar apoio junto a um povo generoso, combativo e solidário, disposto a apoiar a luta dos povos contra as grandes potências imperialistas que sempre infernizaram a vida das pequenas nações.
Em um desses encontros conheci o embaixador da Palestina na Líbia. Ele me deu um cartão de visita e combinamos de nos encontrar no dia seguinte na embaixada em Trípoli. No horário marcado entrei na embaixada acompanhado de 4 paranaenses.
O embaixador nos recebeu com muita educação e simpatia. Ele falava o espanhol com perfeição e a comunicação foi tranquila. Levamos jornais impressos em Curitiba com matérias e reportagens em apoio à Causa Palestina. O embaixador leu algumas matérias e ficou emocionado e agradecido.
Tomamos o café árabe e comemos doces árabes vindos da Palestina ocupada. Ao final da visita ele presenteou a cada um de nós com uma kafia (lenço palestino).

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Durante algumas estadias na Mathaba visitamos diversas vezes a cidade de Sabratha, um sítio arqueológico do império romano que fica à beira do mar mediterrâneo em praias paradisíacas. Essas praias eram muito especiais por serem escolhidas por imperadores romanos para passarem as férias. Teriam de ser, necessariamente, fenomenais.
As ruínas de Sabratha são Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO desde 1982. São ruínas de origem fenícia. Mais tarde foi ocupada por gregos e romanos.
Após caminhar pelas ruinas, tirar fotografias – na época com rolos de filmes –, nos levaram ao restaurante local. E então veio a surpresa. Parecia que o pessoal do restaurante não estava, por algum motivo, e os líbios voluntários que nos acompanhavam decidiram assumir as funções de cozinheiros para atender nossa comitiva.
Vasculharam a cozinha e encontraram costelas de carneiro. Fritaram e serviram acompanhadas de saladas. Foi a pior costela de carneiro que comi na minha vida. Frita, banhada em óleo, dura e sem sal.
Ninguém reclamou. Todos os convidados estrangeiros sorriam e faziam brincadeiras, afinal, o que valia era a boa intenção dos companheiros líbios.
Esta foi a única vez que comemos de forma improvisada na Líbia. Todas as demais visitas, no total 19, a comida sempre foi farta e muito boa. Até mesmo nas casas de beduínos na Montanha Verde, a comida era muito boa. Sem luxo, sem desperdício, mas feita com carinho, com molhos e temperos deliciosos.
Outro sítio arqueológico que visitamos na viagem seguinte foi Léptis Magna, local de férias de diversos imperadores romanos com imensas construções milenares. Pelas ruas da cidade romana havia diversas construções preservadas, entre elas o palácio de banhos, com tubulações que revelavam a existência de uma imensa sauna. Neste local, visitamos o banheiro, imenso, onde um pequeno canal com água canalizada passava debaixo das patentes, e aproximadamente 50 vasos sanitários com a tampa de madeira esculpida, apoiadas sobre pedras, uma ao lado da outra. Ou seja, na época do império romano era comum a nobreza usar o banheiro como um tipo de ambiente para conversações. Imagine quase 50 pessoas sentadas uma ao lado da outra, defecando, peidando e conversando ao mesmo tempo. Um costume estranho que ficou no tempo.

Mathaba, o caldeirão de – quase – todas as raças e povos
Quem frequentou a Mathaba Mundial sabe que era uma experiência inesquecível e fantástica conviver com pessoas de todas as partes do mundo. Indígenas da América Latina, da América do Norte, do Canadá, asiáticos, africanos de tribos muito distintas nos costumes e vestimentas, europeus de muitos países.
Foi na Mathaba que conheci a guerra por libertação do Timor Leste através de um comandante de guerrilha. Mas me disseram que esse comandante na verdade era um militar da reserva que vivia em Lisboa com mordomias e longe do campo de batalha. Mas sem ter como confirmar ou desmentir as versões, vamos em frente. Guerrilheiros de diversos países, combatentes de diversas guerras se reuniam na Líbia kadafista. Em que lugar do mundo isso seria possível? Somente na Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia, e em mais nenhum outro lugar da Terra porque para visitar a Líbia não era necessário estar filiado a algum partido político ou organização. Bastava se destacar em atividades políticas, revolucionárias, ecológicas, e o convite seria feito através de uma rede muito eficiente de diplomatas em todo o mundo comprometidos com a revolução.
Em muitos encontros eram comum a realização de festas de confraternização entre os povos, e então você tinha a oportunidade de dançar com uma russa, uma mexicana, uma tailandesa, uma inglesa e etc. E tudo era feito respeitando as tradições islâmicas: sem bebidas alcoólicas, sem atos ofensivos à moral e aos bons costumes. E mesmo assim, as festas eram maravilhosas e as pessoas se embriagavam de alegria e felicidade.
Sempre havia um grupo de músicos líbios tocando suas flautas e batendo seus tambores (dapkas), e sempre eram muito generosos, alegres e festivos.
Ocupar a mesa para o café da manhã, almoço ou jantar, era um acontecimento. Parecia um desfile de modas para o qual foram convidados todos os povos do mundo. Roupas da mais distintas, inimagináveis, nunca vistas em revistas ou televisão, desfilavam à nossa frente com simplicidade e harmonia.
Uma vez encontramos algumas garotas de uma tribo africana cujo nome é impronunciável. Lindas, muito recatadas, e andavam como se flutuassem no ar. Não havia movimentos dos pés, pelo menos visíveis, cobertos por longos vestidos, mas elas desfilavam com tanta graça e suavidade que todos paravam para admirar.
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Na Mathaba os alojamentos eram de beliches de metal e alguns quartos eram para quatro pessoas, enquanto outros para oito pessoas. Havia alojamentos para 100 ou 200 pessoas.
Algumas vezes havia conflito de cultura. Alguns jovens vindos de nações africanas, de pequenas cidades, com cultura tribal, não tinham noção de propriedade privada. Se você colocasse 2 ou 3 sabonetes em cima da cama, eles apanhavam um e sorriam, agradecendo. O mesmo acontecia com os ocidentais fumantes, que levavam carteiras de cigarros. Ao colocar em cima das camas, um ou outro africano apanhava a carteira de cigarros e saia andando de forma natural, e era possível perceber que não faziam por maldade ou para se aproveitar, era simplesmente porque fazia parte da cultura deles: repartir os bens, dividir as propriedades, era algo natural na cultura deles.
Algumas africanas não tinham nenhum pudor em trocar de roupas na frente dos demais. Faziam de forma natural e não se incomodavam com os olhares dos ocidentais. Era realmente uma salada de costumes e culturas diferentes, cenas inesquecíveis, um mundo fantástico e inesperado.
Ao verem lindas negras trocando de roupas no alojamento, os jovens europeus e latino-americanos sorriam felizes.
Na Mathaba alguns visitantes eram convidados a fazer treinamento militar no intervalo das conferências e palestras. Havia campos próprios para treinamento com armas Ak-47, um fuzil leve, russo, de muita precisão.
Além de treinamentos, durante a noite havia palestras com convidados. Em uma dessas palestras, um militar líbio apresentou filmes comprados de um agente da CIA. O filme era usado para dar aulas aos agentes do serviço secreto norte-americano, mas os espiões líbios dentro dos Estados Unidos da América eram muito eficientes, e tinham muito dinheiro para comprar as informações que desejavam. E um dos filmes me marcou muito. Ele mostrava quantos tiros são necessários para abater um inimigo ou agressor. As cenas eram reais, feitas pela polícia norte-americana, e tratavam de impactos mortais de armas calibre ponto 40, 38 e 9mm. Para deter uma pessoa normal, basta 1 ou 2 tiros no peito ou estômago, regiões de fácil pontaria. Para deter um agressor alcoolizado, portando uma faca (as cenas eram reais), era necessário 2 ou 3 tiros. Para deter uma pessoa drogada que avança contra você, seriam 3 ou 4 tiros. E, finalmente, para deter um fanático religioso que avança com uma arma branca, é necessário disparar de 4 a 6 vezes.
Outros filmes ensinavam a matar apenas com pressão dos dedos em áreas específicas do pescoço, mas isso não é novidade porque é ensinado nos serviços secretos e polícias especializadas em todo o mundo.
Assisti a esses tipos de filmes apenas uma vez durante as vezes que visitei a Líbia. O público era formado por combatentes nicaraguenses e sul-africanos que faziam treinamento militar na Líbia. Penso que entrei no local por engano, sem ser convidado, porque em todas as vezes a preocupação dos líbios era discutir política, ideologia, a evolução do pensamento humano para a Terceira Teoria Universal, a democracia direta.
A divisão por continentes nos alojamentos da Mathaba evitavam muitos problemas e até choques culturais. Imaginem um afegão vendo uma mulher se despindo (como acontecia às vezes com algumas tribos africanas) no alojamento? Ele entraria em surto e sairia correndo.
As diferenças culturais e religiosas eram sempre respeitadas pelos líbios que faziam todos os esforços para proporcionar uma boa acolhida aos visitantes, respeitando os costumes e as características de cada povo. O que alguns convidados não entendiam é que os líbios que nos atendiam, na maioria, eram voluntários e não funcionários do governo, e como tal deveriam ser tratados e respeitados. Alguns problemas aconteciam, estrangeiros exigindo mordomias, mas tudo se resolvia de forma pacífica e tranquila.
Voltando ao tema dos locais prediletos para turismo dos líbios, Sabratha era um sítio arqueológico muito bonito, com construções seculares da época do império romano, conforme escrevi antes. Neste local estão praias de águas cristalinas maravilhosas, e um anfiteatro romano totalmente preservado para mais de 800 pessoas. Muitas estátuas foram preservadas, assim como muitas casas daquele tempo e estavam expostas para a visitação pública.
Também viajamos algumas vezes para a cidade de Benghazi, onde, pelo elevado número de poços de petróleo, havia uma pequena parte da população que lucrava com desvio de petróleo, constituindo uma elite reacionária que fazia alguma oposição a Kadafi. Isso nós vimos nas vezes que visitamos a cidade.
Havia um complexo turístico, um tipo de balneário que sempre lotava nas férias escolares, com dezenas de edifícios a beira mar. Suas instalações eram usadas pelos movimentos revolucionários que visitavam a Líbia como alojamento principalmente no outono e no inverno, mas tivemos a sorte de frequentar o local durante o verão, onde presenciamos casamentos, festas e muitas atividades sociais e culturais. Mas era no inverno e no outono que o local era mais usado pelos movimentos revolucionários como local de reunião e encontros internacionais.
Nas vezes que estivemos no local, durante o outono ou inverno, o local parecia um hotel fantasma, com poucos edifícios habitados. Uma areia fina vinha da praia e entrava por todas as partes, janelas, portas, e se espalhava pelos quartos, entrava nos guarda-roupas, nas malas e na roupa de cama.
Nos anos que antecederam a guerra os organizadores dos encontros pediam que evitássemos andar pela cidade sem a presença de algum líbio, que serviria de intérprete e guia. É claro que não obedecemos, pelo menos nosso grupo de latino-americanos. Saiamos sempre em grupos para andar por bairros e locais desconhecidos, com total liberdade de locomoção, mas ficava complicado tomar um táxi ou ônibus sem falar árabe, mas ainda assim nos aventurávamos em longas caminhadas para conhecer a realidade do povo. Nessas caminhadas víamos bairros residenciais, classe média, com casas confortáveis, antenas parabólicas, pessoas bem vestidas e as ruas não muito limpas por existir um vento constante que transportava areia da praia para calçadas e ruas. Os bairros possuíam bastante arborização e as pessoas tratavam bem os turistas, algumas vezes até se prontificavam a dar carona até o hotel, mesmo sem conhecer o idioma, demonstrando ser um povo simpático, bem educado e cordial.
Durante uma dessas caminhadas, entramos por uma elevação, de onde podíamos avistar uma delegacia de polícia. Ficamos observando por algum tempo a rotina dos prisioneiros e policiais. Havia no pátio 14 prisioneiros, imigrantes ilegais africanos que praticaram alguns delitos de menor gravidade. Eles eram colocados em forma, recebiam instrumentos de jardinagem, e eram levados em grupos de 3 e 4 para trabalhar nas ruas próximas da delegacia, arrumando os canteiros de flores, os gramados das calçadas, limpando até mesmo algum lixo que encontravam. Alguns aguavam as plantas da região. Os guardas líbios que os acompanhavam estavam armados com pistolas e fuzis Ak-47, mas agiam com tranquilidade, sem violência ou intimidação.

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A Praça Verde de Trípoli é um dos conjuntos arquitetônicos mais antigos e mais bonitos da cidade. Grande parte foi construída durante a ocupação italiana. Os velhos edifícios são todos de arquitetura italiana, com exceção das construções mais modernas, pós-revolução, onde privilegiaram edificações arquitetônicas árabes. O museu de Trípoli possui três andares e no terceiro andar existe plantação de tamareiras, entre outras árvores, formando lindos jardins com fontes de água.
Esse era considerado, antes da guerra, um dos museus mais completos do mundo árabe. Havia estátuas do império romano, ruinas e muitos objetos que foram encontrados em escavações na Líbia, desde antes do império romano até decadas atrás. Nele também havia mapas em tamanho grande – de 2 a 3 metros, iluminados - de rotas de caravanas desde o ano cinco mil antes de Cristo. Milenares rotas atravessando o deserto do Sahara, registrando os oásis e os poços de água que apenas as caravanas de beduínos conheciam, transmitidas ao longo dos séculos de beduíno para beduíno. Porém, durante a guerra de ocupação em 2011, grande parte das riquezas do museu líbio foi roubada por soldados estrangeiros, na maioria norte-americanos e ingleses. As valiosas obras de arte e relíquias do museu foram vendidas em respeitáveis casas de leilão de Londres e Nova Iorque, impunemente.
Esse museu tem uma arquitetura árabe muito bonita e pode ser visto de longe. Ao lado existe um grande lago artificial. O museu está ao lado de um mercado árabe muito antigo, em torno de dois mil anos antes de Cristo, onde as pessoas escavavam as rochas e a terra e faziam residências, como verdadeiras cavernas, mas com portas e janelas dando para os corredores. Apesar de parecer uma caverna com subterrâneos povoados de habitações, a ventilação é perfeita. Nunca soubemos como o ar entrava por aquela sucessão de cavernas e corredores com casas esculpidas na terra. Uma verdadeira cidade subterrânea que sobreviveu há milênios, e continua servindo de moradia para dezenas de famílias até os dias de hoje – famílias que se recusam a deixar o local para viver em apartamentos.
O mercado popular é sui generis porque nele se encontra muitos artigos e produtos da cultura árabe tradicional: lembranças para turistas, incensos, joias, tecidos, roupas, temperos, quadros, esculturas, chapéus etc. Havia pessoas fundindo ouro na calçada e fazendo trabalho de ourivesaria com o ouro que as caravanas traziam do deserto, fabricando brincos, colares, pulseiras e joias belíssimas. O que se comentava era que a pureza do ouro era de 98% e o valor era metade do preço praticado no Brasil. Diversos brasileiros compraram peças em ouro para dar de presente a familiares.
Na Praça Verde há uma fonte muito bonita, italiana, e em seu entorno muitos cafés e restaurantes onde as pessoas passavam as tardes desfrutando da brisa do mar que soprava diuturnamente, amenizando o calor. A Praça Verde era local da maioria dos eventos festivos da Líbia, grandes eventos e manifestações populares, festivais de músicas e teatro.
A Praça Verde era o centro social de Trípoli, onde turistas, jovens e o povo em geral se reuniam para confraternizações ou simples passeios. Havia também muitas e muitas lojas de produtos eletrônicos, lojas de produtos de grife, joalherias, relojoarias, enfim, tudo que um grande centro comercial reúne nos dias atuais.
Durante a guerra de ocupação da Líbia, quando a imprensa ocidental noticiava a morte do filho sucessor político de Kadafi, Sail Al Islam, ele escolheu justamente a Praça Verde para fazer sua aparição ao lado de combatentes líbios, onde convocou o povo a resistir aos invasores.
A imprensa canalha que havia noticiado com alegria a morte de Saif Al Islam al Kadafi foi obrigada a se retratar no dia seguinte, após a divulgação de gravações e fotos mostrando o filho do líder líbio convocando a população a resistir à guerra de ocupação do país.
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Blindado brasileiro X Leopard
No início dos anos 80 a Engesa, empresa bélica brasileira, fazia sucesso vendendo tanques e carros de combate para diversos países, entre eles Iraque e Líbia.
Uma das cenas que jamais esquecerei, e que faria a alegria de qualquer militar brasileiro, foi ver um blindado médio sobre esteiras fabricado pela Engesa, o Osório (T-1ou o EE-T1) rebocando um tanque Leopard em plena avenida Omar Moukhtar, sob os olhos de Muamar Kadafi e seus convidados durante desfile militar comemorativo ao aniversário da Revolução Al Fateh.
No palanque estavam Kadafi e vários líderes estrangeiros, entre eles o rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud, destoando de todos ao ostentar no peito um colar de ouro pesando quase um quilo.
Os brasileiros que visitaram a Líbia naquele ano foram convidados a desfilar no Batalhão do Exército Internacionalista, coordenado pela Mathaba Mundial.
Ao meu lado estavam 5 ou 6 brasileiros e muitos outros latino-americanos. O desfile foi tranquilo porque se limitava a correr devagar seguindo os líderes da Mathaba pela avenida, atrás dos combatentes armados do Exército Internacionalista.
Ao final do desfile caiu uma chuva fina, muito festejada por todos porque o calor era forte.
Durante nosso desfile olhei à esquerda e vi um tanque de guerra rebocando outro, mas não me chamou a atenção. Somente ao chegar ao alojamento é que um líbio veio nos felicitar: - Os brasileiros estão de parabéns hoje. Em pleno desfile, um tanque Leopard quebrou e foi rebocado por um tanque brasileiro.
Instintivamente nós aplaudimos e rimos muito, elogiando o avanço tecnológico da indústria bélica brasileira, sem imaginar que a destruição da Engesa estava nos planos do governo norte-americano, e que seria executada nos anos que se seguiram.
A Engesa – Engenheiros Especializados S.A. foi o mais importante produtor de equipamentos militares de uso terrestre do país. Fundada em São Paulo (SP), em 1958, por um grupo de engenheiros recém formados, liderado por José Luiz Whitaker Ribeiro. Nos primeiros anos a empresa se dedicou à fabricação de equipamentos para a prospecção, produção e refino de petróleo, e acabou por colocar o Brasil, na decada de 80, na quinta posição entre os maiores exportadores mundiais de material militar. Reunindo em seu quadro técnico profissionais de excelente formação, muitos deles oriundos do ITA, a história de sucessos da empresa teve início em 1966.
A Engesa levou o Brasil a figurar entre os maiores exportadores de armamentos (5 mil unidades), e a Engesa vendia seus produtos principalmente para o Oriente Médio.
A derrocada da empresa que passou a ameaçar o comércio bélico monopolizado por algumas potências foi causada pelo governo dos EUA. Na época, o Reino da Arábia Saudita assinou um pré-acordo com a Engesa para a compra do tanque Osório, modernizado, em duas versões: o mais barato com canhão 105 mm e o mais caro, com canhão 120 mm e optrônicos, batizado pelos sauditas de Al Fhad.
Diante da proposta milionária dos sauditas a empresa investiu sozinha US$ 100 milhões entre a concepção e os 3 primeiros e únicos protótipos (P-0, P-1 e P-2). O MBT EE-T1 Osório, nome dado em homenagem ao patrono da Cavalaria do Exército Brasileiro, tinha um design bastante avançado e sofisticado, com excelente poder de fogo e mobilidade.
A tecnologia obtida junto a fornecedores de diferentes países era a melhor da época e já contava com computador no controle de tiro, telêmetro laser; todo o sistema de armas era de primeira linha.
Mas o negócio foi por água à baixo quando o governo dos EUA exigiu que a Arábia Saudita comprasse tanques norte-americanos e não os brasileiros, embora os fabricados nos EUA fossem de menor qualidade e tecnologia. Na condição de maior comprador de petróleo dos sauditas, os norte-americanos venceram a disputa impondo a compra de seus produtos e decretando, por consequência, a falência da Engesa. Dessa forma os gringos liquidavam o sonho brasileiro de desenvolver tecnologia militar própria.
O tanque Leopard era considerado na década de 80 o melhor carro de combate do mundo, e o brasileiro Osório rebocou um Leopard em pleno desfile militar na Líbia. Isso não tem preço.

Tâmaras com leite
Em uma das visitas à Líbia fomos à gloriosa cidade de Sirte, cidade natal de Kadafi, berço da revolução Al Fateh que derrubou a monarquia do Rei Idris; berço da bela trajetória da Jamahiriya Árabe Popular Socialista Líbia.
Estamos no Hotel Bab El Bahar em Trípoli. Um grupo de jovens latino-americanos, incluindo dois brasileiros, esperam ansiosos pela van que vai nos transportar do hotel à antiga base militar norte-americana nos arredores de Trípoli. A base Maatinga era a maior base militar norte-americana no exterior no ano de 1969. O jovem Muamar Kadafi, de apenas 27 anos de idade, liderou a revolução de jovens oficiais líbios. A base militar foi cercada e os militares líbios deram prazo de 24 horas para que todos os estrangeiros – incluindo militares em bases norte-americana, italiana, inglesa e francesa – deixassem o país. Foram expulsos.
Não houve derramamento de sangue. A união do povo líbio em torno de Kadafi era total. Os militares – sem exceção – abraçaram a revolução Al Fateh e os estrangeiros deixaram o país sem problemas ou confrontos.
Na retirada de Maatinga os norte-americanos saíram correndo, deixando para trás pesados armamentos, aviões e tanques. O local foi mantido intacto ao longo das decadas que se seguiram, servindo de museu a céu aberto para os líbios. Os visitantes comprovavam pessoalmente a gigantesca estrutura dos norte-americanos em seu trabalho permanente para tentar dominar o mundo árabe e os demais povos do mundo.
Quando a van estacionou no principal campo de pouso da base, os jovens latino-americanos caminharam até um dos aviões presidenciais da Líbia. Este nome está sendo utilizado para designar uma aeronave que servia para transportar presidentes e chefes de estados em visitas oficiais à Sirte, a capital administrativa do país. A Líbia não tinha presidente, mas sim um guia político que orientava o povo no caminho da democracia direta através da construção do poder popular.
O avião que nos aguardava era um Dassault Falcon 50, com tripulação ucraniana.
Entramos na aeronave e ficamos surpresos com as instalações. As poltronas se deslocavam e era possível montar mesas para reuniões, e foi o que fizemos. Na fotografia publicada no final deste livro estão eu e o carioca Armando, os venezuelanos José Uzategui e Richard Luna e o equatoriano Angel O. Havia outros passageiros de outros países da América Latina, América Central e Caribe.
O avião presidencial fez um voo rápido até Sirte. Ao chegar ao aeroporto, em pleno deserto líbio, havia um silêncio total. Saímos da aeronave e nos dirigimos até a sala de recepção do pequeno mas moderno aeroporto. Aguardamos alguns momentos e uma comitiva de recepção deu-nos as boas vindas. Um líbio que parecia um oficial militar à paisana falou sobre a história da cidade e disse que seriamos recebidos como irmãos revolucionários internacionalistas, em seguida alguns jovens entraram no recinto com bandejas onde havia copos de leite e tâmaras. Para os beduínos é uma iguaria, e sempre os convidados são recebidos nas tendas árabes dessa forma, ao menos na região do Magreb Al Arab. O leite sem açúcar era adoçado dentro da boca pela tâmara.
Após esse lanche, seguimos em vans pelo deserto líbio até a cidade de Sirte. A estrada era asfaltada mas o vento cobria a estrada com areia. Pensei que somente um líbio local poderia não se perder naquelas estradas cobertas de areia.
Pelo caminho, não entendia como o motorista conseguia se guiar pela estrada, pois a maior parte da rodovia era coberta por areia do deserto, impedindo a visão da estrada. Qualquer motorista ocidental ficaria perdido, mas os líbios, por serem nativos, sabiam com exatidão o trajeto e nunca saiam da estrada, por mais areia que houvesse cobrindo a estrada de asfalto.
No trajeto vi uma tenda de um beduíno em um local onde as dunas de areia formavam um triângulo e havia vestígios de algumas plantas. Era o sinal de um pequeno oásis, um local onde um pequeno veio de água brotava das areias do deserto, e por esse motivo aquele árabe beduíno havia escolhido o lugar para morar por algum tempo, até que a água secasse ou chegasse o tempo de seguir viagem.
A van que nos transportava passou há mais ou menos 50 metros do local e consegui ver o beduíno com 3 crianças. Pensei que talvez o local pudesse fornecer 3 ou 5 litros de água por dia, e não entendia como seriam suficientes para uma família de 4 pessoas sobreviver. Quanto à alimentação, a tâmara é um dos alimentos mais completos que existe, rica em vitaminas e sais minerais. Um beduíno pode viver durante muitos anos no deserto comendo apenas tâmaras. Mas aquele beduíno com certeza era de alguma tribo que cruzava os desertos sem reconhecer fronteiras, me contou o motorista da van.
Chegamos a Sirte anoitecendo, e paramos na frente de um grande hotel onde centenas de convidados de outros países estavam hospedados com o mesmo objetivo: visitar Kadafi em sua tenda no meio do deserto.
O tempo foi curto para um rápido banho e jantar no hotel. Seguimos novamente em vans pelo deserto na noite escura, desta vez o trabalho dos motoristas era ainda mais difícil, mas não sei como, eles conseguiam dirigir, e lá fomos nós dentro de uma longa fila de vans que transportavam revolucionários de diversas partes do mundo.
Pelo caminho, dentro das vans, havia muita cantoria de latino-americanos. Uma das músicas que mais se cantava tinha o seguinte refrão: “Alerta, alerta que camina, la espada de Bolívar por América Latina”.
Durante o trajeto de aproximadamente 50 quilômetros víamos algumas caminhonetes estacionadas no meio do nada. Somente quando fomos obrigados a parar e algumas dessas caminhonetes cercaram nossa van, percebi que se tratava de grupos militares que faziam a segurança do líder Muamar Kadafi. Quando o farol da van iluminava os locais onde as caminhonetes estavam estacionadas, era possível ver mísseis terra-ar estrategicamente colocados em bases na areia do deserto, para qualquer eventual ataque aéreo. Na época o governo dos EUA ameaça matar Kadafi.
Finalmente chegamos a um local onde havia três enormes tendas. Depois ficamos sabendo que uma tenda era para receber visitas, outra tenda era a moradia de Kadafi e sua família, e a outra tenda abrigava os militares da segurança pessoal.


Em minhas mãos havia um livro para ser entregue ao líder Muamar Kadafi. O livro contava a vida do general paraguaio Lino Oviedo, perseguido e assassinado durante a última eleição presidencial no Paraguai, quando agentes do Mossad colocaram uma bomba em seu helicóptero quando Oviedo fazia campanha eleitoral no Chaco paraguaio. Com a morte de Lino assumiu a presidência do Paraguai o candidato apoiado pela CIA e Mossad, o maior contrabandistas de cigarros do mundo.
O livro fazia parte do trabalho de aproximação entre Paraguai e Líbia, uma vez que até hoje aquele país não tem embaixada líbia. Algumas reuniões com autoridades líbias foram realizadas em Curitiba e Brasília para que a Líbia, no caso de vitória de Lino Oviedo, fizesse parceria na reativação de duas refinarias paraguaias, que passariam a receber petróleo líbio.
Dezenas de convidados estavam sentados em cadeiras formando um semicírculo dentro da grande tenda árabe. Por ter um presente para o líder, o livro de Lino Oviedo, fiquei sentado na primeira fila de frente para a mesa de Kadafi. Ele entrou na tenda e seus guarda-costas cercaram a tenda, pelo lado de fora.
Kadafi iniciou seu discurso falando da alegria do povo líbio em receber revolucionários de diversas partes do mundo, porque a luta era mundial e não apenas localizada. Falou sobre os conflitos bélicos na época. Defendeu a Causa Palestina e os povos da América Latina que sofriam os efeitos de ditaduras militares apoiadas pelo governo norte-americano.
A palestra do líder se estendeu por mais de uma hora. Ao encerrar, o tradutor oficial informou que um brasileiro entregaria ao líder um livro de um general paraguaio nacionalista e antiimperialista. Fui convidado a me dirigir até a mesa e fiquei frente a frente com o líder. Entreguei o livro enquanto o tradutor falava em árabe para que Kadafi soubesse o teor do livro. Ele agradeceu em árabe e apertou minha mão. Seus olhos mostravam sempre firmeza, segurança, determinação.
Voltei à minha cadeira sob olhares de admiração dos demais companheiros presentes. Em seguida foi servido um lanche enquanto Kadafi se retirava para a tenda de seus familiares.
No entorno das tendas os seguranças se deslocavam em perfeito silêncio e discrição.
Após o lanche, voltamos às vans e fizemos o caminho de volta ao hotel para, no dia seguinte pela manhã, retornar a Trípoli no mesmo avião que nos trouxera.
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Em junho ou julho de 1998 um casal de jovens brasileiros caminha à beira mar de Trípoli, após um banho revigorante no mar Mediterrâneo. Após o banho de mar foram aos quartos no hotel Bab El Bahr – embora casal, na falta da certidão de casamento, tinham de dormir em quartos separados.
Ele tinha 1,80 m de altura e ela 1,70 m. Morena clara, pele clara e cabelos negros. Os olhos verdes da garota chamavam a atenção por onde passava. Era linda, e naquela viagem onde compartilhavam alegria, amor e curiosidade, ficava ainda mais bela.
Os quartos do hotel eram luxuosos, com banheira grande onde a maioria dos hospedes ficava horas na água se protegendo do calor escaldante da cidade durante o verão. “Para os revolucionários, o melhor que podemos oferecer”, repetia nosso guia líbio, com orgulho.
Saindo do hotel entraram à direita e caminharam sem rumo, mesmo contrariando as orientações do guia que havia recomendado para que não saíssem das proximidades do hotel, afinal, ainda havia alguns contrarrevolucionários, e não desejavam que algo acontecesse aos convidados da Revolução.
A calçada estava sempre repleta de areia da praia. O jovem percebeu que um veículo os seguia. Não deu atenção, até que em um cruzamento o carro encostou e o motorista disse em um inglês sofrível:
- Entrem. Queremos conversar com vocês.
Dentro do carro preto, um pouco luxuoso, havia três homens, incluindo o motorista. Na maioria das cidades do mundo, se isso acontece, a primeira providência é sair correndo, mas, por algum motivo – afinal, estavam na terra da Revolução – ele fez um sinal de cabeça para ver se ela aceitava. Ela respondeu sim e ambos entraram no veículo, que se afastou rapidamente do local.
Durante o trajeto preferiram falar espanhol. Um homem bem vestido devia ser o superior porque o motorista e o homem que o acompanhava faziam reverências e se dirigiam a ele com muito respeito.
O motorista disse que os levariam para passear pela cidade, e assim foi feito, e durante o passeio faziam perguntas sobre o país e a vida do casal de brasileiros. Eles respondiam animadamente, faziam até algumas piadas, e uma hora depois pareciam velhos amigos conversando alegremente. O único problema era a tradução para o árabe porque o motorista e o senhor bem vestido não entendiam espanhol.
Finalmente pararam o carro de frente para o mar mediterrâneo, em um lugar ermo, e o homem falava enquanto o outro traduzia.
Disse que precisava de pessoas como o casal no Brasil para comprar produtos para perfuração de poços de petróleo. Ele daria a relação dos produtos e o casal levantaria os preços no Brasil e encaminharia a ele por fax. Havendo aprovação, ganhariam muito dinheiro com as comissões sobre o valor do negócio firmado.
O casal sorriu e pensou que talvez esta fosse a oportunidade de negócios que estavam esperando.
Em seguida o homem disse que iriam ao escritório dele para finalizar a proposta e pegar a relação de produtos.
O carro se colocou novamente em movimento e após meia hora estavam em um bairro qualquer de Trípoli. Na entrada do prédio não havia placa ou qualquer sinal que identificasse uma empresa. Subiram um andar por escadas e na entrada de uma porta havia um jovem com um fuzil Ak-47 protegendo a sala.
Ao identificar o homem bem vestido o jovem fez uma saudação e entramos na sala com bastante espaço e poucos móveis. O homem bem vestido se sentou na poltrona principal. O tradutor nos disse – sem muito convencimento – que o homem sentado à nossa frente era um juiz do Conselho de Justiça de Trípoli, e que atuava também no ramo de negócios de prospecção de petróleo. Pela primeira os jovens começaram a desconfiar que havia algo errado naquela história. Como um juiz de Direito pode atuar em empresas petrolíferas? A informação não batia, e a falta de identificação da empresa começou a levantar suspeitas entre os brasileiros.
O homem pegou uma lista onde estavam relacionados 6 produtos e entregou ao jovem, e finalmente disse:
- Vou entregar a vocês uma soma em dinheiro para despesas que vocês terão para fazer esses orçamentos. Talvez tenham de viajar a outras cidades e estados. E se dirigiu ao cofre que havia no canto da sala, mas foi interrompido pelo jovem:
- Não precisamos de dinheiro. Podemos fazer esses orçamentos e se o negócio for aprovado, receberemos a comissão.
O homem não acreditou no que ouvia, e insistiu:
- Vocês precisam de dinheiro para as despesas, insisto.
O jovem retrucou:
- De forma nenhuma. Não aceitamos. Faremos o orçamento e enviaremos, e depois acertamos.
Os líbios na sala não podiam acreditar. Trocavam olhares confusos e, por fim, o homem disse:
- Está bem. Será como vocês querem. Vamos leva-los de volta ao hotel.
Quando os jovens voltaram a Curitiba, buscaram os produtos, e finalmente encontraram alguns em uma empresa inglesa que tinha escritório no Centro Cívico, há 4 quadras da Assembleia Legislativa.
O funcionário do escritório perguntou ao jovem, muito curioso:
- Para que vocês querem esses produtos?
Ele respondeu:
- Para uma empresa líbia que faz prospecção de petróleo.
O funcionário pediu que aguardasse alguns instantes, foi a outra sala, demorou alguns minutos e retornou:
- Sinto muito mas não podemos vender esses produtos à Líbia, existem sanções econômicas do governo norte-americano, e além do mais, são produtos para explosivos.
- Normal. Usam explosivos para prospecção de petróleo.
O funcionário olhou surpreso e se retirou.
E assim morreu o projeto de exportar produtos intermediados em Curitiba para a Líbia.
Nos dias que se seguiram o jovem telefonou ao escritório em Trípoli, mas os contatos foram interrompidos e finalmente cessaram.
Os anos se passaram e algumas dúvidas sempre surgem na lembrança do casal - que com o tempo deixou de ser casal - entre elas:
Quem seriam realmente aqueles líbios?
O que teria acontecido se o casal tivesse recebido o dinheiro oferecido no escritório?
Seriam agentes da Revolução líbia testando os convidados?
Seriam mercenários tentando cooptar colaboradores para a contrarrevolução?
Perguntas que jamais serão respondidas.
...
Sempre que você viaja para a Líbia, no verão ou na primavera, a primeira vista de Trípoli, que você observa do avião, é uma terra desértica, quase tudo cinza claro, bem diferente de outros lugares onde você aterrissa.
Chegando ao aeroporto de Trípoli, ao sair dele, o primeiro pensamento que você tem ao sentir o sol na pele é que não vai suportar tanto calor, mas com o tempo, nos primeiros minutos, você acaba se acostumando.
Esta viagem foi em um desses dias de verão com muito sol escaldante. Desembarcamos no aeroporto de Trípoli, em seguida tomamos uma van com diversos amigos latino-americanos e nos dirigimos à cidade. Durante o percurso, todos os latinos brincavam e sorriam, a van tentou ultrapassar o carro de um líbio que estava com as suas três esposas. Na época era comum os líbios terem mais de uma esposa, eles podiam casar e ter até quatro esposas. Para mudar os costumes, Kadafi escolheu apenas uma esposa e incentivava o povo a fazer o mesmo, algo que estava sendo seguido pelos jovens nos últimos tempos.
Assim que a van ultrapassou esse veículo, um dos latinos (cubano ou venezuelano), mandou beijos para a mulher que se encontrava no banco de trás do carro. O líbio que dirigia o carro percebeu, acelerou, atravessou o carro na pista e mandou parar a van. Ao parar a van, ele se dirigiu ao motorista e pediu que o passageiro que mandou o beijo descesse para resolver o ocorrido na porrada. O líbio que dirigia a van traduziu e demorou uns 10 minutos para convencer o homem de que não valia a pena resolver dessa forma por serem estrangeiros que não estavam acostumados com os costumes do país, afirmando que no país deles era comum mandar beijos aos passageiros de veículos, sem que isso significasse desrespeito. O líbio ficou em dúvida, mas ainda assim foi embora.
O guia líbio ficou chateado e nos informou que não era para fazer mais isso, que acabaria causando um problema muito sério.
No caminho percebi muitos edifícios novos, modernos, reluzentes e perguntei ao guia se havia mudado alguma coisa na orientação do país, ele respondeu que o desejo de Kadafi era que Trípoli rivalizasse com Dubai, que tivesse prédios tão bonitos quanto Dubai, e nesse caminho estavam seguindo.
...
A terra árabe só te abraça no dia em que você tem uma miragem; antes disso você pode ter ido dezenas de vezes a um país árabe, mas não significa que você tenha mergulhado na alma do mundo árabe. E apenas por ver uma miragem, não significa que compreenderá os mistérios fascinantes desse povo milenar.
O passaporte espiritual do viajante no mundo árabe é a miragem. Algumas pessoas têm essa miragem na primeira visita, enquanto outras apenas após várias viagens. Algumas jamais terão, ainda que viagem dezenas ou centenas de vezes porque a miragem é um abrir de porta sensorial. Dizem que os espíritos locais decidem o momento de você ter a miragem, que seria o momento do seu batismo em terra árabe. Somente após esse momento mágico, seus olhos começarão a ver, seus ouvidos começarão a ouvir aquilo que traduzimos como cultura árabe, mas que na verdade é uma imersão superficial no mundo árabe.
A miragem é aquele instante mágico em que você perde a razão, ainda que por segundos, é algo inesquecível, algo que te transforma. A miragem é o momento em que o seu espírito te surpreende e você duvida dos seus próprios sentidos. Você fica confuso e compreende num átomo de segundos que suas certezas, sua visão, seus olhos te enganam um tempo suficiente, breve, para fazer vacilar. Quando a miragem dura além do limite, o viajante pode enlouquecer.
A minha única miragem foi durante um deslocamento em Trípoli. Saímos de uma faculdade de estudos do Livro Verde para ir até a casa do amigo Jamal Iasmin. A van que nos levava passou pela parte alta de Trípoli, e ao descer uma rua, a surpresa, a miragem. A cor do céu estava exatamente na mesma cor do mar. Não havia uma linha separando o mar do céu. Tudo parecia uma única imagem onde nosso veículo deslizava sem razão ou motivo concreto. Durou alguns segundos, o suficiente para destruir as certezas das linhas horizontais e verticais. Tudo era uma imagem da mesma cor e o mundo parecia ter enlouquecido. A visão enlouquecera. Não havia mais terra e espaço, chão e mar, era tudo uma coisa só, sem começo nem fim. Felizmente, durou poucos segundos, mas foi o suficiente para ficar gravado como fogo na memória.
Ninguém mais viu aquela miragem naquele momento, embora estivéssemos em 8 pessoas dentro da van.

O “lobo solitário”
A definição causa arrepios nos agentes dos órgãos de segurança, mesmo porque serve para definir, pela imprensa ocidental, terroristas de todas as matizes, desde fanáticos religiosos até doentes mentais que surtam e cometem matanças com desculpas ideológicas. “As religiões foram criadas para que os pobres não matem os ricos”, teria dito o grande Napoleão Bonaparte.
Psicopatas sempre existiram na história da humanidade em todos os tempos e são milhares os casos de segregados pela economia, desejosos de vingança contra a sociedade.
Nos tempos em que vivemos, onde os governos precisam a todo momento justificar a incompetência dos órgãos de segurança e informação, é comum atribuir a “lobos solitários” ações de doentes mentais, psicopatas ou agentes de “falsa bandeira”.
No governo Bush filho, os agentes da CIA e FBI começaram a financiar psicopatas e terroristas com a justificativa de se infiltrar e antecipar ações terroristas. Com isso, passaram a popularizar o terrorismo e por trás dessa política irresponsável, estão estratégias militares muito bem definidas para (evitar) ou aumentar guerras e conflitos, vender armas e se apossar de recursos naturais dos povos e nações. Quando agentes de segurança dizem que conhecem um “lobo solitário” apenas de olhar, estão mentindo. Assim como não se conhece um valente ou um covarde apenas pela aparência, mas aquele jovem de aparência tranquila e olhar sonhador que encontrei no voo Zurique-Trípoli na década de 80 era sim um “lobo solitário”.
O broche com a bandeira do Brasil que eu usava na lapela fez com que ele se aproximasse e começasse a conversar.
Ao chegar a Trípoli ele já era esperado e não teve o passaporte carimbado como os demais brasileiros. Perguntei a um líbio que nos acompanhava por que o jovem não passou pela aduana ao desembarcar, ele apenas sorriu e não respondeu.
Semanas depois eu encontraria aquele jovem de passagem pelo hotel Bab El Bahar. Seu nome “de guerra” era Paulo. Não adiantava fazer perguntas porque ele não respondia. Conversamos rapidamente e ele foi embora.
No ano seguinte encontrei novamente com Paulo, desta vez na Mathaba Mundial, em uma sala onde deveríamos apresentar propostas de financiamento para o governo líbio.
Nosso grupo de brasileiros apresentou a proposta de criação de um jornal latino-americano, a ser publicado em português e espanhol, e distribuído nos países do continente através das embaixadas líbias e do movimento kadafista.
Fizemos todos os cálculos de impressão, despesas com remessa pelo correio etc, e entregamos a proposta.
Paulo me chamou a uma sala ao lado e perguntou sobre nosso pedido de financiamento. Respondi que tentamos apoio financeiro para um jornal. Ele sorriu novamente, desta vez com cinismo. Perguntei a ele sobre seu pedido. Ele respondeu: “Armas! Queremos armas para fazer alguns acertos de contas no Brasil, mas não acredito que nos apoiem. O governo líbio parece que só financia armamento em caso de guerra ou revolução. Eles não querem ser responsáveis por ações isoladas”.
Aquela foi a última vez que vi Paulo. No ano seguinte um companheiro da Nicarágua me disse que ele foi visto em Manágua, lutando como voluntário ao lado dos sandinistas, e que teria morrido em combate. Mostrou um jornal com fotos de guerrilheiros mortos, mas não consegui identificá-lo. Foi a última vez que ouvi falar de Paulo, ele sim, um “lobo solitário”.


Esses revolucionários são bons
Depois de um dia cansativo com corrida de mais de 10 quilômetros, passando por uma praia do mar mediterrâneo, fomos ao alojamento da Mathaba. Os treinamentos para montar e desmontar fuzil Ak-47 foram realizados por mais ou menos uma hora, depois tivemos “ordem unida”, nome dado pelos militares para exercícios de marchas, formatura, apresentação de armas etc.
Nosso edifício na Mathaba era ocupado por latino-americanos, incluindo alguns camponeses nicaraguenses que não estavam familiarizados com o ambiente. Podia se notar que eram pessoas simples, humildes, camponeses das mãos calejadas, e não entendiam uma palavra – nem nós – dos comandos dados em árabe pelos instrutores na “ordem unida”.
Aqueles que prestaram o serviço militar sabem que é possível, através de macetes, contornar os problemas da “ordem unida” em outro idioma. Basta prestar atenção nos movimentos dos nativos – no caso, os árabes – e repetir automaticamente tudo que eles faziam, incluindo virar à esquerda ou direita, avançar, ombro arma, apresentar arma etc.
A maioria dos revolucionários tirava de letra os treinamentos, mesmo sem entender os comandos, apenas observando e repetindo os movimentos dos árabes, mas os camponeses nicaraguenses não entendiam a lógica militar da ordem unida, que é a mesma em termos de movimentos repetitivos na maioria dos países. Eles faziam movimentos errados, viravam à esquerda quando todos viravam à direita, marchavam quando todos paravam.
Os instrutores líbios, militares duros, não compreendiam as dificuldades dos camponeses nicaraguenses e pensavam que os mesmos erravam por brincadeira, porque estavam sempre sorrindo de tudo. A fama dos latino-americanos perante os líbios era muito ruim. Acostumados com o sistema líbio, davam tapas no rosto daqueles que erravam, o que foi criando um certo constrangimento na tropa.
Após observar o problema, um dos líderes da Mathaba interrompeu o treinamento e falou em árabe com os instrutores, explicando que os camponeses não entendiam a língua e nunca tiveram “ordem unida”. Eles foram então retirados da tropa e os exercícios continuaram até que todos marchassem com alguma sincronia.
Anoitecia e após o banho no alojamento fomos transportados até o local onde tivemos exercícios militares de rastejar e fugir de tiros de festim. Era um bosque de eucaliptos bastante cerrado, de areia fina, com muitos escorpiões.
Ao longe podíamos ouvir os gritos cadenciados dos revolucionários sul-africanos preparados pela Líbia para lutar contra o apartheid na África do Sul, a serviço do CNA de Nelson Mandela. Kadafi treinava os jovens, fornecia uniformes e armamento, e então eles retornavam para lutar contra o governo racista da África do Sul que na época era apoiado apenas pelos governos dos EUA, Inglaterra e Israel.
A sede deste campo de treinamento de revolucionários de diversos países do mundo era bastante confortável, tinha piscina, alojamentos em estilo mediterrâneo e amplos espaços onde colocavam mesas para servir as refeições.
O calor era intenso e algumas pessoas – homens – tomavam banho na piscina, mesmo de cuecas.
Durante o jantar aconteceu um fato que marcou minhas lembranças. Diversas famílias de líbios participaram do jantar festivo naquela noite. Na mesa à nossa frente, uma família de líbios jantava com três crianças. Uma delas, aparentando 3 anos, ficou de pé na cadeira e tentava se balançar. Ao lado estava a mesa dos revolucionários da Frente Morazanista. O líder deles, um senhor com mais de 60 anos, prestava atenção na criança que balançava perigosamente na cadeira. Em questão de segundos a criança conseguiu virar a cadeira e começou a cair de encontro ao chão de pedras. O líder morazanista se atirou como um raio e segurou a criança antes que ela caísse ao chão. Foi uma ação tão rápida e espetacular que algumas pessoas aplaudiram. Ele se levantou, entregou a criança aos pais, e voltou a se sentar sorrindo com seus companheiros.
Em nossa mesa de brasileiros, alguém disse “esses revolucionários são muitos bons mesmo”.
...
Entre as proibições à sociedade líbia, previstas no Livro Verde de Kadafi, estava a de alugar veículos, casas e apartamentos, e obter lucros abusivos às custas do trabalho alheio. Os trabalhadores não Líbia não eram assalariados, mas sim associados, de acordo com o Livro Verde.
Os bancos não podiam cobrar juros, de acordo com o Islamismo.
Um dos objetivos da revolução líbia era dar casa para todos, e a locação de veículos era considerada atividade não apenas muito lucrativa, mas extorsiva. Por isso, o governo auxiliava a todos na aquisição de carros, casas e apartamentos.
Uma das promessas que Kadafi havia feito era de garantir habitação a todos os líbios e isso foi realizado.
No início da revolução líbia existiu uma lei chamada “Lei do Colchão”. Grande parte dos corruptos e traidores, membros da monarquia do Rei Idris, fugiram do país quando Kadafi assumiu o poder e abandonaram suas casas. Para apoiar a população, os revolucionários líbios decretaram que qualquer líbio que encontrasse uma casa abandonada, poderia colocar um colchão no quintal ou dentro da casa e a casa passaria a ser de sua propriedade. E assim foi feito. Centenas de casas foram entregues aos líbios que colocaram colchões em seus quintais, incluindo a mansão de um italiano que já havia negociado a venda do imóvel para o governo brasileiro, e o local passaria a ser a sede da embaixada do Brasil em Trípoli.
Para evitar maiores problemas e manter as boas relações com o Brasil, o governo líbio deu outra casa ao líbio e devolveu a mansão ao governo brasileiro.
Entre as grandes metas da revolução Al Fateh estava a distribuição de armas ao povo e a construção de um governo popular através dos Comitês e Congressos Populares.
Nas primeiras viagens que realizei à Líbia, sempre via jovens armados auxiliando no trânsito das cidades, fazendo a segurança de órgãos públicos e de sítios arqueológicos. No início era tudo ostensivo, mas com o passar do tempo, as armas deixaram de ser exibidas em público, mas permaneceram nas residências e locais de trabalho. Ora, um povo armado jamais se deixaria dominar. A imprensa ocidental insistia em chamar Kadafi de ditador, mas nenhum ditador se manteria no poder por 24 anos com o povo armado. Somente quando os militares dos EUA/Otan e seus cúmplices passaram a despejar armamentos em aldeias e cidades líbias, para fortalecer os grupos terroristas e criminosos, foi possível desestabilizar a sociedade líbia em plena guerra contra as poderosas forças invasoras.
Ao insistir na construção de Comitês e Congressos Populares, para permitir a democracia direta, sem intermediários, Kadafi provou ao mundo – e o Livro Verde é mais uma prova irrefutável – que jamais buscou se perpetuar no poder, mas servindo apenas de guia ideológico na construção da Jamahirya Árabe Popular Socialista, onde a casa fosse de quem morasse nela, onde todas as riquezas nacionais pertencessem ao povo e não a uma elite ou minoria, e onde o povo tivesse as condições e as armas para lutar pela sua liberdade e democracia direta.
Os Comitês Populares eram formados pelos moradores nos bairros e cidades, sindicatos, associações de operários, trabalhadores e estudantes. Esses Comitês governavam de fato através dos Congressos Populares, onde os membros dos Comitês votavam e decidiam de forma direta, sem intermediários, todas as questões relativas às suas vidas: desde a construção de estradas, escolas, hospitais, até os preços a serem praticados.
O Congresso Popular escolhia os ministros e funcionários públicos. Ou seja, era uma organização libertária, onde o poder do povo estava em primeiro lugar, e justamente por este e muitos outros motivos, os governantes das potências ocidentais se sentiram ameaçados pelo exemplo da Líbia e, temendo que a ideia do poder popular se espalhasse e contagiasse os demais povos e nações, decidiram destruir a Jamahirya Líbia para tentar matar a ideia do poder popular.

William Shakespeare era árabe
Nos idos dos anos 80, a imprensa ocidental ficou estarrecida com uma declaração do líder Muamar Kadafi. Ele afirmou em um encontro com intelectuais estrangeiros que não tinha dúvidas sobre a nacionalidade do mais famoso escritor da Inglaterra, William Shakespeare. Kadafi afirmou que Shakespeare teria sido um árabe, e explicou: a palavra “shake”: Sheik (Xeque ou Xeique, em português) é uma palavra de origem árabe (xây–) que quer dizer “chefe”, “soberano”, “ancião”, “líder” ou “governador”. Na cultura árabe, o título de sheik é muito usado e considerado uma honra, um prestígio e pode ser aplicada também a um grande sábio ou intelectual. E mais, a palavra correta teria sido Xeique Spear.
Diversos jornalistas renomados saíram correndo para socorrer os brios dos vassalos de rainha britânica, contrariando as afirmações de Kadafi.
Mas um dos maiores historiadores da Espanha, Ángel-Luis Pujante, declarou que Kadafi tinha razão, e que alguns estudos mostraram que a palavra Shakespeare era um apelido adotado pelo escritor, cujo nome correto seria Sheik Zubair bin William.
Os ingleses não aceitam até hoje esses estudos e afirmam que Shakeaspeare foi inglês, e não árabe, afinal, como é que um povo que desafia a lógica e o progresso mundial, mantendo o regime decadente da monarquia e dirigindo com o volante no lado direito do veículo – apenas para contrariar – admitiria que seu maior escritor nunca foi inglês?

Brancos trabalham para negros
Talvez a Líbia kadafista tenha sido um dos raros países do mundo onde brancos trabalhavam para negros. Parte da população da Líbia é formada por negros e um dos impactos que o turista tinha ao visitar o país era ver negros dirigindo veículos novos como Mercedes e BMW.
A mão de obra mais humilde, para trabalhos considerados de menor valor na escala social, como: lixeiros, operários, jardineiros, era exercida por brancos do leste europeu ou por asiáticos. Nos hotéis, os funcionários eram majoritariamente estrangeiros, imigrantes.
Diversas vezes vi o espanto dos estrangeiros ao verem pelas ruas líbios negros dirigindo carros de luxo. Algo muito raro, mas que existiu na Líbia kadafista.
Após a guerra de dominação organizada pela EUA/Otan, os negros foram duramente perseguidos e tiveram bens saqueados pela elite branca de Benghazi; os beneficiários do contrabando de petróleo se uniram aos invasores e mercenários que saquearam a Líbia.
Durante dos dias que se seguiram à guerra de ocupação da Líbia em 2011 houve um massacre de negros ignorado pela mídia ocidental. Na Líbia não havia racismo contra negros. Muamar Kadafi sempre denunciou o racismo – a xenofobia – como condenável e inaceitável. A sociedade líbia vivia em paz por muitos anos, até que a guerra de ocupação liderada pelos EUA/Otan mergulhou o país numa sangrenta noite de violações sistemáticas dos direitos humanos. Milhares de negros – líbios e imigrantes – foram presos, torturados e assassinados, acusados de serem apoiadores do líder Muamar Kadafi. Existem gravações de vídeos na internet mostrando uma verdadeira selvageria por parte dos mercenários e dos traidores contra os negros. Para os traidores, para os mercenários em geral, assassinar e torturar negros era o mesmo que atacar as forças leais a Kadafi. E isso foi feito em todas as cidades, vilas e aldeias por onde as tropas de traidores, ratos e mercenários passavam, deixando um rastro de destruição, torturas e mortes sem precedentes na história da Líbia.

A casa é um direito de todos
Está escrito no Livro Verde de Muamar Kadafi. A casa é um direito de cada cidadão. Em 1986, quando estive na Líbia pela primeira vez, alguns líbios me levaram para ver alguns conjuntos habitacionais recém inaugurados. Era um complexo de mais de 30 edifícios de quatro pavimentos.
Nos prédios novos havia pneus, bicicletas e tralhas penduradas para fora da área de serviço. O jovem líbio tentava justificar aquilo como se fosse uma vergonha, e em parte, sua própria culpa. Ele dizia que aqueles líbios viviam em tendas, e que pela primeira vez estavam vivendo em apartamentos. Seria uma fase de adaptação e o governo estava instruído a todos. Havia casos em que moradores depredavam portas para fazer fogueira na cozinha. Alguns não sabiam utilizar os fogões a gás e geladeiras que recebiam nos apartamentos
Somente depois de algum tempo compreendi o que se passava. Até que a Revolução liderada por Kadafi assumisse o poder na Líbia, a maioria dos líbios vivia em tendas, e a cidade de Trípoli era cercada por milhares de tendas onde viviam milhares de famílias líbias. Foi um trabalho muito grande convencer a todos a se mudarem para modernos apartamentos e residências.
No discurso de vitória da Revolução, Kadafi prometeu uma casa a cada líbio, muitos dos quais ainda viviam em tendas e casas feitas com tambores de petróleo. Ele também prometeu que seus próprios pais, que moravam numa tenda, não teriam uma casa até que todos os líbios tivessem uma casa. Kadafi insistiu até com a própria mãe para que a família permanecesse numa tenda até que todos os líbios estivessem alojados de forma apropriada. Ele cumpriu essa promessa. O próprio pai dele morreu sem antes ter a oportunidade de morar numa casa. A construção de casas em larga escala começou em todo o país. Todos os líbios receberam uma casa ou um apartamento para morar, sem custo.
Durante decadas, quando Kadafi recebia ameaças de morte por parte dos governos dos EUA, Israel e Inglaterra, Kadafi vivia em tendas árabes no deserto de Sirte, mudando constantemente de local para evitar ataques.
Em suas últimas viagens internacionais, montou tendas árabes em Paris, Nova Iorque e Venezuela, ao participar de eventos mundiais. Alguns hotéis cediam espaço para que ele mostrasse ao mundo como era a tradição árabe, e Kadafi mostrava ao mundo que mesmo sendo um líder de um país riquíssimo, se satisfazia em passar algumas noites em uma tenda de beduíno árabe.
Os gerentes de hotéis ficavam alucinados para atender um hóspede que não se negava a pagar as caras diárias, e que trocava o conforto e o luxo por simples tapetes e almofadas.

O vendedor de armas
Em uma das últimas viagens que fiz sozinho à Líbia, encontrei no avião de Roma a Trípoli um brasileiro vendedor de armas. Ele estava no mesmo voo e ao ver um boton com a bandeira do Brasil no meu paletó, iniciou conversa e ficamos de nos encontrar no hotel em que ele ficaria hospedado em Trípoli, o Bab El Bahar.
Desta vez fiquei hospedado em outro hotel, nas proximidades do Bab El Bahar, em uma rua movimentada, em um edifício bem ao lado do principal canal de televisão do país.
Na noite do dia seguinte, conforme combinamos no avião, fui ao hotel. Ele me esperava no saguão. Fomos ao seu apartamento e para minha surpresa, ele abriu uma garrafa de um excelente whisky escocês. Perguntei como era possível ter whisky em um país muçulmano onde a bebida alcoólica era considerada crime? Ele sorriu, mostrando uma obturação mal feita em um dente lateral. Tinha quase 2 metros de altura, porte militar, bem falante, comunicativo. Era, no jargão militar, um “falcão”, um soldado para missões difíceis, corajoso e objetivo. Talvez fosse um militar da reserva, ou um civil treinado por militares. Não perguntei e ele não tocou no assunto.
Perguntou o motivo da minha visita à Líbia. Falei da oportunidade de conhecer a revolução Al Fateh e o líder Muamar Kadafi. Ele seguiu com as perguntas mas preferi desviar o assunto para temas rotineiros. Perguntei sobre o comércio de venda de armas. Ele era vendedor da Bernardini, a fábrica brasileira de armamentos, e estava no país a negócios. Não disse à que veio, perguntei mas não respondeu.
Falando de assuntos triviais, ele disse que não apenas na Líbia, mas em qualquer país do mundo era possível conseguir bebida alcoólica tendo dinheiro. A gerência dos hotéis sempre tinham suas formas de agradar aos hóspedes estrangeiros que pudessem pagar por bebidas contrabandeadas.
Ele falou de algumas de suas viagens pelo mundo, nas grandes diferenças de costumes e culturas. Perguntei a diferença entre vender armas em países capitalistas e comunistas. Ele deu uma longa risada. E para minha surpresa, decidiu responder. Falou que preferia vender armas em países capitalistas, porque nesses países você sabia a quem deveria pagar propina, e pagava apenas uma vez. Nos países comunistas, disse, você nunca sabia quem realmente estava no poder, e algumas vezes acontecia de pagar propina a um general, e depois aparecer um coronel ou capitão exigindo propina para liberar o desembarque ou destravar o pagamento.
Após a segunda dose de whisky decidi encerrar a conversa. Imaginei que se fosse encontrado cambaleando pela rua teria muitos problemas. Nos despedimos e nunca mais voltei a encontra-lo. Era um bom homem. Fazendo o trabalho que lhe cabia realizar, e demonstrando simpatia por um conterrâneo que encontrara por acaso em um país no norte da África. Esse sentimento de brasilidade, de simpatia entre brasileiros no exterior, é muito comum, sendo uma marca da personalidade dos brasileiros.

A história secreta da guerra ao Iraque
No dia 20 de março de 2003, passando por cima das deliberações do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o governo Bush filho decidiu atacar o Iraque e lançou a “Operação Liberdade do Iraque”, uma mega invasão com o apoio de 30 países (governados por canalhas e covardes submissos ao imperialismo). Operação cinematográfica com transmissão ao vivo de chuva de mísseis sobre Bagdá, assassinando crianças, idosos, homens e mulheres; mas a imprensa ocidental afirmava tratar-se de “bombardeios cirúrgicos”.
O governo dos Estados Unidos da América estava decidido a derrubar Sadam Hussein para roubar o petróleo iraquiano. Para enganar a opinião pública mundial Bush filho afirmou ter provas de que o Iraque desenvolvia armas de destruição em massa, e o Secretário de Estado, Colin Powell, foi fotografado com uma amostra de antrax durante uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O governo Bush alegava que o Iraque de Sadam tinha vários estoques deste componente químico, além de outros. E nunca foi provado que o Iraque tivesse armas de destruição em massa, mas seu maior crime é ser um dos maiores produtos mundiais de petróleo, motivo pelo qual até os dias de hoje o governo dos Estados Unidos da América continua fomentando guerras (financiando terroristas do Estado Islâmico) para administrar as riquezas do povo iraquiano.
Antes da guerra, durante a fase de preparação com intensa campanha publicitária por parte dos norte-americanos, um grupo de estudantes fundou em Curitiba o Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Iraque, em 1989, para trabalhar na divulgação de fatos verdadeiros sobre a futura guerra ao Iraque. O Comitê publicou jornais, cartazes e revistas, organizou atos públicos de solidariedade em universidades e na Boca Maldita, e organizou exposições de fotografias da guerra.
No ano seguinte reunimos três integrantes do Comitê e fizemos uma viagem a Brasília para visitar a embaixada do Iraque, apresentar o trabalho realizado e pedir um canal de informação direto com as autoridades iraquianas na área de imprensa.
Na embaixada fomos recebidos pelos diplomatas, embora fosse visível o desalento de todos. Havia uma tristeza pesada dentro da embaixada, como se eles soubessem o que estava por vir.
O maior erro político de Sadam foi ter feito guerra ao Irã, um país que lutava e resistia aos ataques demagógicos dos EUA. Esse erro causou até mesmo divisões no Comitê em Curitiba, mas foram superadas diante da necessidade de defender o povo iraquiano de mais um ataque, uma prática de terrorismo de Estado por parte do governo dos EUA.
Na embaixada do Iraque conversamos por algum tempo, tomamos café, bebemos água e nos despedimos.
Nos dias que se seguiram, e durante a guerra, recebemos pelo correio informes da embaixada do Iraque sobre a guerra.
Em 2002 recebi da embaixada o email do Ministério de Imprensa e Propaganda do Iraque. No dia seguinte enviei uma mensagem apresentando o trabalho do nosso Comitê de Solidariedade, anexei fotografias de publicações, jornais, revistas e manifestações. A resposta só veio no dia seguinte, talvez por demora na tradução, mas, para minha surpresa, era assinada por Uday Hussein, filho do presidente Sadam Hussein. Na mensagem ele escreveu um agradecimento aos “irmãos brasileiros, sempre solidários com os povos injustiçados”.
As mensagens seguintes foram com informações sobre a evolução da guerra.
Em julho de 2003 Uday, com 39 anos, e seu irmão Qusay, de 37 anos, morreram em combate, lutando heroicamente contra as forças norte-americanas em uma vila de Mossul. Os mercenários e traidores dividiram entre eles o prêmio de US$ 15 milhões oferecido pela Casa Branca por suas cabeças.
Segundo o governo dos EUA, no dia 13 de dezembro de 2003 Sadam Hussein foi preso em uma chácara próxima à cidade de Al Daur , a 15 km de Tikrit, sua cidade natal. Na verdade, foi preso alguns meses antes, como vereamos a seguir.
A prisão de Sadam foi uma farsa cinematográfica que convenceu grande parte da opinião pública mundial, mas não passou de mais uma mentira do Pentágono.
Os militares norte-americanos fizeram de tudo para as câmeras mostraram um Sadam barbudo, sujo, escondido dentro de um buraco, necessitando de tratamento dentário. Dessa forma ele foi preso e levado para a prisão, para depois ser enforcado, para alegria do governo dos EUA que a partir de então poderia roubar o petróleo iraquiano com toda a tranquilidade.
Mas nem todos engoliram a estória dos norte-americanos. Um sargento do Exército dos Estados Unidos da América que participou da captura de Sadam publicou um livro em 2010 contando como teria sido na realidade a prisão do presidente iraquiano. Ele estava realmente na chácara onde foi capturado, acompanhado de aproximadamente 20 oficiais leais, mas o local foi cercado por quase 500 soldados norte-americanos. Houve intensa troca de tiros. Os oficiais de Sadam foram tombando um a um, assim como dezenas de soldados norte-americanos. Depois de horas de combate, Sadam estava ficando sem munição e guardou uma bala em sua pistola para dar o último tiro na própria cabeça. Entretanto, assim que os militares avançaram sobre a chácara, Sadam apontou a pistola para atirar, mas, o tiro falhou, não houve detonação, e apenas por este detalhe Sadam foi capturado.
Assim que foi preso, foi levado a uma prisão onde ficou, alguns meses, e depois o deixaram 15 dias sem tomar banho, sem cortar a barba e o cabelo. Enquanto isso, soldados cavaram um buraco para encenar a farsa da captura.
O livro do sargento norte-americano foi apreendido e todas as menções na internet sobre ele foram apagadas. Essa prática de apagar as provas de seus crimes não tem limites nos EUA. Todos os soldados que participaram de outra encenação, a captura e morte de Bin Laden, foram mortos. Alguns morreram em falsos acidentes de automóveis, outros em falsos roubos seguidos de morte, mas todos, sem exceção, foram executados para impedir a divulgação de mais uma farsa dos militares norte-americanos, que nunca mostraram o corpo de Bin Laden; de forma infantil, disseram que jogaram o corpo ao mar. Acredite quem quiser.
Nesses e em muitos outros casos, a verdade tem o péssimo costume de aparecer mesmo nos detalhes, e assim, retornando à farsa da prisão de Sadam Hussein, a montagem não escapou do olhar crítico de estudiosos e pesquisadores em diversas partes do mundo. As fotografias apresentadas pelo governo norte-americano serviram para enganar a opinião pública mundial, mas serviram também de prova contra os falsificadores da História.
“As imagens mostram uma chácara, uma casa simples, pobre. Ao redor aparecem tamareiras repletas de tâmaras amarelas e maduras. Mas, um fato que todo mundo sabe no Oriente Médio, é que as tamareiras só produzem seus frutos entre julho e agosto, ou seja, no verão. Elas não dão tâmaras no inverno, que no Iraque é em dezembro”, afirmou o egípcio naturalizado brasileiro e professor titular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Mohamed Habib, ex-diretor do Instituto de Biologia da instituição e atual conselheiro do Instituto de Cultura Árabe, que viveu mais de 30 anos no Oriente Médio.
Portanto, as datas apresentadas por Washington sobre a prisão de Sadam Hussein são falsas, assim tudo que envolve declarações oficiais do governo dos EUA.
A filha mais velha de Sadam comentou as imagens divulgadas pela CNN após sua captura: “Um leão segue sendo leão, inclusive na prisão”.
A revista alemã Der Spiegel, reproduziu entrevista concedida por Raghdad Sadam Hussein a um canal árabe, onde declarou que seu pai havia sido preso e drogado, sendo forjada assim sua captura. Acrescentou na entrevista, que diante das tomadas de vídeo divulgadas pelo exército americano, essa seria a única forma de explicar aquelas imagens, que mostram um Sadam completamente submisso. “Crêem vocês que o teriam podido agarrá-lo sem dopá-lo previamente? Estou segura que não”. “Onde está a imunidade de que gozam os chefes de Estado?” perguntou. E ainda: “Sinto-me orgulhosa de que este homem seja meu pai” – conclui Raghdad.
Depois que as tropas do diabo passaram pelo Iraque (relembrando as palavras do aiatolá Komeini), o país experimentou o inferno: sangue, torturas e destruição, miséria, fome e desespero, e a vinda de terroristas da Al Qaeda e Estado Islâmico, movimentos terroristas financiados por potências ocidentais para tentar derrubar o governo sírio. Os governos dos EUA, Israel, Inglaterra, França, manipulam a opinião pública mundial afirmando que combatem o Estado Islâmico, mas na verdade fornecem armas e dinheiro para fomentar guerras e vender armas no mundo árabe.
Apenas em um dos centros de torturas montados e administrados por militares norte-americanos, a Penitenciária de Abu Graib, milhares de iraquianos foram torturados e assassinados. Fotografias que correram o mundo revelaram que os norte-americanos eletrecutavam os prisioneiros, colocavam cães para ataca-los, e os obrigavam a fazer sexo entre eles. Diante das repercussões das fotografias, alguns soldados foram julgados pela justiça dos EUA e condenados a penas brandas, e em abril de 2014 o centro de torturas do Exército dos EUA foi fechado.
Quando Sadam Hussein estava preso, uma de suas advogadas mais proeminentes foi a filha de Muamar Kadafi, Aisha Kadafi. Ela assumiu a defesa de Sadam não por interesses financeiros, porque Sadam não tinha como pagar advogados, mas apenas por solidariedade. Aisha foi embaixadora da Boa Vontade da ONU e defendeu, entre outros,  Muntadhar al-Zaidi, conhecido por ter atirado um sapato no ex-presidente dos EUA, George W. Bush. Aisha preside o grupo de caridade “Wa Ittassimou”.
Enquanto advogada de Sadam Hussein, Aisha denunciou ao mundo a farsa do julgamento de um tribunal iraquiano subserviente ao governo dos EUA, totalmente manipulado e corrompido.

Hollywood – Lixo cultural
Uma das maiores desgraças culturais da humanidade é o lixo diário produzido por Hollywood.
A chamada indústria do entretenimento é uma poderosa fábrica de mentiras para manipular e corromper as pessoas, a serviço dos maiores criminosos do mundo: a indústria bélica e petrolífera.
Os países imperialistas precisam de um instrumento de dominação para enganar e iludir sua própria população. Hollywood faz este serviço, sendo um câncer para a humanidade.
No passado, os filmes mostravam os heróis – mocinhos – norte-americanos lutando contra índios malvados, ladrões, estupradores alcoolizados. Além de roubarem as terras dos índios, assassinarem e dizimarem tribos inteiras, ainda mostravam ao mundo o inverso, a mentira: o índio como bandido e o soldado ou mercenário norte-americano como herói, quando sabemos que na verdade o índio foi a vítima e o anglo-saxão (norte-americano) o invasor e assassino.
O mesmo fizeram na guerra do Vietnã, mostrando as vítimas como bandidos e o invasor como herói. Afinal, para que foi feita a guerra do Vietnã senão para expandir o poder militar norte-americana, na pretensa dominação do mundo? Mas não era Hitler o ditador que tentava dominar o mundo?
O lixo cultural de Hollywood mostra os norte-americanos como “combatentes da liberdade” enquanto eles fazem guerras para dominar o mundo. E ainda pior, disseminam ódio desenfreado e irracional como no filme “Bastardos Inglórios”, uma idiotice sangrenta para sensibilizar idiotas nas salas de cinema de todo o mundo, legitimando a tortura e os crimes de guerra, ou seja, formando uma plateia de monstros.
Os mocinhos são sempre os norte-americanos, afirmam os filmes de Hollywood, mas a verdade é outra. As vítimas são mostradas como vilões para que continuem as matanças pela dominação mundial.
Os idiotas que aplaudiram nas salas de cinema a morte dos índios geraram filhos idiotas que aplaudiram a morte de vietcongues e alemães, e seus netos idiotas hoje aplaudem a morte de árabes nas salas de cinema em todo o mundo. Todos vítimas do lixo cultural chamado Hollywood.
...
Em 2012 o embaixador dos Estados Unidos da América, a maior potência militar do planeta, foi linchado e morto nas ruas da cidade de Benghazi. Fotografias e vídeos mostrando o linchamento do embaixador percorreram o mundo. Uma vergonha para o governo norte-americano. Uma prova concreta da incompetência dos governantes e militares dos EUA.
Chris Stevens, o embaixador, estava envolvido em pagamentos de grupos de mercenários (que mais tarde descobriram tratar-se de terroristas) para fazer guerra e desestabilizar o governo da Líbia. O consulado dos EUA em Benghazi foi transformado em uma verdadeira fortaleza pela CIA e militares norte-americanos. E foi justamente no consulado, durante um acerto de contas com terroristas, que o embaixador Chris Stevens se negou a fazer um pagamento a um grupo de mercenários. Por motivos de corrupção o dinheiro ficou pelo caminho entre Washington e Trípoli, e não chegou às mãos do embaixador à tempo. Resultado: ele foi linchado, arrastado pelas ruas como um criminoso qualquer, torturado até à morte, e fotos e vídeos de sua morte correram o mundo.
Felizmente, para que a vergonha dos EUA não fosse tão grande, a indústria cinematográfica de Hollywood veio novamente em socorro de Washington, e produziu um filme onde mais uma vez os bandidos são mostrados como heróis, e os heróis como bandidos.
Há tempos que os Estados Unidos da América ganha guerras apenas nos filmes, na ficção. Wollywood está a serviço do entretenimento, isto é, da diversão, sem compromisso com a realidade ou a verdade dos fatos. O cinema norte-americano é dominado, na sua maioria, por judeus sionistas que manipulam a história em benefício próprio. O filme “13 Horas – Os soldados secretos de Benghazi” é mais um exemplo dessa manipulação criminosa e mentirosa.
Baseado em fatos reais, o longa conta a estória de um grupo de seis soldados privados (mercenários) que trabalham num complexo da CIA em Benghazi, na Líbia, em 2012. Em um aniversário dos atentados de 11 de setembro, eles precisaram defender um centro de espionagem disfarçado de consulado dos EUA que recebe a visita do embaixador americano, e que, obviamente, será alvo de terroristas. O filme lançado em 2016 é dirigido por Michael Bay e tem no elenco John Krasinski, James Badge Dale e Max Martini.
A estória começa com cenas de 20 de outubro de 2011, quando mercenários e traidores líbios assassinaram o líder Muamar Kadafi em Sirte. 
Mostra o embaixador norte-americano Chris Stevens como um patriota bem intencionado, viajando de Trípoli a Benghazi para participar de reunião na prefeitura local com apenas 2 guarda-costas (algo impossível). Em zonas de guerra embaixadores se deslocam – quando se deslocam – com um verdadeiro exército de guarda-costas. Neste caso o número de guarda-costas foi reduzido em função da incompetência de Hillary Clinton, que na época não autorizou o reforço na segurança do embaixador que acabou linchado até a morte pelas ruas de Benghazi, ao lado de outros 4 agentes da CIA.
No filme os líbios são apresentados como vítimas do “ditador Kadafi”. Os norte-americanos são os mocinhos que chegaram para salvar a todos trazendo a democracia.
Os soldados privados – leia-se mercenários norte-americanos – são mostrados como mocinhos, bonzinhos, patriotas, generosos, pais de famílias. Nada mais falso. Na maioria das vezes esses “soldados privados” são mercenários ensandecidos, psicopatas, criminosos da pior espécie. No Iraque ficaram conhecidos como ‘cachorros loucos”. Após servir nas guerras norte-americanas, voltam para os Estados Unidos para trabalhar como seguranças nos cassinos de Las Vegas e/ou na máfia, quadrilhas de traficantes etc.
O filme só não mostra a verdade. Não mostra que a Líbia, sob a liderança de Kadafi era o país com melhor IDH da África, um país solidário que financiava projetos de saúde em dezenas de países africanos. 
O filme não mostra que em 1986 o governo norte-americano bombardeou a Líbia mas não conseguiu vencer a resistência do valente povo árabe líbio. Em 2011 o governo dos EUA recorreu aos seus fantoches, os governos da França, Inglaterra, Itália, Canadá entre outros, para bombardear a Líbia, fazendo o serviço sujo que não conseguiram fazer em 1986. 
Hoje a Líbia é um país com campos de petróleo ocupados por tropas militares norte-americanas e inglesas, para permitir o roubo do petróleo, com a desculpa esfarrapada de “pagar despesas com a guerra”. Isso o filme não mostra, assim como também não mostra o país destruído e dividido, bombardeado por potências terroristas que não pouparam nem mesmo a canalização do rio artificial que trazia água da fronteira com o Egito para irrigar cidades do deserto líbio. Os canais de água estão secos e a população líbia voltou a sofrer com a falta de água.
A Líbia foi destruída em sua infraestrutura em 2011 e seu líder Muamar Kadafi foi assassinado, martirizado. Morreu de forma heroica, lutando até o final, mesmo sabendo ser impossível vencer a união das potências imperialistas que enfrentava.
Em resumo, o filme “13 Horas – Os soldados secretos de Benghazi” é mais um enlatado de Wollywood, a serviço da mentira e da difamação.
O papel de Hollywood, ainda que sub-repticiamente, é envenenar os costumes e as tradições dos povos, impondo o modo de vida norte-americano e suas características mais diabólicas: o consumismo desenfreado, o consumo de drogas, a pedofilia e a pornografia.
As vezes a verdade aparece, como no caso do ator Elija Wood, protagonista da famosa saga “Senhor dos Anéis”, que falou a verdade sobre a pedofilia em Hollywood, alegando que toda a indústria hollywoodiana é dominada por um círculo de pedófilos blindado por ligações com a elite em Washington, D.C. 
O ator de 35 anos de idade disse que Hollywood está inserida num escândalo de abusos sexuais que envolve “figuras muito poderosas”, protegidas por conexões políticas “direto com figuras do topo do poder”.
Recentemente, na campanha presidencial nos Estados Unidos da América, tivemos denúncias de assessores diretos da então candidata Hillary Clinton envolvidos em pedofilia, alguns dos quais já haviam respondido na justiça por esse crime hediondo.
Elijah, que fez sua primeira atuação no filme “De Volta Para o Futuro II”, com apenas oito anos de idade, disse que teve sorte em ser protegido pela mãe quando foram para Hollywood, já que ela não permitia que ele fosse nos tipos de festas frequentadas por pedófilos, onde aliciavam crianças e adolescentes.
Outro ator, Corey Feldman, que também começou a carreira ainda na infância, descreveu como ele mesmo e seu melhor amigo, Corey Haim, foram molestados por “velhos com bastante poder”, que aliciavam crianças cercando-as como “abutres” em festas organizadas pelas elites de Tinsel Town. Feldman atribui o alcoolismo, o vício em drogas e a morte do amigo ao abuso sofrido por ele na infância.
Elija Wood alega que o escândalo de Hollywood está numa escala similar ao de Jimmy Savile no Reino Unido, no qual a ex-estrela de TV, que teve uma relação próxima com a Família Real britânica, não só foi um pedófilo em série (que literalmente abusou de centenas de crianças), mas que também aliciava crianças para grupos de pedófilos da monarquia britânica e do centro do poder político.
“Há um monte de víboras nessa indústria, gente que só têm os próprios interesses em mente”, declarou o ator. “Há uma escuridão no ventre – se você conseguir imaginar isso, é porque isso provavelmente aconteceu”. Recentemente, centenas de prisões foram efetuadas ao longo da Califórnia, numa grande operação contra a pedofilia para enfraquecer o tráfico humano. 
Apesar de parecer que as autoridades estão tomando uma posição ativa contra o tráfico e abuso infantis, alguns temem que as “figuras poderosas” (governantes) que estão no topo da cadeia desse escândalo de pedofilia permaneçam intocáveis. E mais, com a decisão do presidente Trump de separar crianças dos pais nas detenções de imigrantes ilegais, as crianças colocadas em centros de triagem do estado norte-americano serão presas fáceis para pedófilos.
Wood disse que o abuso prevalece porque as vítimas não conseguem falar tão alto quanto aqueles que estão no poder. “Essa é a tragédia de tentar revelar o que está acontecendo com pessoas inocentes”, disse ele. “Eles podem até ser esmagados, mas as vidas dessas pessoas foram irreparavelmente prejudicadas”. 
Anne Henry, cofundadora da Bizparents, uma organização criada para ajudar jovens atores, alega que Hollywood está abrigando “100 pedófilos ativos” e que uma “tsunami de acusações” está se formando. Entretanto, é muito provável que essas denúncias, na sua maioria, sejam abafadas por pagamentos milionários ou ameaças pura e simples.
A pedofilia nos EUA, assim como o consumo de drogas, é uma praga que parece ter dominado grande parte de sua esfera de poder e da indústria do entretenimento, revelando que a sociedade norte-americana está profundamente doente, destruída em seus sustentáculos morais e sanitários pela indústria perniciosa e corruptora de Wollywood.
Ao exportar esse “modo de vida”, o governo norte-americano pretende infectar e corromper todos os povos e nações do mundo.

Um chinês fala sobre a Guerra da Coreia
Após o almoço, eu e alguns amigos latino-americanos fomos ao café para conversar. Na mesa ao lado, um jovem chinês, chamado Lee, está contando para um grupo de cinco líbios as façanhas de Mao Tse Tung nas guerras para expulsar os imperialistas ingleses e norte-americanos na unificação da China. Decidimos juntar as mesas e ouvimos com atenção. Neste ponto Lee falava sobre a Guerra da Coreia (1950-1953).
Para evitar que a Coreia do Norte fosse invadida e ocupada por norte-americanos na Guerra da Coreia, se apresentaram como voluntários para lutar na guerra ao lado dos coreanos aproximadamente 3 milhões de chineses, entre eles o filho mais velho do líder Mao Tse Tung, AnYng.
A decisão dos chineses entrarem na guerra foi tomada após saberem dos massacres provocados pelos norte-americanos, bombardeando durante a noite vilas, aldeias e cidades coreanas, praticando o verdadeiro terrorismo de Estado. Além desses ataques covardes que mataram 1 em cada 3 coreanos, os militares norte-americanos utilizaram – de forma criminosa – armas bacteriológicas na Coreia, bombas com vírus de doenças praticamente desconhecidas pelos coreanos como cólera, meningite e outros tipos de doenças que na época eram chamadas de peste.
A indignação tomou conta de parte dos chineses e eles partiram para guerrear na Coreia, com o apoio do líder Mao Tse Tung.
Um jovem norte-americano, do movimento Panteras Negras, ouviu a conversa e se aproximou, interrompeu e disse que seu avô, um militar norte-americano, lutou na guerra da Coreia, e ele contava que as tropas norte-americanas estavam no alto de uma montanha quando viram ao longe as primeiras tropas chinesas entrando nos territórios ocupados pelos norte-americanos. Ele disse que o avô falava que a vista era de um imenso formigueiro sendo provocado. Imensas quantidades de soldados chineses marchavam, aproximadamente mais de 50 mil. Os montes coreanos começaram a ficar vermelhos de tantas bandeiras chinesas, e então os comandantes norte-americanos ordenaram a retirada. Os militares norte-americanos fugiam desesperados deixando para trás as barracas, canhões, munições e até roupas. Foi um salve-se quem puder. Soldados derrubavam oficiais dos veículos para fugir dos chineses.
O jovem Lee agradeceu as palavras do jovem norte-americano e voltou a contar a história da guerra da Coreia.
O filho de Mao Tse Tung, AnYng, morreu em combate aos 28 anos de idade, como um verdadeiro herói, durante um ataque aéreo norte-americano ao QG de Peng De-Huai, em 25 de novembro de 1950.
Diante das sucessivas derrotas das tropas norte-americanas, o governo dos EUA conseguiu aprovar na ONU uma resolução condenando a Coreia do Norte.
Além do apoio chinês, o líder coreano Kim Il Sung comandava desde o Monte Paektu os guerrilheiros e revolucionários coreanos para fustigar e derrotar os norte-americanos em todas as frentes. Com o fracasso de sua guerra de agressão à Coreia, o governo dos EUA conseguiu reunir – através de subornos e ameaças – 20 nações para lutar contra a Coreia do Norte.
Essa aberração praticada pelas Nações Unidas foi decisiva para que os chineses corressem em socorro de seus irmãos coreanos, aumentando as forças do líder Kim Il Sung, e expulsando os norte-americanos e militares de 20 nações do território norte-coreano, até o Paralelo 38.
A guerra de ocupação fracassada da Coreia, liderada pelos EUA custou a vida de mais de 3 milhões de pessoas, na maioria civis coreanos.
Diante da derrota sofrida, os norte-americanos instalaram diversas bases militares na Coreia do Sul, de onde promovem ameaças e provocações anualmente, durante exercícios militares, onde até mesmo aviões transportando bombas atômicas são usados pelos norte-americanos.
A exposição do jovem chinês foi interrompida pelo líbio Gamal que nos avisou que devíamos partir em visita a uma universidade de Trípoli, onde haveria palestras de professores líbios sobre a Terceira Teoria Universal – O Livro Verde.

Imprensa ocidental canalha
Nas últimas decadas – após a derrota no Vietnã – o governo dos EUA aprendeu a domesticar e controlar a chamada grande imprensa para manipular a opinião pública.
Hoje em dia os grandes meios de comunicação são abastecidos de notícias pelas agências internacionais de notícias, e no Brasil a maioria dos veículos de comunicação compra notícias de agências norte-americanas. As agências de notícias norte-americanas, por sua vez, são abastecidas pelo Pentágono, isto é, não há mais notícias, mas apenas propaganda militar sub-reptícia.
Nos últimos anos os grandes meios de comunicação perdem audiência para a internet, porque grande parte da população já se deu conta que está sendo manipulada pelos grandes meios de comunicação.
Este servilismo ao império norte-americano não é gratuito: os grandes meios de comunicação recebem dinheiro de governos estrangeiros, indústria bélica, petrolífera e sistema financeiro internacional, além de verbas dos maiores anunciantes.
Ao leitor ou telespectador brasileiro, isto é, a maioria do povo brasileiro, é muito mais interessante saber o que acontece na Argentina, Paraguai, Bolívia, Venezuela, porque são países fronteiriços, mas os barões da mídia entopem os noticiários com notícias dos EUA, Reino Unido, França, entre outros. Ora, o que interessa o natal e ano novo em Nova Iorque, onde 100 mil pessoas vão às ruas cercados por 10 mil policiais? Seria muito mais interessante saber o que acontece em Buenos Aires, Montevideo, por exemplo, que são países próximos e com os quais temos algum tipo de interação. Entretanto, os milionários e ricos brasileiros tem mansões ou apartamentos em Miami, e também por isso a mídia não direciona seu enfoque para os países vizinhos, povos irmãos.
A subserviência da mídia nativa é tão repugnante que chega a ponto de apoiar – indiretamente – os extremistas da Al Qaeda e Estado Islâmico na Síria e Iraque, para “derrubar o ditador Al Assad”. Ora, o presidente da Síria está lutando heroicamente contra os terroristas financiados pelos EUA, Reino Unido, França, Turquia, Israel, Arábia Saudita e Catar. Todo mundo sabe disso, mas a chamada grande imprensa faz de conta que não sabe e repete exaustivamente o discurso do Pentágono porque por trás da guerra à Síria e Iraque estão os interesses do sistema financeiro internacional (que domina os governos dos EUA, Reino Unido e França) em atravessar um oleoduto pela região para concorrer com o fornecimento de gás e petróleo da Rússia para a Europa.
Os massacres diários promovidos pela Arábia Saudita, EUA e Israel no Yemen são esquecidos pela mídia, mais interessada em denunciar grupos extremistas que atuam no país. Milhares de crianças assassinadas diariamente, impunemente, não são notícias na mídia canalha.
Houvesse justiça no mundo os proprietários dos grandes meios de comunicação do Ocidente seriam julgados por tribunais penais internacionais por cumplicidade em guerras e genocídios; mas a nossa civilização ainda não evoluiu o suficiente.


Kadafi, o orador
Kadafi era um excelente orador. A imprensa ocidental dizia que ele hipnotizava as multidões, mas na verdade ele tocava nos corações das pessoas porque falava a verdade.
Durante minhas viagens à Líbia, assisti a mais ou menos 15 palestras do líder líbio, desde pequenos auditórios até em gigantescos auditórios como o do Palácio Verde, com capacidade para 3 mil pessoas. E todas as vezes os auditórios estavam lotados.
Após ouvir um discurso de Kadafi era impossível esquecer suas palavras porque ele discorria com clareza e objetividade, apresentava soluções e convocava à luta.
Mesmo com o expediente da tradução, a entonação das palavras eram vibrantes e contagiantes. Em diversos vídeos no youtube do período da guerra de ocupação da Líbia pelos EUA/Otan, podemos ouvir os discursos inflamados do líder Kadafi. Palavras que partem do coração são muito poderosas. Penso que se Kadafi discursasse com o mesmo entusiasmo para uma montanha, até as pedras o seguiriam.
Lideranças políticas de vários países, nomes de destaque como Farrakhan (EUA), Daniel Ortega (Nicarágua), Evo Moralez (Bolívia), Nelson Mandela (África do Sul) além de líderes sindicais famosos de países orientais e ocidentais estavam sempre presentes nos grandes eventos da Líbia.
Assim como Gamal Abdel Nasser, Hugo Chávez, Ho Chi Min e Fidel Castro, Kadafi fazia longos discursos, alguns de até 2 horas, mas por serem tão bons, emocionantes e cativantes, o tempo voava e o público ficava por um longo tempo com uma sensação muito boa de paz e serenidade, como se o tempo parasse. Em um desses discursos no Palácio Verde, Kadafi falou por 2 horas, e ninguém se sentou porque a vibração era intensa, havia uma energia positiva no ar que tocava a todos, e todos os discursos terminavam com os participantes gritando o nome de Kadafi e aplaudindo de pé por algum tempo. Muitas pessoas derramavam lágrimas de emoção.
Comparem os discursos dos verdadeiros líderes dos povos e verão que os governantes ocidentais ou pró-ocidente são passam de sombras insignificantes, merdinhas cumprindo papéis lamentáveis na história da humanidade.
...
Os Estados Unidos lançam em 14 de abril de 1986, por ordem de seu presidente Ronald Reagan (1981-1989), ataques aéreos contra a Líbia. O raid, que começou pouco antes das duas da madrugada na Líbia, envolveu mais de 100 aviões da Força Aérea e da Marinha e demorou cerca de uma hora lançando bombas.
Durante a madrugada os pilotos norte-americanos atiravam à esmo, bombardeando edifícios residenciais, casas, estabelecimentos comerciais etc. Para a imprensa, afirmavam que atacam apenas alvos militares, uma grande mentira como ficou provado com fotografias mostrando os estragos em bairros residenciais. Mas o grande alvo deste ataque foi a residência de Muamar Kadafi, onde ele se encontrava com a família. Neste bombardeio a filha de Kadafi, Hanna, de apenas 2 anos de idade, foi morta.
Um dia antes do ataque, estamos no hotel Bab El Bahar participando de um encontro político-cultural. Por volta das 10 horas da manhã, a televisão líbia interrompeu a programação e começou a tocar hinos militares. Quem viaja pelos países árabes sabe o que isso significa: guerra. Imediatamente os líbios começaram a se movimentar rapidamente e nos orientaram a subir aos apartamentos, arrumar as malas e descer ao saguão do hotel para seguirmos ao aeroporto e retornar ao Brasil.
Tudo foi feito rapidamente. Ao chegar ao saguão uma van estava nos aguardando. Entramos e seguimos para o aeroporto, onde encontramos milhares de pessoas tentando embarcar para fugir de algo terrível que se aproximava.
Os líbios sabiam com antecedência do ataque do dia seguinte. Diversos agentes da CIA e do FBI estavam na lista de pagamento do governo líbio e colaboravam com informações cruciais, entre elas, a informação do ataque no dia seguinte.
No aeroporto fomos guiados por agentes de segurança que evitaram as filas e a burocracia de embarque. Nosso grupo era formado por europeus, latino-americanos e caribenhos. Tomamos um avião com destino a Casablanca, no Marrocos. E assim que tomamos nossos lugares no avião, o piloto explicou que a viagem seria feita em baixa altitude para fugir dos radares norte-americanos.
Um boeing sobrevoando as dunas do deserto não é algo que você vê todos os dias. A viagem foi tensa o tempo todo. Os passageiros e tripulação sabiam que havia o risco do avião ser bombardeado por caças norte-americanos estacionados em um porta-aviões no Golfo de Sirte.
Ao entrar no espaço aéreo da Tunísia sem autorização, o avião foi seguido por caças tunisianos e obrigado a fazer um pouso na capital, Túnis. O avião pousou e imediatamente mais de 20 militares tunisianos entraram na aeronave com fuzis apontados para os passageiros e tripulação, aos gritos de “terroristas, terroristas”. Todos foram obrigados a colocar as mãos para o alto enquanto o piloto dava explicações aos militares tunisianos. Após alguns minutos de explicações e ligações telefônicas, o problema foi resolvido e os tunisianos foram informados que tratava-se de passageiros estudantes, trabalhadores, intelectuais, jornalistas etc, retornando da Líbia em um voo não programado. O então presidente da Tunísia era amigo de Kadafi e a ordem foi para que seguíssemos viagem sem nem mesmo descer no aeroporto para questões burocráticas e alfandegárias.
O avião levantou voo e seguimos para Casablanca, onde já havia reservas para o Rio de Janeiro.

Forum Social Mundial
Durante as realizações dos fóruns sociais mundiais em Porto Alegre os kadafistas brasileiros participaram de todos. Os membros do Movimento dos Comitês Revolucionários, chamados de kadafistas, elegeram representantes para participar dos fóruns por regiões. Na maioria deles participaram o professor Armando do Rio de Janeiro, que depois se converteu ao islamismo e passou a se chamar Ahmed; Acilino do Piauí, Ajuad de Goiás, e eu pelo Paraná, mas pela proximidade, sempre participavam mais 4 ou 5 paranaenses. De outros países latino-americanos, do nosso movimento, participaram Angel do Equador, Richard e José Luiz da Venezuela, Fernando Moya da Bolívia, além de outros companheiros da Nicarágua.
Em alguns eventos organizamos palestras de professores universitários e intelectuais líbios e participamos ativamente de debates sobre democracia direta.
Em 2002, os líbios presentes decidiram enviar uma delegação para acompanhar na Argentina os levantes populares naquele país. Eles esperavam que o povo argentino decidisse sepultar a democracia parlamentar e construir o poder popular através de Comitês Populares. Nossa missão era se infiltrar nas manifestações argentinas e descobrir a possibilidade de construir o poder popular.
Logo após o Forum Social, partimos rumo a Buenos Aires. O grupo escolhido foi formado por: brasileiros eu e Armando, boliviano Fernando Moya, venezuelanos Richard e José Luiz e o equatoriano Angel.
Desembarcamos no aeroporto de Carrasco e seguimos para o centro da cidade. Não tínhamos feito reserva de hotel e decidimos procurar um hotel nas proximidades da Casa Rosada, o palácio presidencial, ou do Congresso Nacional. Encontramos um hotel entre os dois imponentes edifícios. Um hotel antigo, onde no passado se hospedaram celebridades e presidentes de repúblicas, mas que hoje cheirava a mofo e o elevador rangia o tempo todo.
Os donos do hotel eram dois velhinhos que passavam o dia tomando mate e ouvindo tango em um pequeno rádio portátil.
Após uma boa noite de sono, ao amanhecer o dia decidimos visitar a sede das Mães da Plaza de Mayo, para comprar livros e recuerdos. Depois seguimos para a frente do Congresso onde havia uma manifestação. Decidimos nos separar e marcar um ponto de encontro para duas horas depois.
Eu e o Armando entramos numa passeata de jovens de bairros, nos identificamos para a liderança e fomos bem recebidos. Marchamos com eles a maior parte do tempo. Depois seguimos outra manifestação nas proximidades da casa Rosada.
No final do dia nos reunimos e concluímos que aquelas manifestações não evoluiriam – ao menos a curto prazo – para a construção de Comitês Populares. Eram apenas manifestações para trocar o presidente – e trocaram 2 presidentes em trinta dias –, além de algumas reivindicações de mudanças na política de habitação e moradia, educação, entre outras.
A passagem do grupo por Buenos Aires chamou a atenção de grupos nacionalistas locais, uma vez que Kadafi havia apoiado com armas os argentinos na Guerra das Malvinas. Um dos brasileiros foi contactado e chegou a almoçar com membros do movimento de apoio ao coronel Seineldin, um herói nacional que caiu em desgraça – na mídia, mas não no coração dos argentinos – ao invadir o Congresso Nacional com militares simpatizantes. O brasileiro kadafista almoçou com lideranças nacionalistas em uma grande churrascaria no Porto Madero, mas sobre o que conversaram, apenas os líbios souberam.
Um mês depois retornei a Buenos Aires, desta vez sozinho, para verificar a continuidade das manifestações populares. A visita resultou no livro “Argentina Conflagrada”.
Anos depois participamos de um encontro latino-americano de Movimentos Revolucionários em Caracas, na Venezuela.
A relação do nosso movimento com o presidente Hugo Chávez era das melhores. Quando Chávez visitou Curitiba, a convite do então governador do Estado do Paraná, Roberto Requião, algumas reuniões com membros da segurança pessoal do presidente venezuelano foram realizadas com membros do nosso movimento, incluindo o estudo do plano de deslocamento aeroporto-centro da cidade.
Durante todo o tempo os kadafistas serviram de fonte de contatos dos venezuelanos, informando, por exemplo, locais onde os sionistas se reuniam na cidade e localização da chácara onde agentes da CIA se encontravam na região metropolitana de Curitiba. Esses locais foram monitorados enquanto durou a visita de Chávez a Curitiba.
Após o martírio de Muamar Kadafi, o Movimento dos Comitês Revolucionários fez aproximação com o presidente Hugo Chávez, e ele deveria ser o sucessor de Kadafi na direção do movimento mundial, mas com a sua morte, as ligações políticas com o governo da Venezuela foram rompidas porque Maduro não tinha com a Líbia o mesmo trânsito que Chávez. Entretanto, quando Hugo Chávez foi preso em um golpe de Estado liderado pelo empresário Carmona, diversos kadafistas venezuelanos pegaram em armas na Venezuela para defender a libertação e a volta de Chávez ao poder. E por esse motivo esses kadafistas venezuelanos eram sempre reverenciados no movimento.
Com o martírio de Kadafi o Movimento dos Comitês Revolucionários no Brasil rachou, adotou outros nomes, no Paraná virou Marcha Verde. Hoje os grupos originários do primeiro movimento não se encontram e não mantem contatos, por divergências políticas, mas seguem atuando e militando dentro de suas possibilidades.
Diversos líbios que sobreviveram aos ataques dos EUA/Otan e seguem morando na Líbia, seja em Trípoli ou em campos de refugiados, mantem contatos por email com kadafistas ex-membros do Movimento dos Comitês Revolucionários no Brasil. Esses contatos servem para manter os movimentos informados sobre a verdadeira situação política naquele país.
A única forma de reunificar os kadafistas do Brasil e dos países da América Latina, segundo seus membros, é através da volta do filho de Kadafi ao poder na Líbia, Islam Al Kadafi, ou da filha Aisha Kadafi. E todos apostam que isso acontecerá, mais cedo ou mais tarde.

Uma namorada na Líbia
Sempre que viajava à Líbia levava CDs de samba e música popular brasileira para dar de presente para as pessoas com as quais fazia contato ou amizade. Em uma dessas viagens, numa faculdade, conheci algumas garotas líbias, e sem ser convidado, fui até um grupo de estudantes e ofereci CDs de presentes a elas. Conversamos um pouco em inglês e uma delas me chamou a atenção por não usar véu e por se mostrar mais curiosa em relação ao Brasil.
Conversamos durante mais de uma hora, até que os guias líbios chamaram os convidados a retornar ao hotel. O motivo da presença na faculdade líbia era participar de palestras sobre o Livro Verde. Os estudantes locais interagiam com os visitantes de forma muito respeitosa e cordial.
Essa garota que me chamou à atenção, não recordo o nome, tinha pele clara e cabelos pretos. Grandes olhos negros. Trocamos e-mails e durante as outras viagens nunca a reencontrei. Por email conversamos diversas vezes, até que compreendi a intransponível barreira cultural entre nós. Apesar da idade, 19 anos, ela era muito ingênua. Mandava fotos de animais e flores por email, bichinhos, desenhos que no ocidente são mais usados por crianças. Foi então que decidi romper nosso contato porque os costumes eram muito diferentes, não havia sintonia em assuntos, música, literatura, nada.
Ainda hoje tenho a fotografia que ela me enviou pelo correio, uma foto 3X4, que guardo com carinho junto às fotos das 19 viagens que fiz à Líbia.
Em outra oportunidade, na cidade de Benghazi, no complexo turístico, tivemos a sorte de participar de um encontro em pleno verão. As praias estavam lotadas e o complexo turístico abrigava mais de mil pessoas. Era uma festa todas as noites, com grupos musicais se apresentando à beira mar ou nos corredores e pátios do hotel.
Em um dos intervalos do encontro internacional que participamos, fui até o bar, ao ar livre, onde serviam refrigerantes, sucos de frutas e cafés. Sentado confortavelmente no bar, ouvindo uma música árabe muito bonita, olhei em uma das mesas próximas e vi um grupo de 4 garotas, aparentemente da mesma família. Negras, a pele queimada pelo sol do deserto líbio, os traços do rosto delicados e lindos. Troquei rápidos olhares com a garota, que desviava o olhar quando eu a encarava. Ficamos naquela brincadeira de olhar e fugir do olhar por alguns momentos. As amigas perceberam a situação e saíram para caminhar na praia. Imediatamente me levantei e fui até a mesa dela, após pedir permissão com gestos. Puxei conversa em inglês mas, ela não falava uma palavra de inglês. Tentei espanhol, nada. Ela só falava árabe.
Sem que eu percebesse, um dos líbios que servia de guia para o nosso grupo, estava de longe observando a cena. Ela se aproximou e disse: “Posso traduzir para vocês, mas nada de beijinho no rosto ou pegar na mão dela; você não está no Brasil”. E assim conversamos por meia hora. Ela se chamava Lâmia (nome de uma rainha líbia, segundo a mitologia grega) estava com a família no complexo turístico de Benghazi passando férias. Ficaria no local com a família por 20 dias. Tinha ouvido falar do Brasil porque tinha um tio que foi diplomata e serviu no Brasil por algum tempo.
A medida que conversávamos, sentia uma aproximação maior com ela, embora nenhum gesto ou demonstração de afeto ficasse claro. Os olhares ficavam mais intensos. O líbio percebeu e disse que eu poderia voltar a noite para conversar com ela. O irmão dela falava inglês e faria a tradução. Concordei, mas depois me arrependi.
No horário combinado, após o jantar, fiquei aguardando na mesma mesa do bar e ela chegou um pouco atrasada com o irmão e duas irmãs. Desta vez a conversa foi tensa. O irmão ficava criticando palavras que ela dizia e eu não entendia. Ficamos conversando através do intérprete desconfiando e nervoso por 10 minutos e nos despedimos.
No outro dia, o guia líbio disse que se eu tinha interesse em seguir com aquele relacionamento, deveria pensar muito bem, porque para ela não era uma simples aventura. Ela demonstrou que desejava um relacionamento sério, e isso significava casamento. Perguntou se eu estava disposto a leva-la para o Brasil como esposa, não agora, claro, mas após um período de namoro e noivado. Eu estava apaixonado. Falei sim. Faria qualquer coisa no mundo para estar com ela.
No dia seguinte, no mesmo horário, nos encontramos no mesmo local. Desta vez estávamos sós porque o irmão não veio. Ficamos por mais de uma hora sorrindo, fazendo sinais, tentando uma comunicação que parecia impossível. Na mesa ao lado, quatro líbios, amigos do movimento, nos observam e sorriam. Parecia que estavam achando a situação engraçada.
Da mesa onde estávamos o mar mediterrâneo ficava há 80 metros, com seu azul faiscante. Músicas árabes românticas tocavam o tempo todo. Uma brisa fresca vinha do mar e foram momentos mágicos. É inacreditável como pode ser intenso um momento romântico apenas com olhares e sorrisos. Eu dormia e acordava pensado nela. Fiz várias fotos mas ela ficava séria quando via a máquina fotográfica.
No dia seguinte o guia líbio me chamou e disse que o irmão dela o procurou. Disse que falou com o tio e teve boas referências, mas pediu que o guia explicasse os costumes árabes, a tradição rígida. O guia falou que ao voltar ao Brasil eu deveria dar uma demonstração de amizade para com o irmão dela, que desejava receber de presente um Playstation, algo que custaria em torno de 900 dólares mais despesa de transporte para a Líbia. Depois eu deveria voltar à Líbia para visitar e conhecer a família dela. Havendo aprovação, haveria a discussão sobre o valor do dote.
No outro dia falei com alguns amigos líbios e eles me contaram que diante do alto padrão de vida dos líbios, um dote para uma garota líbia de classe média não sairia por menos de 50 mil dólares. Quase caí da cadeira. Impossível conseguir esse dinheiro. Foi nesse momento que o meu amor por ela começou a morrer.
O dote, ao contrário do que a imprensa ocidental afirma, não é um dinheiro com o qual o marido compra a filha do pai. Não é nada disso. O dote é uma forma de garantir o futuro da mulher em caso de separação. É acertado um valor que, em caso de separação, a mulher tenha recursos para seguir sua vida sem precisar perder tempo com demandas judiciais intermináveis.
Na qualidade de brasileiro mal remunerado, desisti da ideia do casamento e voltei para o Brasil com algumas fotografias da minha ex-namorada líbia.
O guia me falou que talvez a família não exigisse o dote pelo fato de eu ser ocidental, e também porque a família tinha recursos financeiros para apoiar a garota em caso de separação futura. Mas, seja como for, achei tudo muito complicado, e decidi interromper o “namoro”. Pensei que vindo ao Brasil ela sofreria muito com o problema do idioma e dos costumes. Nessa época, com pouco mais de 20 anos, atuando em movimentos culturais e políticos em Curitiba, a vida era uma festa.
...
No último dia de estadia em Benghazi, decidi fazer compras para levar presentes para familiares. Ao lado do carioca Armando, andamos pelas ruas de um bairro nas proximidades do hotel, quando entrei em uma loja e vi lindos lenços para mulher. Falamos com o proprietário da loja, um líbio jovem e simpático. Entretanto, eu levava pouco dinheiro, apenas 10 dólares, e os produtos que havia escolhido somavam aproximadamente 30 dólares.
Fiquei um pouco desapontado e já me preparava para sair da loja quando o proprietário nos interrompeu e perguntou o que acontecia. Explicamos que eu desejava comprar alguns lenços mas o dinheiro era insuficiente. Ele perguntou quanto eu tinha, respondi que tinha apenas 10 dólares. Ele disse que lamentava muito, mas não seria possível. Foi quando o Armando informou a ele que era mesmo uma pena porque eu queria levar o presente para a minha mãe, no Brasil. Ao ouvir a palavra Brasil o proprietário da loja se transformou:
- Brasil? Você disse Brasil? Porque não disseram antes que eram brasileiros? Venham, entrem na minha sala para ver uma coisa.
Entramos na sala do líbio e vimos um pôster enorme do jogador de futebol Ronaldinho pregado na parede.
- Eu sou fã do Ronaldinho. Ele é um artista. Não perco um jogo da seleção brasileira.
Falou de diversos jogadores, de jogos realizados na Europa. Disse que quando havia jogo da seleção brasileira, o comércio parava na Líbia para assistir o jogo, e quando o Brasil ganhava, havia carreatas com rojões e festas.
Havia uma identificação muito grande dos líbios com os brasileiros porque ambos os povos tem uma mistura muito grande de negros e brancos. Por causa da minha cor morena, diversos líbios me paravam na rua para pedir informação, pensando que eu fosse líbio.
Finalmente o proprietário nos convidou para tomar café e água. Conversamos mais um pouco e na saída ele me entregou os lenços que eu havia escolhido, dizendo: “Por você ser brasileiro, farei o valor de 10 dólares”.


A Jamahiriya Líbia que não existe mais
Todas as vezes que escrevo sobre o governo imperialistas norte-americano, não consigo esquecer a frase do aiatolá Komeini: “O demônio governa os Estados Unidos da América”. E quando ele escreveu demônio, com certeza se referia às estruturas de poder que dominam a economia, a imprensa, o congresso, a cúpula militar etc. Somente esta afirmação justifica ao longo das últimas decadas a atuação nefasta e perniciosa daquele governo perante a humanidade. Os imperialistas norte-americanos fomentaram guerras, destruição, sabotagens, terrorismo de Estado, em dezenas ou centenas de países. E tudo isso com o único propósito de dominar econômica e militarmente o planeta, transformar os pequenos povos em escravos fornecedores de matérias primas desperdiçadas no altar do consumismo - capitalismo selvagem.
Os muçulmanos dizem que “o demônio governa os Estados Unidos da América”, e alguns cristãos dizem que “os adoradores do Bezerro de Ouro” governam os EUA, isto é, os banqueiros. Quando Moisés desceu da montanha onde recebeu a tábua com os 10 mandamentos, encontrou parte do povo judeu adorando o bezerro de ouro. Nos dias atuais, esses adoradores do bezerro de ouro são os sionistas banqueiros e financistas que controlam e dominam o sistema financeiro mundial, explorando e oprimindo os povos e nações. Para os sionistas o dinheiro é o único Deus.
Após essa introdução, vamos ao tema título deste capítulo.
Não sei se sou o brasileiro que mais viajou à Líbia no período liderado pelo mártir Muamar Kadafi. Dezenove vezes estive na Líbia. Minha primeira viagem foi em 1985. No ano seguinte, na segunda viagem, estava em Trípoli quando começou o bombardeio aéreo norte-americano. E a última viagem foi em dezembro de 2010, três meses antes do início dos ataques terroristas dos EUA/Otan à Líbia.
Jamahiriya (em árabe, poder popular, poder do povo) foi a forma de governo encontrada pelo mártir Muamar Kadafi para instaurar na Líbia um sistema de governo realmente democrático, o Poder das Massas. Na Jamahiriya Líbia não havia políticos profissionais aos quais se dá uma carta branca de 4, 6 ou 8 anos para governar e defender seus interesses próprios, em nome da maioria da população. Na Líbia o povo governava através dos Congressos e Comitês Populares. As Associações de trabalhadores e profissionais liberais, os sindicatos, as organizações estudantis, os agrupamentos militares, governavam de forma direta, sem intermediários, e o povo atuava livremente, sem representantes. Cada Assembleia Popular era um órgão de defesa da população, e nos Congressos Populares todas as questões administrativas do país eram decididas pela ação de democracia direta, participativa.
A Líbia de Kadafi foi a primeira Jamahiriya do mundo. Foi o berço de um pensamento que incomoda e desmascara a todos os atuais sistemas de governo em exercício, de norte a sul, leste ou oeste, capitalista ou comunista.
Durante algumas viagens visitei diversos Congressos Populares e vi o exercício do verdadeiro poder popular, onde cada cidadão é igual, onde a decisão do operário ou do estudante tem o mesmo valor da decisão do militar ou do médico, do ministro ou do agricultor.
A Líbia de Kadafi estava muito à frente do mundo atual. Estava tão avançada que a própria população encontrava algumas dificuldades em acompanhar.
Nas primeiras viagens que fiz à Líbia, havia um povo unido, extremamente coeso em torno da figura do líder Muamar Kadafi, e isso fez com que os inimigos do país fossem derrotados em todas as tentativas de tomar o poder e invadir o país. Mas nas últimas viagens, a cultura ocidental – como um veneno – estava disseminada entre os árabes líbios, e todas as casas tinham antenas parabólicas por onde engoliam diariamente o veneno da imprensa ocidental que valoriza os criminosos, os drogados, os pornógrafos, e calunia os honrados e os honestos.
A democracia ocidental como conhecemos hoje não passa de uma grande farsa, inclusive nos EUA, país que se vangloria de criar e defender a democracia. Afinal, o regime democrático ocidental permite ao cidadão apenas eleger ou afastar seus governantes, que serão substituídos por outros governantes que praticarão as mesmas políticas praticadas pelos governantes afastados, e seus sucessores. Quem realmente governa no regime democrático? O cidadão com seu voto? Não. Quem realmente governa são os bancos, as grandes indústrias, o agronegócio, a grande imprensa, a elite econômica do país. Uma minoria de privilegiados com interesses distintos da maioria do povo. Ao cidadão cabe votar, e nada mais. E seu voto não é capaz de mudar a essência da economia ou da política do país porque quem decide as questões principais é uma minoria.

A mansão do diabo em Kandahar
Três anos antes da guerra de ocupação da Líbia por potências estrangeiras lideradas pelos EUA/Otan, estamos reunidos – um pequeno grupo de brasileiros e latino-americanos – em um hangar em Trípoli. O corpo diplomático (embaixadores) e os convidados do povo líbio estão reunidos para participar de um evento em Sirte, a capital administrativa do país.
Em uma grande sala, aguardamos a chegada dos aviões que vão nos transportar até o evento onde Kadafi será o principal orador, festejando mais um aniversário da Revolução Al Fateh.
Uma ampla mesa no centro da sala tem refrigerantes, sucos naturais, água, doces e salgados. Os doces na Líbia são especialmente saborosos, e mais saudáveis porque substituem camadas de margarina (usadas no ocidente) por cremes de tâmara, damasco e outras delícias.
Formamos um pequeno grupo de latino-americanos em volta da mesa, conversando sobre políticas regionais, quando entra na sala o embaixador do Afeganistão. Seu traje de gala, luxuoso, contrasta com o embaixador que o veste, um homem simples, diria até mesmo simplório. Para aqueles que conhecem política internacional sabem que ele é apenas um fantoche do governo de fantoches, montado pelos EUA no Afeganistão para roubar petróleo e gás natural. Ele conversa com outro embaixador enquanto passamos a conversar sobre o Afeganistão, relembrando que no governo de Ronald Reagan os talibãs foram recebidos na Casa Branca, de forma oficial, para tratar de apoio financeiro para combater os russos. Depois, ao assumir o poder e começar a dinamitar estátuas de Buda, se tornaram inimigos dos norte-americanos, não pelas estátuas, para as quais o governo Reagan estava cagando e andando, mas porque era apenas uma desculpa para sensibilizar a opinião pública mundial para que os EUA e seus cúmplices invadissem o país, derrubando os talibãs e todos os grupos e movimentos nacionalistas para se apoderar das riquezas naturais do país.
Hoje, enquanto reviso este texto, qual a situação do Afeganistão? É pior que antes. A presença dos norte-americanos no Afeganistão serviu apenas para que os grupos criminosos – apoiadores e apoiados pelos EUA – retomassem a produção de papoula para a produção do ópio que inunda a Europa. No governo talibã as plantações de papoula foram erradicadas, mas com as tropas norte-americanas as plantações e a produção voltaram com força total, havendo casos de aviões militares sendo flagrados levando ópio para os Estados Unidos.
A mansão do diabo (fortificações militares dos EUA), uma delas, entre tantas outras, está localizada nas proximidades da cidade afegã de Kandahar, mais especificamente na base aérea montada pelo governo norte-americano que hoje abriga militares de 40 países. Os estrangeiros são coadjuvantes. Quem administra, de fato, são os norte-americanos.
O governo de Washington aprendeu que sozinho não consegue ganhar nenhuma guerra, por isso nas últimas decadas – a partir da guerra da Coreia – sempre recorre a seus cúmplices e governos submissos para suas guerras de usurpação. Foi assim no Iraque, Líbia, Síria, entre outros.


Welcome to Kandahar airfield
Por que a mansão do diabo em Kandahar? Por alguns motivos. O primeiro deles, apenas para relembrar, o aiatolá Komeini dizia em seus discursos quando liderou a derrubada do ditador Xá da Pérsia: “Os EUA são governados pelo diabo”. Afinal, as guerras por petróleo e por domínio político levam fogo e destruição aos povos, isto é, levam o inferno aos pequenos povos e países.
Segundo, como pode ser chamado um local que abriga militares (na maioria psicopatas) de 40 países? E o que fazem esses militares em Kandahar, um local desértico, inóspito e desolado? Eles fazem aquilo que sabem fazer: vigiam uns aos outros, procuram descobrir segredos militares, corrompem e compram traidores, difamam e provocam intrigas, e o mais importante para eles, testam armamentos e soldados em combates contra nativos de costumes e tecnologia medievais. Em resumo, militares covardes que lutam contra forças inferiores.
Aqueles que visitaram a mansão do diabo, a base aérea dos EUA em Kandahar, escreveram que o lugar é empesteado, fede a merda e urina há quilômetros de distância. Os norte-americanos construíram uma usina de tratamento de esgoto com tecnologia atrasada que produz fedor insuportável em toda a região. Os militares que frequentam a base aérea conseguem suportar porque ingerem muita bebida alcoólica, e drogas. E na falta de prostituição no país, alguns militares levam prostitutas disfarçadas de soldados para lucrar no comércio do sexo.
Esta é a mansão do diabo, erguida, financiada e mantida por norte-americanos no coração do Afeganistão. Este é o exemplo do que os cristãos norte-americanos levam aos países islâmicos.
...
A chamada “insurreição do povo” contra Kadafi, desde o início, foi uma grande farsa vendida pela mídia corrupta. O governo dos EUA atacou a Líbia em 1986 e fracassou. Quatro pilotos norte-americanos tiveram os aviões derrubados pela artilharia líbia, ejetaram seus assentos e foram linchados pela população, tendo seus corpos pendurados em postes de energia elétrica em bairros de Trípoli.
A guerra à Líbia foi um ataque militar de um país imperialista – EUA – e seus cúmplices (governos da Inglaterra, França, Itália, Espanha entre outros). Assim como fez na Guerra da Coreia, quando o governo norte-americano foi derrotado, ele recorreu a outros países para tentar reverter a derrota, envolvendo dezenas de países no conflito, seja por corrupção de seus governantes, seja por submissão e covardia pura e simples.
O plano estadunidense para derrotar Kadafi contou com apoio de extremistas islâmicos – sempre eles! – na fronteira com o Egito, onde os refugiados da Irmandade Muçulmana se concentravam e entregavam armas aos terroristas da Al Qaeda, na tentativa de criar um califado na Líbia e fortalecer a luta no Egito.
O então presidente francês Nicolas Sarkozy foi um dos maiores traidores da confiança do povo árabe líbio. Em 2007 Sarkozy estava em campanha presidencial, e enviou emissários à Líbia pedindo financiamento para sua campanha, em troca de proteção política e militar ao país constantemente ameaçado pelo governo norte-americano. Kadafi foi convidado a visitar a França e recebido como chefe de Estado com muita honra e pompa. Esses agrados à Líbia tinha um preço: a doação financeira para a campanha de Sarkozy no valor de 50 milhões de euros.
Quando os EUA/Otan decidiram fazer guerra à Líbia, Sarkozy ordenou os primeiros bombardeios ao país, revelando ser um traidor, um canalha e criminoso.
Na fronteira com a Tunísia o governo dos EUA financiava mercenários e terroristas para atacar a Líbia, desde extremistas da Al Qaeda até psicopatas desgarrados. Ainda assim, o levante contra Kadafi não ganhava força e ficava restrito e pequenos grupos.
Para reverter a situação favorável a Kadafi, a ONU aprovou em março a Resolução 1973 do Conselho de Segurança que autorizava a Otan a impor um bloqueio ao espaço aéreo da Líbia e a oferecer suporte militar aéreo às tropas rebeldes, isto é, aos grupos minoritários formados por mercenários, extremistas e terroristas.
A ordem de ataque foi dada e o primeiro país a bombardear a Líbia foi a França de Sarkozy, justamente o presidente que teve sua campanha presidencial financiada pela Líbia.
A chamada “Operation Unified Protector” da Otan agrupou 200 aviões para bombardear a Líbia, destruindo a infraestrutura do país, atacando escolas, universidades, hospitais, viadutos, rodovias, e até mesmo a tubulação do Grande Rio Verde, a maior obra de engenharia do mundo para irrigar o deserto.
Diante de um ataque de uma força militar muito poderosa, reunindo as principais potências militares do planeta, a resistência kadafista se viu forçada a recuar até Trípoli. E mesmo assim, os rebeldes e mercenários estrangeiros não conseguiam avançar porque o povo líbio resistia heroicamente ao lado de seu líder, mesmo com reduzido poder de fogo.
Para modificar o rumo da guerra, a Otan novamente decidiu optar por uma decisão terrorista: anunciar a conquista de Praça Verde, em Trípoli, deflagrando durante a madrugada do dia 22 de agosto um feroz bombardeio à cidade, assassinando mais de 1.600 civis. Os bombardeios destruíram a infraestrutura de Trípoli. A população ficou sem luz, água, telefone e internet. Mas ainda assim resistiu a mais 3 meses de combates, até que finalmente aviões da Otan atacaram o comboio de Kadafi na cidade de Sirte, assassinando covardemente o líder.
Um dos episódios que mais uma vez revelou as mentiras da imprensa ocidental foi o anúncio da morte do filho e sucessor de Kadafi nas proximidades da Praça Verde, Saif Al Islam Kadafi. A notícia foi publicada nos principais jornais e canais de televisão do mundo, mas no dia seguinte ele apareceu cercado de assessores, de metralhadora na mão, na avenida Omar Moukhtar, ao lado da Praça Verde.
...
Três meses antes da guerra de ocupação da Líbia visitei o país para participar de uma conferência internacional em Trípoli. Apesar da participação de companheiros do Brasil, Venezuela, Equador, Nicarágua e Croácia, a conferência se mostrou inócua e sem sentido. Somente depois compreendi a razão do fracasso daquela conferência.
Estamos falando de três meses que antecederam um dos maiores crimes contra a humanidade, a guerra contra a Líbia organizada pelos governos dos EUA, França e Inglaterra, através da Otan e seus cúmplices.
Dezembro de 2010. Caminho pela Praça Verde ao lado de outros companheiros latino-americanos comentando o fracasso da conferência internacional. Os líbios estão confusos e não nos dão respostas compreensíveis sobre nossa visita ao país. Somente depois compreendemos que eles sabiam que os tambores da guerra estavam soando para a Líbia, e não eram tambores do deserto, eram os tambores dos Rotschilds (banqueiros sionistas) e de seus fantoches, os governos dos EUA, Inglaterra e França.
O serviço secreto líbio era um dos mais competentes do mundo porque dispunham de muitos recursos financeiros para comprar agentes da CIA, Mossad, DGSE, SIS, M16 entre outros. O dinheiro do petróleo líbio financiava a compra de informações em todas as partes do mundo, isto é, nos lugares mais importantes.
Os líbios sabiam que seriam atacados pela Otan. Kadafi estava avisado, por isso nos últimos meses colocaram out-doors nas principais cidades do país com fotografias de Omar Moukhtar, o mártir líbio que foi torturado e assassinado por estrangeiros quando a Itália ocupou a Líbia na Primeira Guerra Mundial. Fotos e painéis mostrando Kadafi ao lado de Omar Moukhtar estavam por toda parte, como se convidasse o povo líbio a refletir sobre o que estava por vir. Dessa forma Kadafi não apenas alertou o povo líbio, mas previu a própria morte, em situação idêntica a de Omar Moukhtar: tortura e morte nas mãos de invasores estrangeiros e traidores.
Aqueles dias foram os mais tristes em todas as minhas viagens à Líbia.
Minha última viagem tinha como objetivo participar de uma conferência internacional, mas com o fracasso da conferência não havia muito o que fazer, a não ser caminhar pelas principais avenidas e ruas da cidade, visitar o museu, as praças, praias e velhos mercados. A conferência não foi realizada porque muitos líbios de outros países preferiram retornar ao país para enfrentar a guerra que se aproximava, e restaram poucos participantes e voluntários que não justificavam a realização de uma conferência.
Não havia aquela alegria característica dos líbios que trabalhavam como voluntários na recepção dos estrangeiros convidados a participar de eventos no país. No comércio em geral, uma sensação de silêncio forçado, pesado e sufocante como o calor do deserto.
As autoridades e revolucionários sabiam o que estava por vir. A população sentia os dias terríveis que se aproximavam. Havia algo no ar e não eram bons ventos. Algo semelhante – porém muito maior – com a sensação que antecedeu o ataque norte-americano em 1986, quando um porta-aviões dos EUA estacionou no Golfo de Sirte e enviou aviões para bombardear as maiores cidades líbias. O pequeno país se preparava para ser atacado pela maior força militar do planeta, e o pior, com a união militar das maiores potências bélicas. Um bando de governantes covardes e assassinos, saqueadores a serviço do imperialismo norte-americano.
Podemos dizer que o bafo do demônio soprava sobre a Líbia, afinal, por onde passam os militares norte-americanos levam fogo, mortes, torturas, desgraças e destruição, em resumo, o inferno.
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Ao embarcar em meu último vôo retornando da Líbia, o motorista que nos levava ao aeroporto fez questão de dar uma volta pelas obras do novo aeroporto internacional de Trípoli que seria construído ao lado do atual, pela construtora brasileira Norberto Odebrecht. O líbio disse que tinha visto o projeto e que seria o aeroporto “mais moderno e mais bonito do mundo”. Fazia parte do projeto de Kadafi de construções para rivalizar em beleza com as obras arquitetônicas de Dubai.
A Norberto Odebrecht ganhou uma concorrência internacional como parte de um consórcio formado ainda pela Tepe Akfen (TAV), da Turquia, e a Consolidated Contractors Company (CCC), do Líbano. A informação foi publicada no jornal Turkish Daily News e confirmada pelo então embaixador do Brasil no país árabe, Luciano Ozório Rosa, em entrevista à ANBA.
De acordo com o jornal turco, o valor do contrato era de US$ 3 bilhões. As três companhias deveriam construir, segundo o Turkish Daily News, um terminal de 350 mil metros quadrados com capacidade para receber 20 milhões de passageiros por ano e um estacionamento para 4,4 mil veículos. Seis companhias deveriam participar das obras do aeroporto e a supervisão do projeto ficaria a cargo de uma empresa francesa. O aeroporto teria uma pista com capacidade para receber 100 aviões ao mesmo tempo. O empreendimento estaria pronto em dois anos.
A companhia brasileira também ganhou uma concorrência para construir um anel rodoviário ao redor de Trípoli. A construção do anel foi um dos temas tratados por executivos da construtora quando participaram da delegação que acompanhou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país árabe no final de 2003. Na época, a Odebrecht havia recém se candidatado ao projeto.
Os dois contratos da Odebrecht na Líbia, o da rodovia e do aeroporto, somavam cerca de US$ 1 bilhão.
A Norberto Odebrecht pertence ao grupo Odebrecht e foi fundada em 1944 para atuar na área de engenharia e construção. De acordo com relatório da companhia referente ao ano de 2006, a empresa estava presente em 19 países e foi considerada pela revista norte-americana Global Finance como a melhor empresa brasileira do setor. Em 2010 a companhia teve uma receita bruta de US$ 7,4 bilhões e contratos em carteira de US$ 15,16 bilhões. Do total que a construtora faturou, US$ 2,5 bilhões vieram de obras no Brasil, US$ 2,8 bilhões de outros países na América do Sul e Central, US$ 1 bilhão da África, US$ 652 milhões da Europa, US$ 321 milhões dos Estados Unidos, US$ 23 milhões do Oriente Médio e Ásia.
Hoje a construtora está penalizada por uma série de denúncias envolvendo pagamento de propinas aos políticos mais famosos do Brasil. Enquanto que em alguns países da Europa e nos EUA até alguns atrás as empresas podiam deduzir dos impostos as propinas pagas a estrangeiros, uma vez que estava gerando riquezas em seus países de origem, no Brasil a construtora está sob fogo cerrado, prejudicando a economia nacional. A burrice no Brasil permite a destruição de uma empresa gigantesca e o sacrifício de milhares de empregos numa caçada insana contra a corrupção.
Pelas ruas de Trípoli, sempre quando víamos alguns operários com o macacão da Odebrecht, fazíamos questão de acenar e chamar a atenção para que eles soubessem que éramos brasileiros. Em uma dessas vezes, passando pela construção do anel rodoviário, vimos um grupo de trabalhadores brasileiros da Odebrecht e gritamos do ônibus que nos transportava: - Fala brazucas! E um deles gritou de volta: - Fala, conterrâneos! E havia muita alegria sincera nessas brincadeiras. Um sentimento muito forte de brasilidade, de nacionalidade.

Um brasileiro na fronteira
No dia 21 de agosto de 2011 um brasileiro chegou a Tunis, capital da Tunísia, proveniente de Madri. Ele sabia que uma delegação de 9 brasileiros se dirigia à Líbia para verificar os danos causados pelos bombardeios da Otan, com o objetivo de relatar os fatos às Nações Unidas. Entre os brasileiros estavam os então deputados federais Protógenes Queiroz e Brizola Neto.
A delegação ficou retida em Túnis e os líbios não permitiram que cruzasse a fronteira. A única forma de chegar a Trípoli seria pela rodovia que liga a Tunísia à Líbia, pois o espaço aéreo líbio estava dominado pelas aeronaves da Otan que derrubariam qualquer aeronave.
A decisão dos líbios mostrou-se acertada. Durante a noite o médico líbio Heghan Abudeihna decidiu seguir viagem de carro com a família, e todos foram mortos por bombardeio da Otan.
O brasileiro Fernando (nome de guerra) procurou os líbios no hotel em que a delegação brasileira estava hospedada. Não fez contato com os demais brasileiros. Membro do movimento dos Comitês Revolucionários do Brasil, Fernando foi reconhecido por um líbio.
- Preciso de uma carta de apresentação e uma motocicleta para ir a Trípoli me apresentar à resistência.
- Impossível. A estrada não é segura e você poderia ser confundido com os mercenários financiados pelo Ocidente.
- Mas com a carta de apresentação eu poderia seguir até Trípoli.
- Você será morto antes que tenha tempo de mostrar a carta. Desista.
- Mas eu quero exercer minha solidariedade efetiva ao povo líbio. Quero exercer a solidariedade internacionalista lutando ao lado dos meus irmãos líbios, ao lado do líder Muamar Kadafi.
- Você nem fala árabe. Só vai causar problemas. Agora os tempos são outros. Volte para o seu país. Agradecemos sinceramente por você ter vindo até aqui. Isso mostra que você é um homem honrado, um verdadeiro revolucionário, e isto é mais um motivo para não permitir que você morra nessa viagem. Deus é grande. O que estiver escrito, assim será. A vitória será nossa, hoje ou amanhã.
- Muitos gostariam de fazer essa viagem para regar com sangue de solidariedade a sagrada terra da Jamahiriya, mas não será desta vez.
- Volte para o Brasil e transmita o nosso abraço aos amigos revolucionários brasileiros. Diga que eles não serão esquecidos. Diga que estaremos com eles em pensamentos, e que os nossos inimigos imperialistas e sionistas jamais conseguirão derrotar a Jamahiriya e muito menos Muamar Kadafi, porque ninguém consegue destruir a luta por liberdade dos povos.

A Líbia que vocês não viram
Para tentar justificar a guerra contra a Líbia, a imprensa mundial fez uma verdadeira campanha de difamação contra Kadafi e o governo líbio. Inventaram matérias espetaculares sobre os “soldados de Kadafi”, tomando viagra e drogas no campo de batalha, um harém de Kadafi com escravas sexuais (livro lançado no império decadente da Inglaterra e traduzido em diversos países, inclusive no Brasil), torturas e assassinatos de presos políticos.
Campanhas publicitárias elaboradas pelo Pentágono e financiadas pelo governo norte-americano fizeram a alegria de muitos proprietários de jornais e canais de televisão em diversos países – todos eles cúmplices de crime de guerra.
Com a opinião pública anestesiada, os governos fazem guerras, promovem o terrorismo de estado, sem serem incomodados.

A Líbia que conheci
A Líbia que conheci não é a Líbia mostrada pela corrupta imprensa ocidental. Por 19 vezes visitei a Líbia, andei pelas ruas de Trípoli, Benghazi e Sirte. Vi um povo feliz com as riquezas do petróleo divididas entre as pessoas de acordo com o número de filhos. O governo incentivava o crescimento populacional.
Vi edifícios brotarem nas areias do deserto como palmeiras, imensas rodovias, viadutos, portos, aeroportos, construídos pela mais moderna tecnologia mundial, por empreiteiras estrangeiras.
Vi a solidariedade efetiva de Kadafi e do povo líbio para com seus irmãos da África do Sul, Chade, Nicarágua, Argentina etc. Países para os quais enviavam apoio militar e financeiro na luta por libertação.
A Líbia heroica que enviou armas para os argentinos lutarem contra os ingleses nas Malvinas não é a Líbia mostrada pela mídia. Na guerra das Malvinas um avião líbio carregado de armas que voava rumo à Argentina foi apreendido no Brasil, a “pedido” dos ingleses e governo dos EUA. Um ato covarde como este de impedir a solidariedade a um país vizinho e irmão cometido pelo governo brasileiro no governo FHC, jamais seria cometido na Líbia; não na Líbia kadafista.
Por todos esses motivos tenho certeza que este livro não será bem aceito, porque não é um livro que agrade à mídia corrupta e criminosa dos países ocidentais.
...
Muitos foram os motivos da guerra à Líbia. Não foi apenas o petróleo, cujas reservas (estimadas em 60 bilhões de barris) são as mais importantes da África e cujos custos de extração estão entre os mais baixos do mundo. Nem, tão pouco, o gás natural, cujas reservas são estimadas em cerca de 1.500 bilhões de m3.
Além do roubo das riquezas naturais do país, os governos dos EUA, França e Inglaterra buscavam também se apoderar dos fundos soberanos, os capitais que o Estado líbio investiu no estrangeiro.
Os fundos soberanos – investimentos – geridos pela Libyan Investment Authority (LIA) são estimados em cerca de 70 bilhões de dólares, que sobem a mais de 150 bilhões se incluírem os investimentos estrangeiros do Banco Central e de outros organismos líbios. Quando a LIA foi constituída em 2006, ela dispunha de 40 bilhões de dólares. Em apenas cinco anos ela efetuou investimentos em mais de uma centena de sociedades norte-africanas, asiáticas, europeias, norte-americanas e sul-americanas: holdings, bancos, imobiliário, indústria, companhias de petróleo e outras.
Na Itália, os principais investimentos líbios foram os efetuados na UniCredit Banca (de que a LIA e o Banco Central líbio possuem 7,5%), na Finmeccanica (2%) e na ENI (1%): estes investimentos e outros (inclusive 7,5% no Juventus Football Club) têm um significado menos econômico (montam a cerca de 4 bilhões de dólares) do que político.
A Líbia, depois de Washington a ter apagado da sua lista dos “Estados bandidos”, tentou restabelecer um lugar no plano internacional apoiando-se na “diplomacia dos fundos soberanos”. Quando os Estados Unidos e a União Europeia aboliram o seu embargo de 2004 e as grandes companhias de petróleo retornaram ao país, Trípoli pôde dispor de um excedente comercial de cerca de 30 bilhões de dólares por ano que destinou em grande parte a investimentos no estrangeiro. A gestão dos fundos soberanos, nas mãos de ministros e altos funcionários, criou entretanto um novo mecanismo de poder e corrupção que provavelmente escapou ao controle do próprio Kadafi – o que se confirma pelo fato de que em 2009 este propôs que os 30 bilhões de dividendos petrolíferos fossem divididos com o povo líbio.
Isso teria provocado uma divisão interna no governo líbio.
Foi nessa divisão que se apoiaram os círculos dominantes norte-americanos e europeus que, antes de atacar a Líbia militarmente para apossar-se da sua riqueza energética, apropriaram-se dos fundos soberanos líbios. Esta operação foi favorecida pelo próprio representante da Libyan Investment Authority, Mohamed Layas.
Conforme um telegrama diplomático publicado pela Wikileaks, em 20 de janeiro Layas informou o embaixador americano em Trípoli de que a LIA havia depositado 32 bilhões de dólares em banco norte-americano. Cinco semanas mais tarde, a 28 de fevereiro, o Tesouro norte-americano congelou o investimento. De um só golpe, os norte-americanos roubaram 32 bilhões de dólares dos líbios.
Segundo as declarações oficiais, esta foi “a maior soma de dinheiro já bloqueada nos Estados Unidos”, que Washington mantém “em depósito para o futuro da Líbia”. Ela servirá na realidade para uma injeção de capitais na economia norte-americana, cada vez mais endividada. Alguns dias mais tarde, a União Europeia “congelou” cerca de 45 bilhões de euros de fundos líbios.
O assalto aos fundos líbios teve um impacto especialmente forte na África.
Neste continente, a Libyan Arab African Investment Company efetuou investimentos em mais de 25 países, dos quais 22 na África sub-sahariana, programando aumentá-los nos próximos cinco anos, sobretudo nos setores de mineração, manufatureiro, turístico e no das telecomunicações. Os investimentos líbios foram decisivos na realização do primeiro satélite de telecomunicações da Rascom (Regional African Satellite Communications Organization) que, colocado em órbita em agosto de 2010, permite aos países africanos começarem a tornar-se independentes das redes de satélites norte-americanos e europeias, realizando assim uma economia anual de centenas de milhões de dólares.
Ainda mais importantes foram os investimentos líbios na realização de três organismos financeiros lançados pela União Africana: o Banco Africano de Investimento, cuja sede é em Trípoli; o Fundo Monetário Africano, com sede em Yaundé (Camarões); o Banco Central Africano, instalado em Abuja (Nigéria). O desenvolvimento destes organismos devia permitir aos países africanos escaparem ao controle do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, ambos instrumentos de dominação neo-colonial, e devia assinalar o fim do franco CFA, a moeda que 14 ex-colonias francesas são obrigadas a usar. O congelamento dos fundos líbios foi um roubo aberto e declarado, escondido pela incompetente e corrupta imprensa internacional.

Crianças da Líbia
Na Líbia as crianças eram tratadas com todo o respeito. O livro verde, escrito por Kadafi, defende que a criança deve ficar aos cuidados da mãe até 7 ou 8 anos. A mãe recebe um salário do governo para não necessitar trabalhar fora. Após essa idade, poderiam frequentar escolas, mas creche, não. Ele afirmava que nos primeiros anos de vida a criança necessita da presença da mãe para estruturar uma personalidade mais forte.
A medida causou controvérsias e debates entre educadores ocidentais, mas a sociedade Líbia via com bons olhos a determinação.
Por volta de 1990, um grupo de brasileiros e brasileiras passeava pelas ruas centrais de Trípoli. Por algum motivo entramos em um bairro e nos deparamos com a saída de uma escola de crianças de 8 a 10 anos.
As crianças vestiam uniformes, estavam desacompanhadas, formavam grupos de amigos. As pessoas na calçada cediam espaço e os carros paravam quando atravessavam a rua, mesmo fora da faixa.
Algumas crianças se interessaram pelas brasileiras e formaram um grupo grande à nossa volta. Os meninos falavam com os homens e as meninas com as mulheres. Foi uma verdadeira festa porque estávamos sem o nosso tradutor e não havia como nos entender, mas todos e todas falavam ao mesmo tempo.
Crianças bonitas, bem vestidas, simpáticas. Durante os bombardeios da Otan à Trípoli, quantas crianças morreram? Será que aquelas crianças com as quais trocamos palavras e risos, sobreviveram?



...
Quem diria que aquele beduíno saído de Sirte viria a conquistar a Líbia, a admiração e a simpatia de milhões e milhões de pessoas em todo o mundo? A pergunta do guia Mohamed – um jovem beduíno - ficou no ar, levada pelo vento quente que soprava do deserto.
Para todos os lados que olhamos vemos uma paisagem estéril, semidesértica, com imensidões desoladas a perder de vista. Nenhuma casa a quilômetros e quilômetros de distância, a não ser esta onde estamos, sendo atendidos por um líbio que não fala outro idioma a não ser o árabe, com o qual apenas trocamos olhares de gentileza e amizade. Ele nos serve um chá forte e escuro, com pouco açúcar, mas delicioso. Em seus setenta e poucos anos, o velho líbio está acostumado a receber visitas em sua casa porque trabalha na indústria de cerâmica que acabamos de visitar. Apesar da simplicidade da casa, forrada de tapetes como manda a tradição árabe, ele demonstra ser uma pessoa feliz, sorrindo sempre que mostra as fotografias dos filhos e netos pregadas na parede da sala.
No sopé da montanha Verde um grupo de amigos se reunia para tomar chá árabe enquanto aguardava a vinda de um batedor que nos levaria a Trípoli.
Hoje a Líbia foi novamente invadida e ocupada por potências ocidentais. Bandos armados circulam livremente pelas cidades saqueando, prendendo e assassinando pessoas suspeitas de terem apoiado o governo de Muamar Kadafi. Na verdade, não havia um “governo de Kadafi”, mas sim a Jamahiriya Árabe Popular Socialista Líbia, governada por Congressos e Comitês Populares, a forma mais evoluída e democrática das filosofias que aspiram a democracia direta. Kadafi era um líder político e espiritual do povo árabe líbio, e de muitos povos árabes do Magreb El Arab e do continente africano. Mas, uma das estratégias criminosas usadas pelo imperialismo é a calúnia e difamação dos líderes populares. Essas calúnias fortalecem os inimigos dos povos, explica Jamal, porque fortalecem os traidores e mercenários. Na falta de uma bandeira de justiça, de uma lógica, eles se agarram a mentiras, tentando justificar seus crimes, traição e covardia.
Jamal continua forte e sorridente. Não mudou muito desde os últimos anos em que o vi diversas vezes no saguão do hotel Bab El Bahr recebendo delegações de visitantes estrangeiros, estudantes, líderes sindicais, movimentos revolucionários, religiosos, empresários etc. A primeira vista ele parecia um homem sisudo, rosto duro, a pele escura, o olhar firme. Mas bastava trocar algumas palavras e ele se revelava uma pessoa simpática, elegante e educado, fazendo jus ao seu sobrenome que não posso revelar porque ele segue na Líbia, vivo, resistindo, mesmo sendo um kadafista fanático.


Ao longo dos últimos meses – desde 13 de fevereiro de 2011 - Jamal viu centenas de amigos serem mortos, tombando em combates contra a maior força militar do planeta – EUA/Otan. Muitos foram presos, mortos sob tortura. Milhares morreram na travessia do mar mediterrâneo. Muito fugiram para os países vizinhos. Dispersaram ou mataram o que havia de melhor na Líbia, aqueles que estavam comprometidos em construir uma nação livre e soberana, anti-imperialista e anti-sionista. Portanto, uma nação inimiga daqueles que dominam a maioria dos países do mundo, e que utilizam a ONU como instrumento de opressão e manipulação.
Após o chá, ouvimos o barulho de uma van que se aproximava. Ela parou e soaram as buzinadas combinadas. Deixamos a casa do velho líbio e nos dirigimos ao local onde o batedor e motorista Ibrahim nos recebeu com abraços e saudações em árabe. Ele estava realmente feliz em rever amigos. Com certeza ele não esquecia as vezes em que compartilhamos momentos felizes nas inaugurações de prédios públicos e conjuntos habitacionais. As festas regadas a refrigerantes e cerveja sem álcool na beira do mar mediterrâneo. As viagens com turistas e delegações estrangeiras a Sabratha, Leptis Magna, velho mercado e museu de Trípoli. Momentos de confraternização e verdadeira amizade, onde os sorrisos espontâneos falavam mais alto que os passaportes e diferenças culturais, onde os olhares de alegria superavam as diferenças de idiomas.
Leptis Magna foi uma próspera cidade do Império Romano. Suas ruínas ficam em Al-Khums, há 130 quilômetros ao leste de Trípoli. Era uma das mais belas cidades do Império Romano, devido ao imperador Septímio Severo, que passava as férias no local, e ergueu na época imponentes edifícios públicos, um porto, um mercado, armazéns, lojas e bairros residenciais.
Em nossos passeios ao local encontramos ruinas de grandes construções, templos, saunas, mansões, casas, ruas e avenidas. Um esplendor de lugar, digno de um césar do império romano. Esculturas em rochas por todas as partes. Tudo – naquela época – conservado e preservado pelo governo líbio. Havia soldados armados fazendo a segurança do local, para evitar o roubo de relíquias históricas.
O velho Ibrahim. Os cabelos grisalhos, o sorriso constante nos lábios marcados por cigarro. O jeito ingênuo de desviar o olhar quando alguém pronunciava um palavrão ou provocação.
Nas cafeterias dos hotéis ou de bares e restaurantes, as bebidas mais pedidas na Líbia pelos turistas eram capuccino e chá. As máquinas italianas produziam excelente capuccino, e os funcionários, na maioria imigrantes africanos, sabiam fazer como ninguém a melhor mistura dos ingredientes.

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Os governos dos EUA, França, Inglaterra, Israel, entre outros países, que fazem guerras para roubar territórios e riquezas naturais dos pequenos povos, são exímios matadores de crianças. Para eles, crianças estrangeiras são apenas números de estatísticas. Assassinos psicopatas, não conseguem admitir que uma criança é um ser humano igual aos seus filhos e netos, com sonhos e paixões, cercadas pelo amor e carinho dos familiares. Para eles é mais importante assassinar e matar indiscriminadamente para que a indústria bélica venda armas e gere empregos em seus respectivos países, ou para ganhar dinheiro para o caixa 2 da campanha eleitoral de banqueiros que financiam guerras sujas para se apoderar do dinheiro de nações fragilizadas.
Por mais que publiquem suas fotografias em jornais e revistas, e por mais que apareçam nos canais de televisão como “autoridades” ou “celebridades”, não passam de meros fantoches da indústria bélica e petrolífera, trocando sangue de inocentes por dinheiro nas bolsas de valores.
Uma criança, seja ela yemenita, líbia, palestina, norte-americana, coreana ou inglesa, deveria ser tratada com respeito e admiração. Quanta beleza, pureza e esperança no sorriso de uma criança... Mas para os bilionários do mundo, os maiores capitalistas, as crianças são mero “efeito colateral” nas guerras que produzem para gerar lucros. E os parentes das crianças assassinadas nas guerras de ocupação deveriam, no mínimo, vingar seus mortos.


Embaixadores
Durante os anos em que participei do movimento kadafista (Movimento Marcha Verde, Movimento Democracia Direta e Movimento dos Comitês Revolucionários) três embaixadores líbios no Brasil se destacaram por exemplos de honra, honestidade, cordialidade e competência no exercício de suas funções, aos quais desejo homenagear porque realizaram o verdadeiro trabalho de aproximação entre povos irmãos, e acima de tudo, foram verdadeiramente árabes líbios, honrando o sangue e a tradição de seu heroico povo. Como embaixadores foram representantes vivos da Líbia kadafista, a Jamahiriya Árabe Popular Socialista Líbia no Brasil: Ali Far Fer; Mohamed Matri e Salem Ezubedi.


Kadafi, o eterno
Nascido em 7 de junho de 1942, martirizado em 20 de outubro de 2011, o beduíno líbio Muamar Muhamad Abu Minyar al Kadafi escreveu seu nome com letras de ouro na história da humanidade.
Kadafi foi um revolucionário honrado, valente, combativo, que desafiou como poucos o poder dominante que escraviza e idiotiza a maioria dos seres humanos: o imperialismo e o sionismo.
Nascido no deserto de Sirte, aprendeu a história do homem através de livros dos viajantes que passavam em caravanas pelo deserto. Ainda jovem, decidiu entrar para as Forças Armadas para conseguir estudar e reunir força e apoio para derrubar o governo da época, o Rei Ídris.
Por sua inteligência e honra, foi escolhido para estudar em Londres, algo reservado apenas para os estudantes mais brilhantes do país. No velho reino decadente (Reino Unido), Kadafi desafiou os costumes e as leis ao se recusar a vestir roupas ocidentais. Foi punido, mas ao regressar à Líbia, havia formado um grupo de oficiais que lideraram a Revolução Al Fateh, derrubando o rei Ídris, apesar do apoio das potências ocidentais que tinham grandes bases militares no país: EUA, Inglaterra e França.
Em seu primeiro ano de governo, Kadafi estabeleceu forte aliança com o governo de Gamal Abdel Nasser, do Egito, com o objetivo de unir os países árabes na luta pela libertação do mundo árabe. Um ano depois, Gamal Nasser morreu envenenado pela CIA e Mossad.
Aclamado pelo povo líbio, Kadafi construiu uma nação soberana, independente, onde o povo desfrutava das riquezas do petróleo. A Líbia de Kadafi tinha o maior IDH (índice que mede bens como saúde, educação e habitação) da África. O país com pequena população prestava solidariedade internacional levando remédios, médicos e dentistas a vários países africanos, e além de tudo isso, a Líbia apoiava e financiava os povos que lutavam por libertação em diversas partes do mundo, principalmente Mandela na África do Sul e Ortega na Nicarágua.
Por tudo isso, por construir um poder popular – Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia –, Kadafi sempre foi perseguido pelos governos imperialistas e terroristas dos Estados Unidos da América. Foram décadas de boicotes e sanções injustificadas, de acusações de terrorismo, de campanha midiática diária tentando difamar no mundo ocidental o líder líbio e seu trabalho em defesa de sua pátria e de seu povo.
Em 1982, como medida punitiva ao suposto patrocínio líbio a grupos terroristas, o governo norte-americano proibiu a importação de petróleo da Líbia. Em 1986, após um atentado a bomba numa discoteca de Berlim, quando morreram dois cidadãos norte-americanos, os EUA, sem nenhuma prova, lançaram ataques aéreos em Trípoli e Benghazi e impuseram sanções econômicas contra o país. No final da decada de 1980 o governo líbio foi acusado de apoiar atentados contra aviões da Pan Am e da UTA, o que motivou a imposição de sanções também pela ONU, em março de 1992, e indenizações milionárias em 2010.
No ataque norte-americano à Líbia em 1982, foi assassinada a filha caçula de Kadafi, Hanna.
Em 1992 e 1993 a Organização das Nações Unidas impôs sérias sanções à Líbia acusando Kadafi de financiar o terrorismo pelo mundo. Essas sanções foram suspensas em 1999. O que Kadafi financiava era a luta por libertação dos povos.
Mesmo com a Líbia sofrendo ataques militares e sanções econômicas, Kadafi jamais se rendeu às grandes potências, e o povo líbio escreveu páginas imortais na história da humanidade através de sua perseverança na defesa da verdade e da justiça.
O país cresceu e progrediu economicamente sob o governo da Jamahiriya (Poder Popular). Em março de 2011 o governo norte-americano mudou sua estratégia para atacar a Líbia. Sabendo, por experiência própria, que não conseguiria vencer a resistência do povo líbio com ataques militares isolados, reuniu nas Nações Unidas a maioria das nações ocidentais e monarquias árabes corruptas para atacar de forma massiva, utilizando a Otan para infiltrar mercenários (Al Qaeda e embriões do Estado Islâmico, Daesh, Isis) em algumas cidades líbias, produtoras de petróleo. O governo norte-americano decretou uma Zona de Exclusão que foi interpretada pelo governo francês como ordem para iniciar os ataques aéreos que assassinaram mais de 70.000 líbios, entre civis e militares.
Diversas cidades líbias foram praticamente destruídas, principalmente Sirte, que concentrou a resistência patriótica e serviu de local para o martírio do líder Muamar Kadafi.
A maior obra arquitetônica da modernidade, o Grande Rio Verde, que transportava água potável para dezenas de cidades líbias desde a foz do rio Nilo, foi destruída pelos agressores. O maior e mais moderno aeroporto do mundo que estava sendo construído por empreiteira brasileira em Trípoli foi atacado até em suas fundações.
Mesmo recebendo diversas propostas de abandonar o país, Kadafi se recusou a deixar sua terra e lutou até o final, como um verdadeiro herói. Tombou no dia 20 de agosto, combatendo, a exemplo de seus familiares que foram mortos, exilados ou aprisionados.
Para destruir o governo da Líbia, um pequeno país com 6 milhões de habitantes, o governo norte-americano precisou unir 70 países, entre eles os mais poderosos do mundo, e ainda assim levaram mais de seis meses para sufocar a resistência do povo líbio, através de ataques aéreos de destruição em massa, vitimando na maioria das vezes civis indefesos.
Em vida Kadafi sempre se referiu ao legendário Omar Moukhtar como exemplo maior do povo árabe líbio. Ele morreu combatendo contra a dominação italiana na Líbia. Moukhtar morreu mas seu exemplo continuou vivo, e contagiou Muamar Kadafi.
No dia 20 de agosto de 2011 Muamar Kadafi foi morto de forma covarde e traiçoeira por mercenários e militares estrangeiros em Sirte, sua terra natal, depois que sua guarda pessoal tombou lutando gloriosamente, sufocada pelo grande número de mercenários apoiados pela tecnologia militar mais avançada do planeta.
O homem morreu, mas suas ideias não morrerão. O Livro Verde continua esclarecendo as pessoas sobre a verdadeira democracia, o verdadeiro poder popular.
O nome de Muamar Kadafi está escrito com fogo e sangue na história de libertação dos povos oprimidos e escravizados ao longo das últimas decadas. Os governantes norte-americanos, ingleses, italianos e franceses, jogaram seus nomes na lata de lixo da história por agirem com covardia, de forma criminosa, para expandir seus domínios e conquistas imperialistas.
A história não destaca ou se lembra de nenhum presidente norte-americano, francês ou inglês com honra e dignidade que tenha servido aos interesses maiores da humanidade. Sem exceção, foram todos marionetes dos interesses econômicos de elites predatórias, poluidoras, destruidoras do meio ambiente, promotores de guerras e destruição para fortalecer a indústria bélica de seus respectivos países. Neste sentido, os ex-presidentes dos EUA, Inglaterra, França (com exceção de Napoleão) não tem escopo moral nem mesmo para lavar os pés de Muamar Kadafi, que dedicou sua vida ao combate das injustiças praticadas pelos países colonialistas e imperialistas contra os pequenos povos e nações em diversas partes do mundo.
Kadafi vive e para sempre viverá. O povo árabe líbio resgatará a Jamahiriya e expulsará de suas terras os mercenários e terroristas plantados pelos EUA e seus cúmplices.
Tentando justificar a guerra dos EUA e seus aliados à Líbia, o então presidente Barack Obama declarou, durante discurso para militares na Universidade de Defesa Nacional em Washington, que “Os Estados Unidos devem agir quando os seus interesses e os seus valores são ameaçados”. Que hipocrisia. Será que os militares norte-americanos são tão idiotas a ponto de acreditar nessas palavras vazias e sem sentido? Puro patriotismo irracional a serviço da indústria bélica e petrolífera.
O melhor IDH da África, conquistado pela Líbia, ameaçava os Estados Unidos da América? A liberdade e independência do país ameaçava as mentiras e o terrorismo de Estado praticado pelos governos norte-americanos há séculos?

A tenda do beduíno em Nova Iorque
Convidado a discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 23 de setembro de 2009, Muamar Kadafi fez questão de montar sua tenda árabe para ficar hospedado na cidade de Nova Iorque. Assim como no tempo de estudante na Inglaterra, quando Kadafi se recusava a usar roupas ocidentais, mantendo-se fiel às ruas origens e cultura, ao se deslocar para outros países Kadafi fazia questão de levar sua tenda, como um legítimo e autêntico beduíno do deserto. Foi assim em Roma, onde o líder líbio conseguiu montou sua tenda em um parque durante visita a Silvio Berlusconi, e durante visita a Paris, quando a tenda foi instalada diante do Palácio do Eliseu.
Mas nos Estados Unidos da América, o ninho das bestas sionistas, a montagem da tenda árabe foi uma verdadeira guerra diplomática envolvendo a imprensa venal e políticos idem.
Alguns hotéis não dispunham de espaço para a instalação da tenda em Nova Iorque. E aqueles que tinham espaço, se submetiam ao poder dos sionistas e se negavam a ceder. Foi então que um espaço foi alugado em um terreno de propriedade do magnata Donald Trump, especulador imobiliário em Nova Iorque.
Mas as autoridades da cidade suburbana de Bedford, em Nova York, local do espaço, ameaçaram entrar com uma ação criminal se os trabalhos de armação da tenda não fossem interrompidos.
Autoridades da construção civil local, fiscais da prefeitura, inspecionavam a obra diariamente, criando problemas. Os trabalhadores receberam ordens de interromper a instalação da tenda. Segundo o procurador Joel Sachs, de Bedford “a tenda viola leis de zoneamento e de construção locais”. “Até o fim do dia, ou vamos ver o cumprimento da lei ou daremos início a uma ação civil ou criminal”, disse ele.
A construção foi interrompida, mas no dia seguinte, após pressão econômica de Donald Trump, as autoridades voltaram atrás e permitiram a instalação. E Donald Trump não fez isso por simpatia a Kadafi, mas apenas por interesse financeiro, afinal de contas, no capitalismo o que manda é o dinheiro, por isso o povo norte-americano é o maior consumidor de drogas no mundo.
Sachs e os sionistas nova-iorquinos foram derrotados e a tenda de Kadafi foi erguida e mantida pelo tempo que durou a visita oficial de Kadafi a Nova Iorque.
O líder líbio sempre soube que não poderia confiar nos hotéis norte-americanos, e que correria o mesmo risco de Hugo Chávez, que foi envenenado com arma de nanotecnologia durante visita às Nações Unidas, por isso a comitiva líbia levava comida e água em sua visita oficial aos Estados Unidos da América que, como escreveu o aiatolá Komeini, “é um país dominado pelo demônio”.
Assim como na Inglaterra, quando o estudante Kadafi era perseguido por ser um legítimo árabe, os perseguidores de Kadafi nos EUA também foram derrotados e ele seguiu em frente, como um autêntico e verdadeiro beduíno do deserto.


Kadafi nas Nações Unidas
Uma das aparições públicas mais controvertidas de Muamar Kadafi foi nas Nações Unidas, em 23 de outubro de 2011. Naquela oportunidade ele pronunciou um longo discurso e rasgou a Carta das Nações. A imprensa ocidental condenou a ação de Kadafi, mas em nenhum momento revelou o porque.
Em seu discurso Kadafi desmoralizou a ONU, afirmando que desde a criação das Nações Unidas 65 países sofreram guerras promovidas por 3 ou 4 países chamados de potências ocidentais, sem que a entidade defendesse os países atacados porque esses países tem o direito de veto no Conselho de Segurança. Quem escolheu esses países? 4 deles foram impostos após a Segunda Guerra e apenas 1 foi eleito, a China. Portanto, a ONU está a serviço dos países que dominam o Conselho de Segurança e não a serviço da maioria dos povos e nações.
“Quem disse que os talibãs são inimigos? Osama Bin Laden é talibã? Não. Os que atacaram (no 11 de Setembro) o World Trade Center, em Nova York, eram talibãs? Eram afegãos? Não”.
“Se os talibãs querem criar um Estado religioso como o Vaticano, está bem. Por acaso o Vaticano constitui um perigo para nós? Não. Se os talibãs desejam criar um emirado islâmico não quer dizer que sejam inimigos”, afirmou Kadafi para cerca de 120 chefes de Estado e de Governo e representantes das 192 nações que participavam da Assembleia Geral da ONU. As palavras proféticas de Kadafi tratavam, indiretamente, da presença de tropas norte-americanas no Afeganistão que reativaram o comércio do ópio para exportação à Europa. Durante o governo talibã o ópio foi erradicado. Com a presença dos militares norte-americanos, a produção de ópio voltou com força total, envolvendo no tráfico internacional diversos comandantes e subcomandantes do exército dos EUA.
O líder líbio também atacou o domínio exercido no Conselho de Segurança por seus cinco membros permanentes, que têm direito a veto: China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia. Em resumo, Kadafi falou a verdade, e por isso fez inimigos poderosos.
“O veto contraria a Carta da ONU. A existência de membros permanentes é contrária à Carta”, disse Kadafi com o pequeno livro azul na mão, que contém o texto de fundação das Nações Unidas.
Neste contexto, Kadafi pediu mudanças fundamentais na ONU, um organismo “terrorista” que precisa ser reformado.
O líder responsabilizou as grandes potências pelos diversos conflitos armados que explodiram desde 1945, em função de seus próprios interesses, e pediu a instalação das Nações Unidas fora do território norte-americano.
“As superpotências têm interesses e usam o poder das Nações Unidas para proteger estes interesses. O terceiro mundo está assustado e vive aterrorizado e com medo”.
Kadafi apresentou proposta para reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e a democratização da entidade. A imprensa canalha não divulgou uma linha.
Kadafi falou sobre a crise climática, a desertificação, a emigração, epidemias, proliferação nuclear, o vírus HIV que foi criado como arma militar e escapou do controle de seus criadores (EUA), entre muitos outros temas de interesse mundial.
“Há mais de 60 anos as Nações Unidas estão a serviço de 3 ou 4 países, manipulando a maioria das nações em benefício de uma elite”.
Ele chamou a atenção para o preâmbulo da Carta das Nações, segundo a qual “todas nações são iguais, sejam pequenas ou grandes”. Uma mentira. “Todos os países tem direito de veto no Conselho de Segurança? Não, então, como é possível que sejam iguais?”
“As 65 guerras que estalaram no mundo durante a vigência da ONU estavam a serviço da maioria das nações? Não. Foram guerras deflagradas para beneficiar 3 ou 4 países que tem direito de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ora, isso é uma grande hipocrisia. Esses países praticam a agressão contra os pequenos povos e nações e ficam impunes, e ainda se dizem membros de um organismo que defende os interesses de todos os estados membros”. A ONU, da forma como está estabelecida, disse Kadafi, “é uma entidade ditatorial, perpetua a proliferação das superpotências”.
Ele também propôs a criação de um fórum reunindo 100 países das Nações Unidas para promover as necessárias mudanças na entidade.
Após o assassinato de Kadafi, ninguém mais contestou a organização da ONU e nem reivindicou reforma, nem mesmo a imprensa voltou ao assunto.
...


Guerras e golpes de estado organizados pelos EUA
Os governos dos EUA que se sucederam nas últimas decadas sempre praticaram a mesma política imperialista, seja para fazer guerras para roubar riquezas naturais, seja para trocar governos independentes por fantoches através de golpes de estado.
Confira a seguir as guerras, ataques militares e golpes patrocinados pelos “gafanhotos do planeta”, os norte-americanos:
China 1945-46 / Síria 1949 / Coreia 1950-53 / China 1950-53 / Irã 1953 / Guatemala 1954 / Tibet 1955-70 / Indonésia 1958 / Cuba 1959 / República do Congo 1960-65 / Iraque 1960-63 / República Dominicana 1961 / Vietnã 1961-73 / Brasil 1964 / Congo Belga 1964 / Guatemala 1964 / Laos 1964-73 / República Dominicana 1965-66 / Peru 1965 / Grécia 1967 / Guatemala 1967-69 / Camboja 1969-70 / Chile 1970-73 / Argentina 1976 / Turquia 1980 / Polônia 1980-81 / El Salvador 1981-92 / Nicarágua 1981-90 / Camboja 1980-95 / Angola 1980 / Líbano 1982-84 / Granada 1983-84 / Filipinas 1986 / Líbia 1986 / Irã 1987-88 / Líbia 1989 / Panamá 1989-90 / Iraque 1991 / Kuwait 1991 / Somália 1992-94 / Iraque 1992-96 / Bósnia 1995 / Irã 1998 / Sudão 1998 / Afeganistão 1998 / Iugoslávia-Sérvia 1999 / Afeganistão 2001 / Iraque 2002-3 / Somália 2006-7 / Irã 2005 / Líbia 2011 / Síria 2017
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Em seu Livro Verde, lançado na década de 1970, Kadafi expôs sua filosofia política, apresentando uma alternativa nacional ao comunismo e ao capitalismo, combinada com aspectos do islamismo. Em 1977 criou o conceito de Jamahiriya ou “Era das Massas’”, em que o poder é exercido através de Congressos e Comitês Populares, a democracia direta.
O Livro Verde – A Terceira Teoria Universal, tira a máscara das democracias ocidentais e ditaduras comunistas. Ele revela que as eleições chamadas democráticas no ocidente não passam de comércio e mentiras, votos comprados, negociados, transferência de poder do povo para uma minoria de privilegiados que recebe “carta branca” para roubar o povo durante o mandato eleitoral.
A Jamahiriya Líbia passou a apoiar os povos que lutavam por libertação em diversos países do mundo, incluindo a luta contra o apartheid na África do Sul, porque o povo líbio assim o decidiu. Decadas depois, o líder Nelson Mandela confessou que sem o apoio militar e financeiro da Líbia a libertação da África do Sul teria demorado muito mais tempo, e custado milhares de vidas a mais.
Os países imperialistas, mantenedores de ditaduras militares em diversos países, acusavam a Líbia de apoiar o terrorismo em diversas partes do mundo. Entretanto, na verdade Kadafi apoiava os movimentos que lutavam por libertação, e jamais o terrorismo.
Nas guerras da Líbia, Afeganistão, Síria e Iraque, ficou provado que o governo norte-americano e seus cúmplices (governos da Inglaterra, Israel, França, Itália, Espanha entre outros) são os verdadeiros financiadores dos movimentos terroristas internacionais. Eles financiam e manipulam esses grupos (Al Qaeda, Estado Islâmico, Daesh, Isis etc) para fazer o serviço sujo: atacar governos e povos que não se submetem ao imperialismo e ao sionismo, experimentar armas, gastar munição estocada e fomentar o comércio bélico – o mais lucrativo do mundo, afinal, como os medicamentos, os mísseis e bombas tem prazo de validade, e devem ser substituídos, de preferência em outros países, para não poluir o ar, a terra e as águas dos países fabricantes.
A Líbia kadafista foi a mais bela joia da África, um exemplo para o mundo civilizado, e foi punida por enfrentar os verdadeiros terroristas da humanidade: as potências imperialistas. Uma pequena nação com pouco mais de 6 milhões de habitantes foi atacada pelas maiores potências militares do planeta de forma covarde, como sempre fazem quando se trata de submeter os povos que defendem sua liberdade e soberania.

“Assim foi a crueldade de Kadafi”
O artigo a seguir, com muita ironia, foi publicado na Schweizmagazin:
“Assim foi a crueldade de Kadafi
Os “sofrimentos” que o tirano Kadafi provocou durante 4 decadas:
1. Não havia conta de luz na Líbia, porque a eletricidade era gratuita para todos.
2. Créditos bancários, dos bancos estatais, eram sem juros para todos - por lei expressa.
3. Casa própria era considerada como direito humano, e o governo fornecia uma casa ou apartamento para cada família. 
4. Recém casados recebiam do governo 50 mil dólares para comprar casa e iniciar a vida familiar.
5. Educação e saúde eram gratuitas, da pré-escola à universidade. Antes de Kadafi: 25% dos líbios eram alfabetizados. Até 2010, 83% eram alfabetizados. E o governo fornecia bolsas de estudo no exterior para milhares de jovens com ensino superior, em diversos países.
6. Agricultores iniciantes recebiam terra, casa, equipamentos, sementes e animais gratuitamente.
7. Quem não encontrou formação ou tratamento desejados recebia financiamento para ir ao exterior, recebendo mais 2.300 dólares mensais para moradia e carro.
8. Na compra de automóvel, o estado contribui com subvenção de 50%.
9. O preço de gasolina: 0,10 Euro = R$ 0,35. (Cotação na época)
10. Faltando emprego após a formação profissional, o estado pagava salário médio da classe profissional até que o cidadão conseguisse a vaga desejada ou montasse seu próprio negócio.
11. A Líbia não tinha dívida externa - as reservas de U$ 150 bilhões, a maioria em ouro, foram roubadas pelos governos e bancos estrangeiros durante a guerra.
12. Parte de toda venda de petróleo era diretamente creditada na conta de cada cidadão, proporcionalmente, de acordo com o número de filhos.
13. A mãe que dava à luz, recebia como prêmio 5 mil dólares.
14. 25 % da população líbia tem curso superior.
15. Kadafi construiu o projeto GMMR (O Grande Rio Artificial), transportando água dos lençóis subterrâneos do rio Nilo para as cidades e agricultura, irrigando parte do deserto.
“Graças à Deus, à Otan, aos EUA e aos rebeldes e mercenários, o povo líbio está livre de tudo isto”.
Agora é só uma questão de tempo para o povo derrubar o governo fantoche criado pelos EUA. O país sofrerá um atraso de muitos anos, mas pelo menos os governos dos EUA, França e Inglaterra venderam e compraram muitas armas, e passarão a roubar o petróleo e o gás natural da Líbia por algumas decadas.”



A maior obra de engenharia do século: o Grande Rio Artificial
A imprensa não deu o devido destaque à maior obra de engenharia do nosso século, a construção do Grande Rio Artificial na Líbia, um aqueoduto subterrâneo de 5 metros de diâmetro e 3.500 quilômetros de extensão, a época de sua inauguração, depois a extensão chegou a superar 4.500 quilômetros.
A obra foi inaugurada por Kadafi em 14 de julho de 1991 para levar água do Sistema Aquífero de Pedra Arenosa da Núbia, originado da última Era do Gelo, com cerca de 150.000 km² de água subterrânea, para dezenas de cidades líbias, transformando parte do deserto em terra agricultável.
A obra gigantesca foi administrada por empresas alemãs que apresentaram a melhor tecnologia.
A inauguração contou com a participação de delegações de mais de vinte países. Entre as organizações presentes estavam a Nasyo (Organização dos Jovens e Estudantes Não Alinhados), a Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD), União Internacional dos Estudantes, Associação dos Estudantes da Ásia e da Juventude do Movimento Pan-Africano.
Os líbios se referiam à obra como “a oitava maravilha” do mundo.
O líder Muamar Kadafi destacou, quando inaugurou a primeira parte do projeto - após um investimento de US$ 5 bilhões, em 1º de setembro de 1991, no 22º aniversário da revolução: “A Líbia completou este trabalho em circunstâncias difíceis. Realizou sob um bloqueio econômico imposto pelo imperialismo antipovo e antiprogresso. Foi completada sem a ajuda dos bancos mundiais”.
“A revolução agrícola permitirá ao povo líbio garantir sua vida, comer livremente seu alimento que normalmente era importado, isto é liberdade, independência, é revolução. Essa obra demonstra que o povo líbio é um povo amante da paz, usando sua própria capacidade para superar o subdesenvolvimento”, acrescentou Kadafi.
No festival inaugural as presenças mais destacadas foram: o ministro da Juventude e dos Esportes, Ali Al Sharri e o prefeito de Sirte.
O projeto comporta o maior aqueduto e tubulação subterrânea do planeta com 5 metros de diâmetro. Uma gigantesca infraestrutura permite sua operacionalização através de estações geradoras de energia elétrica com potência de 15 megawatts com turbinas acionadas a gás, instaladas nas origens do aqueduto, em Sarir e Tarzebo.
As escavações iniciais ao longo dos 3 mil e quinhentos quilômetros do projeto, foram de 6 metros de largura por 7 de profundidade para a colocação dos tubos.
Apenas no início, na sua inauguração, o rio artificial irriga 135 mil hectares de terra.
Na inauguração do Grande Rio Artificial milhares de líbios festejaram a conclusão da maior obra de engenharia do século, demonstrando que o governo da Jamahirya Árabe Popular Socialista da Líbia estava voltado para a efetiva melhoria das condições de vida do povo árabe líbio.
Nos anos que se seguiram grande parte do povo líbio passou a desfrutar de água potável em quantidades jamais sonhadas. Parte do deserto floresceu com extensas áreas de plantações de alimentos.
Até que na guerra de ocupação da Líbia, em 2011, os “civilizados” governantes ocidentais, através da Otan, mandaram bombardear as estações de bombeamento de água, destruindo a maior parte do Grande Rio Artificial da Líbia. Onde havia fartura e progresso, levaram destruição.


O mundo sem Muamar Kadafi é mais injusto
O equilíbrio é a ordem natural das coisas. Quando os EUA e seus cúmplices – Otan – assassinaram o líder Muamar Kadafi eles quebraram o equilíbrio que havia no continente africano. Os maiores criminosos da humanidade (EUA, França, Inglaterra e Israel) não teriam coragem de atacar o Chade, Sudão ou a Síria se Kadafi estivesse vivo.
Relembrando a derrota dos EUA, França e Inglaterra na Revolução Al Fateh, quando os líbios colocaram para correr de seu território as potências colonialistas, é importante lembrar que na época não houve derramamento de sangue. A união do povo líbio em torno de Kadafi era total. Os militares – sem exceção – abraçaram a revolução e os militares estrangeiros fugiram do país com o rabo entre as pernas, como cães vagabundos.
Na retirada da maior base militar norte-americana no exterior, na época, a base de Maatinga, os norte-americanos saíram correndo, deixando para trás armamentos pesados, aviões e tanques. O local foi mantido intacto ao longo das decadas que se seguiram, servindo de museu a céu aberto para os líbios. Os visitantes comprovavam pessoalmente a gigantesca estrutura dos norte-americanos em seu trabalho permanente para tentar dominar o mundo árabe e os demais povos do mundo.
Mas o jovem beduíno de Sirte, à frente de um país com pouco mais de 2 milhões de habitantes na época, colocou para correr os militares da maior potência do planeta.
Decadas depois, quando a França atacou o Chade para roubar suas riquezas naturais – como fez recentemente, sem nenhuma reação dos governos dos países ditos “civilizados” – Kadafi não titubeou: enviou aviões e soldados para defender o país vizinho. A guerra durou alguns anos e os franceses recuaram, derrotados.


Os anos se passaram e Kadafi apoiou – financiou – movimentos revolucionários que lutavam por liberdade em diversos países do mundo. A Líbia era a casa dos revolucionários internacionalistas. Mandela visitava a Líbia quase que mensalmente para buscar apoio financeiro e militar durante a guerra de libertação. Diversas vezes encontrei jovens sul-africanos sendo treinados em quartéis líbios. Eles recebiam treinamento militar, o melhor armamento da época e transporte para regressar à África do Sul e lutar contra os racistas - apoiados na época apenas por EUA, Inglaterra e Israel.
Em 1986 quando os norte-americanos bombardearam a Líbia, sofreram perdas consideráveis diante da resistência heroica do povo líbio. Foi uma dura lição para os norte-americanos. Eles compreenderam que sem o apoio de seus cúmplices, não conseguiriam vencer a Líbia, e então, em 2011 reuniram o maior número possível de governantes canalhas, bandidos e covardes - através da Otan – e ocuparam a Líbia após centenas de bombardeios aéreos (terrorismo de Estado) e financiamento de mercenários, terroristas e extremistas.
Antes, porém, Kadafi fundou a União dos Estados Africanos e foi o seu primeiro presidente. Ele estava construindo a união militar dos países africanos para se defenderem do imperialismo e do sionismo. Ao mesmo tempo, fundou o Banco da África, reunindo todos os países africanos para quebrar a hegemonia dos sionistas e imperialistas no sistema financeiro internacional, enfraquecendo o FMI. Isso foi demais para aqueles que pretendem dominar o mundo, e a guerra foi declarada, os massacres realizados, e a Líbia foi dominada - temporariamente.
Kadafi defendia nas Nações Unidas que as potências imperialistas deveriam indenizar os países colonizados. A Itália já estava pagando indenizações à Líbia por ter saqueado suas riquezas durante o período de ocupação italiana.
Para que os países colonialistas, o imperialismo e o sionismo conseguissem cometer seus crimes com impunidade contra a humanidade na África e no mundo árabe, era preciso eliminar Kadafi, e assim eles o fizeram.
Kadafi foi o que foi, um lider mundial internacionalista, defensor da paz, da solidariedade, da liberdade dos povos. Tivesse ele seguido o exemplo dos reis árabes, de submissão ao imperialismo e ao sionismo, estaria vivo, desfrutando das riquezas de um dos países maiores produtores de petróleo do mundo, mas, Kadafi, um legítimo beduíno do deserto, um árabe honrado e genuíno, estava destinado a escrever seu nome na história da humanidade, com palavras de coragem e valentia. Isto é o que define os homens. De um lado os covardes, os traidores; de outro lado, os honrados, os guerreiros como Muamar Kadafi.


O legado de Kadafi na internet
Diversos discursos de Kadafi ao longo dos últimos anos estão disponíveis na internet, com e sem traduções, principalmente no youtube. É um legado para as atuais e futuras gerações, demonstrando que o líder líbio era um visionário futurista.
Em um de seus discursos, nos dias que antecederam a vitória eleitoral de Barack Obama em 2009, Kadafi comentava a declaração de Obama em busca de votos dos sionistas que dominam a economia e a mídia norte-americana, prometendo aos sionistas o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Nos dias que se seguiram após a posse, os militares convenceram Obama de que a decisão poderia deflagrar uma guerra sem controle no mundo árabe, derrubando monarquias fiéis aos EUA e colocando em risco o fornecimento de petróleo. Obama então recuou, assim como o atual presidente Donald Trump também prometeu entregar Jerusalém aos sionistas durante a campanha, para agradar aos ricos banqueiros judeus sionistas que controlam o sistema financeiro mundial, mesmo sabendo que não cumprirá a promessa porque os riscos são imensos. Entretanto, Kadafi em seu discurso classificava essa promessa de “liquidação de campanha”, como dizem os egípcios, isto é, mentira de campanha eleitoral.
Nesse discurso Kadafi mostra-se profundamente decepcionado com Obama. Ele lembra que Obama é filho de um queniano com uma norte-americana, e que Obama estudou em escola islâmica na Indonésia, mas que apesar disso, não entendia nada de política internacional porque estava fazendo o jogo dos capitalistas opressores e colonialistas.
Ele lembra a Obama, no discurso, que John Kennedy foi assassinado a mando dos sionistas norte-americanos porque prometeu investigar a usina nuclear israelense de Dimona. Kennedy sabia que Israel desenvolvia tecnologia militar para construir sua primeira bomba atômica a partir da corrupção de agentes secretos norte-americanos que venderam segredos militares, e ameaçou Israel de fazer uma inspeção ou cortaria a ajuda financeira ao país – sem a qual o país não sobrevive. Para evitar a inspeção, o então presidente Ben Gurion renunciou ao cargo e abriu caminho – conseguiu tempo – para que os sionistas norte-americanos arquitetassem o assassinato de Kennedy. Após a morte de Kennedy o aviso foi dado e nunca mais nenhum presidente norte-americano atreveu-se a se meter com Israel.
Cientistas israelenses afirmam que Israel possui mais de 50 bombas atômicas em seu arsenal, armas de destruição em massa, mas enquanto isso as Nações Unidas e os EUA estão preocupados com a Coreia do Norte, um país que nunca atacou nenhum país e que vive sob chantagem nuclear norte-americana desde os anos 50.
O presidente Sadam Hussein foi morto e o Iraque quase destruído porque foi acusado de possuir armas de destruição em massa – uma acusação jamais provada -, mas Israel possui armas de destruição em massa, bombas atômicas, e a comunidade internacional e ONU silenciam covardemente para esta real ameaça à humanidade. Vivemos no mundo da hipocrisia.
Demonstrando como o pensamento de Kadafi era futurista, em um discurso no ano de 2009, ele chamava a atenção do presidente Obama para o problema da imigração. Disse Kadafi: “Os Estados Unidos da América não pertencem nem aos brancos nem aos negros. O povo nativo dos EUA é o povo indígena”. Uma verdade cristalina, simples e de fácil entendimento, mas que revela a raiz de todos os males contemporâneos naquela nação, onde um descendente de imigrantes (Donald Trump), casado com uma imigrante, promove uma caçada de morte aos imigrantes.
Em um de seus últimos discursos em Trípoli, Kadafi alertou a Europa das terríveis consequências de uma guerra à Líbia. Ele disse que países atacados pelo ocidente, com seus governos destruídos, abririam o caminho para o crescimento do terrorismo em larga escala através da Al Qaeda (e depois Estado Islâmico, Daesh, Isis).
Esses terroristas ficariam incontroláveis e partiriam para cometer atentados na Europa, fazendo com que os povos europeus pagassem um elevado preço pela covardia de seus governantes diante das políticas expansionistas dos Estados Unidos da América.
As previsões de Kadafi se realizaram e estão se realizando. Os países europeus passaram a conviver com atentados terroristas que levam medo, destruição e insegurança aos povos que antes da guerra à Líbia viviam em paz e segurança.
Nos dias que se seguiram ao martírio de Kadafi, centenas de manifestações foram registradas em países africanos. Até mesmo em jogos das seleções da Argélia e Tunísia levantaram faixas imensas lembrando o líder martirizado. Em outros países da África, manifestações nas ruas também lembraram que todo o poder bélico das potências ocidentais não é capaz de tirar Muamar Kadafi dos corações dos povos que lutam por liberdade.



Fim



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Sugestão de capa: Francisco Souto Neto
Capa: Antonio Carlos Santin Júnior

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